domingo, 15 de junho de 2014

Os legados da Copa do mundo de futebol 2014 Brasil

Durante trinta dias os olhos do mundo estarão voltados para o Brasil. Depois de longos sessenta e quatros anos o país volta a sediar o evento, sem olvidar do "maracanaço": episódio de arrogância da seleção brasileira que comemorou a conquista antes mesmo do apito final na partida contra o Uruguai, fruto do ufanismo brasileiro, perdendo para a celeste por 2 X 1.

Desta vez o clima de Copa está arrefecido; não há tanto ufanismo, pouca empolgação e se não houver nenhuma catástrofe já é para ser comemorado. O que aconteceu no "país do futebol" que tanto se orgulha do "maior patrimônio" cultural - embora não seja, as maiores riquezas são a música, as danças, o sincretismo religioso, a literatura, esta última tão esquecida nesse país? O futebol é a extensão desses outros elementos citados, acrescidos de uma herança escravocrata que obrigava negros a se destacaram socialmente pela falta de oportunidade, pela grande exclusão e preconceito social, levando-os inclusive a inventar o drible, afinal, como não havia penalidade na agressão contra os negros, foram obrigados literalmente a driblar a violência dos brancos em campo, sem esquecer ainda de terem que se pintar de branco para disfarçar a cor. Os ingleses reapropriaram, resignificaram o futebol, os brasileiros inventaram a jinga, o drible desconcertante. É claro também que isto é uma apropriação discursiva, afinal, no processo de reinvenção, reelaboração da construção da nacionalidade brasileira na década de 30, o varguismo, a ditadura de Getúlio Vargas, encapsulou o futebol enquanto estratégia simbólica e politica como artefato cultural conotando a ideia de genialidade brasileira em detrimento do desenvolvimento artístico-futebolístico no Uruguai e Argentina. 

Então, se a Argentina e Uruguai possuíam tanto talentos como os brasileiros, porque foi construída a ideia de que o Brasil é o país do futebol? Sem negligenciar a genialidade de jogadores como Leônidas da Silva, Djalma Santos, Nilton Santos, Didi, Vavá, Canhoteiro, Pelé, Garrincha, dentre outros, no Brasil, mais do que nos países vizinhos, o estado utilizou o simbolismo futebolístico como estratégia de afirmação nacional e jogou pesado com a calistenia da Educação Física, o folclore como instrumento de positivação da nação e a construção do gigantismo territorial, sem falar da campanha do petróleo, entre outras coisas.

O futebol sempre foi uma válvula de escape que os brasileiros utilizavam para serem notados, lembrados, até mesmo ascensionados socialmente. Na ausência de uma clareza, transparência quanto aos rumos da politica, da definição do papel do estado, se aproveitavam dos imensos espaços vazios urbanos para jogarem bola, já que não havia politica pública de lazer e educação, ou eram precárias, continuam sendo. Com a aceleração do processo de urbanização, com a profissionalização do futebol, com o controle do capital ao esporte fazendo dele mais um instrumento mercadológico, os brasileiros começaram a perceber que talento não era o bastante -  certos empresários controlam os clubes, o mercado da bola -, e, como diria o bom e velho Karl Marx: no capital tudo vira mercadoria, é o fim da poesia via futebol. A ingenuidade de um Garrincha não tem mais espaço.

O desencantamento com o futebol, o processo de inclusão social pelas politicas públicas do governo Lula - 25 milhões de brasileiros foram retirados da pobreza -, o acesso a informação pela inclusão digital, o avanço dos movimentos sociais, a ampliação do número de vagas nas universidades públicas e particulares (com todas as criticas a qualidade do ensino), o confronto ideológico entre camadas populares e elites, gestou um elemento embrionário da mudança social: a conscientização politica.

Quando o país foi anunciado com sede da Copa a economia mundial navegava em outras ondas. No governo Lula, responsável por trazer a Copa do mundo e as Olimpíadas, o Brasil vivia um momento de crescimento econômico, chegou a ser a 5ª maior potência do mundo. Depois da grande crise de 2008, o sistema econômico mundial arrefeceu e o sucessor de Lula iria pagar a conta pelo aumento substancial com gastos públicos, inclusive com politicas sociais.

