sábado, 13 de novembro de 2021

O grau zero da existência

 

No início,

ainda que não haja início,

o nada,

o nada inexiste,  

o entre a vontade e a potência: o eubiótico da criação.

Criação-existência-forma.

A forma de corpo, o corpo do sentido, o sentido da sensação.

Sensação da percepção, vontade - expressão.

O hiato entre a potência e a expressão - o pensamento,

o pensamento - linguagem, linguagem da fala.

A fala do falante ouvinte do amante.

A existência vagando, exprimindo,  

descendo aos recônditos da alma

até onde não é possível descer mais.

Esqueceu do começo, se é que houve um começo.

Descendo mais e mais até esquecer-se de si mesmo,

até não se caber mais,

até não se reconhecer mais, até não mais “existir”,  

a nadificação se fazendo sentir.  

Múltiplas formas suprindo o nada;

encetando desejos de vazio;

escondendo sua face para não se ver no espelho;

se tornando ora um narciso às avessas, ora mil medusas.

Bradando contra a criação, contra si, desejando não existir, e ao desejar percebeu existindo,  

criando ilusões,

se vestindo de ego,

mentindo para si,

para os outros,

trajando roupas que não lhe cabia,

mentindo para si de novo,

continuou se iludindo,

desejou de novo não existir.

Exagerou no batom, se borrando, limpando rosto, ficando nua,

não gostou do seu corpo, se vestiu de lua.

Se banhou de mar, marejou,

Bradou contra as águas, esbravejou.

Trabalhou demais, cansou.

Pensou em demasia

Viveu em agonia

Controlou o fluxo

Cortou o pulso

Chorou de soluço.

Imitou Deus, gerou vida,

Sentiu-se embevecida.

Parou de lutar, desistiu de insistir,

Atingiu o grau zero da existência,

O ponto onde só existe o nada, que é tudo;

sem forma, sem medo, sem passado, nem futuro,

nem ontem, nem amanhã, nem cavalo preto fugindo a galope,

Sem marcha, sem rima, sem acorde,

de volta ao começo,

ao som inicial,

perceptível, inexprimível, inconfundível,

ao sopro primeiro, ao instante entre vontade e potência,

antes da linguagem, de tudo, de volta para casa, sem forma, sem nada,

sem tempo, sem espera, sem esperança, sem expectativa, apenas sendo, existindo

sentindo sem fala, pleno de si,

de volta ao início,

se é que houve um início

onde havia o nada,

o nada inexiste.

 

        

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Pensando com os pés

 

Os pés pisam em areias molhadas deixando marcas.

As ondas apagam.

Marcas são feitas de caminhar.

Areias molhadas absorvem o peso do corpo, impulsionando novos passos e ondas num moto continuum apagam.

É ciclotímico o movimento de caminhar e apagar,

pisadas são afagadas pela suavidade marcada pelas águas.

Por que caminhar se as marcas são de apagar?

Caminhar é andarilhar, pensar com os pés como Sêneca.

Tudo que é deixado nas areias as águas levam, lavam, arrastam, apagam, sorvem, embebem, dissolvem, resolvem, revolvem.

As águas molham a terra beijando-a com suas finas mãos delicadas, umedecendo-a, esfriando-a do sol tórrido queimando sua tez acinzentada.

Pegadas são marcas revolvidas pela força das ondas da praia, num movimento sinuoso de ir e voltar, avançar e recuar,  não são rochas sempiternas.   

Areias não são pedras, são maleáveis, abarcam e aceitam as marcas deixadas na sua epiderme e por serem frágeis, apagam as pegadas.

A Praia de cada estação

Velas ao vento
Casco n'água
As ancas caídas com o peso da lida,
o olhar para o horizonte para mares singrar,
A praia cada vez mais distante,
Novas terras a aportar.
O porto de saída não é o de chegada,
As águas turbulentas levam a navegar,
para o alto, avante,
Mar, maré, barco, o vento, proa, sal, rede,
Canoa, camboa,
Sol a pinar.

Entrevista com Arton, de Sirius. Parte II

  Entrevista realizada no dia 14 de fevereiro de 2024, às 20:00, com duração de 1': 32'', gravada em um aparelho Motorola one zo...