quarta-feira, 24 de junho de 2020

Desejo e criação: PARTE II


PARTE II

O desejo manifesto passa a compor a existência, sendo a existência a expressão do desejo. Não que existência e desejo sejam a mesma coisa, mas existência assume a forma do desejo. A vida passa a ser a forma como a desejamos.

Um ponto fixo. Um pensamento ganhando forma. Aos poucos, a vida se confunde com aquilo que pensamos e o que pensamos, vai se materializando. O ponto cresce e se torna feixe. O feixe se amplia criando outras conexões. As conexões criam nexos e os nexos sentidos. A vida se confunde e passa a ser medida pelos sentidos atribuídos a ela.

Um desses sentidos é a noção de ego, “equivocadamente”, interpretado como o eu. É um eu, mas não o eu mais profundo. Mas esse eu interpretado como sendo eu, é um sentido tão cheio de si, que se confunde com a própria noção de existência.

À medida que o tempo passa, esse Ego toma conta da vida. Atribui significados, conota sentimentos, atribui valores. Como cada existência é medida por esse Ego, a vida é um repertório de egos em disputa.

Às vezes, esse Ego se atrela tão profundamente a certezas, que qualquer outra interpretação sobre a vida se torna inexequível. Ou, outras vezes, tais certezas são a própria ideia de vida. Como qualquer outra mediação está obnubilada por tais certezas, todas as vezes que o Ego é contrariado, a vida é lida enquanto adversária. É a vida contra o Ego. Não é a vida ampliando as possibilidades do Ego, convidando-o a abrir mão de suas certezas, e sim, a lidima das vicissitudes, “massacrando” o eu.

É uma eterna batalha vencer o eu, que significa não encerrar a vida, mas um tipo de disputa, ampliando as possibilidades da vida e convidando o eu a aumentar a exponencia dos sentidos da vida. O Ego encara a batalha como a morte de si pleno, quando se trata de transmutação. Não admite “perder para si mesmo”, pois sua mudança implica abandonar os pontos fixos, os feixes, os nós que os trouxeram, até onde se encontra.

Como transmutar os nós e encarar a possibilidade de novos feixes ainda não vivenciados? Eis a questão!! Diante do insólito, do não vivido, do inesperado, as velhas batalhas. É mais fácil lidar com o trilhar desenhado, que galgar novos caminhos. A segurança, ainda que não segure mais nada, que não faça mais sentido, que não apresente mais nada, que só reforce os mesmos caminhos já trilhados, é incomensuravelmente mais confortável que o desconforto do não saber por onde caminhar.

O Ego teme a morte, não apenas a morte física, mas a morte de si. A morte é a única certeza da vida que se tem: a morte como recomeço, como princípio, como reinício, como vida. Tudo morre, para mais uma vez, viver. Tudo morre, para mais uma vez, renascer. Tudo esvanece, para mais vezes, florescer. O Ego não deveria temer a morte, pois a única real e verdadeira morte é o medo de viver. É quando a morte se antepõe, não enquanto continuidade da vida, mas sim, enquanto antivida. Morte e medo são silogismos.

São as mesmas faces da mesma moeda, mas não a morte como renovação, e sim, enquanto não renovação. O medo é libelo do antinovo, é a chave que não vira, o não bater de asas, é o voo não alçado, a lagarta que não vira borboleta por temer o voar, pois sempre rastejou.

É preciso morrer. É preciso deixar morrer os feixes, os pontos, os nós, os eus, dar passagem a novos feixes, pontos, novos eus. Assim, o ciclo viver-morrer se completa, se renova, para mais uma vez, viver-morrer.

Se os pensamentos não se desvanecem, outros pensamentos desses mesmos pensamentos não brotam. Outras possibilidades dessas mesmas possibilidades não se possibilitam. Nenhuma nova variação não varia. As palavras novas não surgem. Os significados continuam significando as mesmas coisas. Os Nós não desatam.

É preciso celebrar a morte, pois ela entende o que é vida, enquanto a vida, só se compreende enquanto não morre.     

  
 

Entrevista com Arton, de Sirius. Parte II

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