A sucessora de Lula foi a Dilma e nos seus primeiros dois anos de governo bateu incrivelmente os índices de aprovação do seu antecessor. Os problemas começaram quando a economia do Brasil começou a dar sinais de enfraquecimento: a inflação voltou, os investimentos públicos, como o PAC por exemplo, foram suspensos, obras como refinarias idem e a gestão autocentrada da presidente desagradando aliados entornaram o caldo. Começavam as criticas a sucessora de Lula.

Por que os brasileiros não protestaram quando o país foi anunciado como sede da Copa? Porque o clima à época era de total otimismo e confiança no país, afinal, as condições econômicas eram extremamente favoráveis. A primeira manifestação eclodiu em São Paulo após o aumento de passagens de ônibus, sintoma da crise econômica e do processo não de empobrecimento nacional, mas da falta de um crescimento vertiginoso em anos anteriores. Para completar o clima de indignação, a truculência da Policia Militar paulista reprimindo os manifestantes de forma violenta e covarde. Pronto. Os ingredientes, aliado ao fato do desencantamento com a politica e a falência do modelo representativo dos partidos políticos brasileiros completaram o quadro (sobre a falência do modelo representativo politico brasileiro e as manifestações, escrevi quatro ensaios neste blog).

Mas não apenas isso. A substituição da gestão presidencial, a corrupção e os gastos com a Copa catapultaram a indignação nacional. O presidente Lula, imerso em problema de corrupção do PT, priorizou a Copa do Mundo, Dilma não. Ela atrasou a liberação dos recursos do BNDES para as obras dos estádios e da infraestrutura urbana por não concordar com as condições, acordos, projetos estabelecidos entre o governo do seu sucessor e a FIFA. Além disso, houve sérios problemas de projetos e execução por parte dos governos estaduais quanto as obras de infraestrutura urbana.

O custo total dos estádios ficou em 4,5 bilhões de reais. Estádios como Mané Garrincha, em Brasília, cidade sem expressividade futebolística, cujo custo atingiu 1,200 milhões de reais revoltaram o país, escolha de Cuiabá e Manaus como sedes, além de terem 12 sedes ao invés de 08 também colocaram em xeque a organização do evento, sem contar a conta politica por parte do PT de se beneficiar da Copa como estratégia de perpetuação politica. Aliás, o PT fracassou no projeto de projeção e propaganda politica usando os dois megaeventos. A Copa é quase um fiasco, as Olimpíadas tendem a ser pior.

Só existe um coro entoado por parte da oposição ao PT e pelos manifestantes com desvio de foco: o de que o Brasil não deveria sediar por possuir outras prioridades. Errado. O problema não é sediar, nunca houve problemas de recursos financeiros, tanto que os estádios foram superfaturados e sim, não existir investimento em tão elevado custo com educação, saúde, segurança.

O Brasil deveria sim sediar a Copa e os legados são inevitáveis; já chegaram ao Brasil 800 mil turistas que vão gastar 2,5 bilhões de dólares, exatamente o valor que o país gastou para construir os estádios; foram criados 700 mil empregos diretos e indiretos; infraestrutura urbana deficiente recebeu vultosos investimentos, tais como: aeroportos, mobilidade urbana (metros, vias de acesso, estradas); hotéis estão com 80% de suas ocupações; o setor turístico foi impulsionado pela divulgação de áreas completamente desconhecidas do cenário internacional. O problema foi a corrupção, projetos, planejamento, fiscalização, execução.

Mas, o maior legado é politico. Pela primeira vez os brasileiros não tiveram vergonha de expor suas contradições e reivindicar mundialmente que estão insatisfeitos com a politica. Curiosamente esse processo se deu exatamente por aquilo que os orgulham: o futebol. Se não fosse a incompetência da organização do mundial de futebol e tudo tivesse dado certo o mundo e o Brasil ficariam com a sensação de que por aqui as coisas estão ótimas, quando não estão.

Além disso, a responsável pelo evento, a FIFA, foi esgarçada, exposta mundialmente pela corrupção, pela sua ingerência, por sua sanha por lucro, por usar o futebol como objeto de arrecadação de dinheiro, pelo seu conservadorismo em excluir a população pobre do evento. A FIFA é a própria cara do futebol atual: corrupto, vide a lavagem de dinheiro na Inglaterra e França, excludente, sem alma e vibração.

O país do futebol, que seria a cereja do bolo do PT e da FIFA enquanto instrumento politico de perpetuação de seus mandatários, está sendo usado exatamente para pedir a saída de seus representantes: Joseph Blatter e Dilma Roussef.  

O xingamento a que a presidente Dilma foi submetida na abertura da Copa em São Paulo e Minas Gerais mandando ela tomar no cu revelam não só a falta de educação dos brasileiros, como o conservadorismo da elite brasileira, sobretudo porque tais lugares são redutos do PSDB, principal oposição do PT. O PSDB, assim como outras oposições torceram contra a Copa na esperança e afã de um vexame mundial.

Apesar de todos os problema de organização, furtos já registrados, confronto com a polícia, o evento mostra ao mundo como o capital, representado pela FIFA, não pode pausterizar os costumes, eliminar as diferenças, evitar as questões étnicas e regionais. A seleção inglesa foi vaiada em Manaus em represália ao seu técnico ter dito que não gostaria de jogar na selva, além disso, os jogadores tomaram vacina contra a Malária, prepotência inglesa; Balotelli, negro, naturalizado italiano, foi ovacionado neste jogo; Didier Drogba, da Costa do Marfim, disse se sentir em casa depois da recepção em Recife no jogo contra o Japão; Colombianos tomaram conta de Belo Horizonte e os brasileiros torceram contra os gregos nesta partida e até os argentinos foram extremamente bem-recebidos.

A África do Sul usou a competição para aplacar anos de apartheid, o Brasil está sendo um laboratório de mudanças sociais. A forma tíbia como o estado brasileiro subjugou-se a entidade FIFA é vergonhosa, inclusive abrindo mão da arrecadação fiscal. Na Alemanha, em 2006, a entidade tentou alterar o estádio de Munique, sem sucesso, no Brasil, o Maracanã, tombado pelo patrimônio histórico nacional, foi violentamente modificado. Os ganhos da FIFA são astronômicos, o evento como a Copa é o momento de maior arrecadação da entidade. Ainda assim, questões politicas perpassam o futebol. A federação argentina será punida por exibir o cartaz com os dizeres: “As malvinas são da Argentina”; Bósnia e Croácia tentam pelo futebol superar os horrores da guerra que deixou tantas feridas.

Estamos assistindo no Brasil a dessacralização do futebol, exatamente por estarmos sediando o evento. Quanto acontece em outro país o sentimento contagiante de se sentir representado pela seleção brasileira é igualado pelo simbolismo pátrio, ou seja, os brasileiros dizem no futebol o que não conseguem dizer nas questões sociais que causam tanta vergonha. Dessa vez é o contrário, as nossas vísceras estão expostas.  Que bom.

Estamos assistindo o nascimento de uma nova nação, mais uma vez. Os legados são notórios. Estamos dizendo ao mundo a nossa forma de fazer e de viver. Aqui não é a Europa. No Brasil os jogadores europeus reclamam e fazem muitas exigências: do calor, de aranha no quarto, de formiga, de quase tudo. Comportam-se como se fossem o centro do universo, numa atitude extremamente eurocêntrica. Aqui não é Europa. A atitude preconceituosa dos europeus se expressa na forma como olham o país. Nos seus jornais de origem estampam fotos de bundas de mulheres brasileiras, fazendo alusão a ideia de que mulher brasileira é puta, expectam reverencia e servilismo dos brasileiros. O perfil dos turistas da Copa é de 80% de homens entre 25 e 40 anos, ou seja, quando foi anunciado que o Brasil sediaria o evento vários jornais da Europa postaram fotos de mulheres brasileiras. Muitos espanhóis após a derrota para a Holanda por 5 x 1 chamaram os brasileiros de macacos e que passam fome o restante do ano por terem sido vaiados. Ainda assim, os europeus foram recebidos calorosamente, fora dos campos. Essa mistura de recepção e hostilização denotam a confusão entre baixa autoestima e sentimento de vingança contra os países mais ricos, o problema é que esse sentimento de inferioridade e o pretexto de sermos pobres não cabe mais, afinal, somos a 7ª economia do mundo. O padrão rede Globo de idiotização e alienação não convence mais, as manifestações e as ações dos Black Blocks expõem a violência do estado, apesar dos equívocos na forma de contestação, a falta de educação nos estádios e fora deles, e, sobretudo, a falta de energia em convencer o mundo de que somos bons é a maior exemplificação de mudança social. Orgulho da nação não é sinônimo de ufanismo, torcer pela seleção não é negligenciar outras dimensões da vida. Definitivamente estamos assistindo a uma mudança de postura.

Como se não bastasse, ficou claro para os brasileiros que futebol não é apenas futebol. Nessa arena, iranianos podem se vingar de estadunidenses, argentinos podem vencer os ingleses, africanos não são colonizados por europeus, bósnios podem bradar ao mundo suas feridas. No caso dos brasileiros, ficou claro que a estratégia de utilização politica pelo PT esbarrou nas imensas complexidades geográficas, culturais, de estratégia e planejamento, inclusive que é preciso avançar quanto ao amadorismo, ao "jeitinho brasileiro" de fazer as coisas, ao improviso, tão laureado por nós, mas que no fundo é ausência de metodologia, de gestão, além de ser uma estratégia para a corrupção, afinal, na eminencia de uma catástrofe e em nome da urgência aumentam-se os valores, triplicando orçamentos iniciais.

Futebol não é apenas futebol. A ridícula cerimônia de abertura da Copa enfatizando um conjunto de estereótipos culturais do Brasil revela a necessidade de revisitarmos a forma como nos enxergamos e somos enxergados. A opção pela forma e estética da cerimônia denota como estamos presos a modelos conceituais sobre a brasilidade, tão desgastadas e sem reflexão, sequer foi dado prioridade ao exoesqueleto, invenção de cientistas brasileiros no auxilio do desenvolvimento motor dos paraplégicos, usando a força do pensamento para se movimentar. Até os estrangeiros já sabem quem nos somos e de nossas riquezas, só os brasileiros não. 

Enfim, as contradições ideológicas afloram nesse período. Esta Copa do mundo, independentemente do Brasil vencer ou não, já demonstra seus desdobramentos. As coisas não serão as mesmas. O recado que os brasileiros deixam é: sabemos que dentro das quatro linhas todo adversário é um Zé, rodopiando, ziguezagueando a procura do Ballet torto das pernas não de um Fred Aster, mas de um Garrincha, acontece que o mundo mudou, não existem mais Garrinchas e nem romantismo, a lógica do capital devorou a ingenuidade, a simplicidade e quando fomos imersos na disputa transnacional do mercado pelo poder do peso econômico, driblar apenas não satisfaz, hoje jogadores brasileiros desfilam com seus Audis, não são mais pobres, ganham salários aviltantes e astronômicos, o pobre não pode mais assistir aos jogos, nem em pé, nem com bandeira, nem instrumentos. Por essas e outras razões que o futebol não satisfaz mais, não é mais um patrimônio nacional, já que se joga hoje feio e nossos adversários é que jogam bonito.

Quando esta Copa acabar e os visitantes voltarem para suas casas, estaremos diante de nós mesmos com o dever de assumirmos nossas responsabilidades, sem vitimização. Começamos com o gol contra, o de Marcelo contra a Croácia e acusados de beneficiados pela arbitragem. Espero que façamos gols a favor.... do povo brasileiro. 

               


                                     


quarta-feira, 11 de junho de 2014

Democracia burguesa e não liberal



Existem várias definições de democracia e não apenas uma, como muitos imaginam. Este modelo de representação política teria nascido na Grécia antiga, posteriormente envolta com a imagem de civilização clássica, inclusive por conta do sistema representativo preconizador do mundo ocidental. Acontece que na Grécia clássica a democracia não era irrestrita, ampla, universal. Por exemplo: pobres, mulheres, metecos, periecos (estrangeiros), escravos, não possuíam cidadania, portanto, não participavam das decisões citadinas.

A definição moderna de democracia burguesa se assenta no fato de que nesta acepção o capital controla o aparato burocrático do estado na defesa dos seus interesses, da livre concorrência, das lógicas do mercado, e, sobretudo, nas ideologias de setores dominantes, que por extensão, dominam per si o próprio estado.

O conjunto e aparato jurídico, normatizador da sociedade de direito dentro da democracia burguesa, está assentada em princípios burgueses, tais como a constituição (carta magna), código civil e penal, cujos valores expressam os anseios dos setores dominantes portadores de ideologia burguesa, dentre elas: a noção de redução do estado, do controle midiático expressando valores do consumo, da defesa irrestrita da propriedade privada, mesmo quando as condições de aquisição de certas propriedades se dão de forma escusa (falsificação de documentação), privatização de setores estratégicos: educação, saúde, transporte, proteção de setores produtivos do agrobusiness em detrimento da expulsão do homem do campo, dentre tantas injustiças e anomalias sociais.

A sociedade brasileira está configurada enquanto democrática burguesa, mas não liberal. Democrática burguesa porque o computo dos valores da sociedade de direito são todos burgueses, nem por isso os princípios mediadores, a regulação, o funcionamento, os instrumentos operacionais são liberais porque não existem certezas, garantias, transparência, quanto ao funcionamento dos princípios e respeito ao indivíduo e à coletividade. O patrimonialismo, as relações pessoais, a pessoalidade, o nepotismo, a corrupção, o clientelismo, interrompem o processo da livre concorrência, da certificação de que o estado minimamente possa assegurar as garantias e liberdades de ação, de empreendimento. O Brasil é o maior laboratório capitalista do mundo ocidental. O ocidente aplica nesse país as experiências malfadadas nos grandes centros, quando não expecta o resultado dos conflitos sociais.

Como uma das últimas fronteiras do estado neoliberal, o Brasil entrou definitivamente na zona da expansão capitalista internacional em 1992 apregoando a redução do estado, mesmo sem ter cumprido as funções básicas de bem-estar social, máxima preceituação da necessidade de existência do estado, e ainda tendo que enfrentar os ditames dos grandes organismos controladores da economia global, como FMI, Banco Mundial, dentre outros. Ou seja, o estado tinha, e ainda tem, uma dívida enorme com a sociedade brasileira pelo secular processo de exclusão e ainda assim se quisesse fazer parte de um seleto grupo de países desenvolvidos teria que ajustar as contas internas, propiciar o desenvolvimento do capital, reduzir o estado, desviar seu foco para os benefícios sociais e apontar seu horizonte para o mercado, além de procurar parcerias econômicas com os países mais ricos, não com os da América Latina, como ele, África, Ásia.

Mas o buraco é mais embaixo. A dívida histórica do estado brasileiro leva a situações de impasse e de desconforto. Agrada o agrobusiness, mas sabe que foi um dos poucos países latino-americanos que nunca fizeram a reforma agrária; atrai investimentos estrangeiros e tem que lidar com a falta de infraestrutura em setores estratégicos (energia, estradas, aeroportos, hidrovias, portos); busca o desenvolvimento tecnológico, embora possua 20% de analfabetismo, 10% de analfabetos funcionais e uma educação precária, paupérrima, ineficiente; almeja alcançar patamares de qualidade de vida e é confrontado com os piores IDH’s do mundo.

Para completar, vive atualmente um impasse: qual projeto de sociedade seguir? De um lado os movimentos sociais que pressionam pela ampliação da cobertura, assistência e investimento social, tais como: Movimento dos Sem Teto, Movimento dos Sem Terra, os Black Blocs; de outro, os capitalistas que reclamam do tamanho da cobertura e assistência social em programas como Bolsa Família, Prouni, Mais médicos e empurram o “estado” para o cumprimento das garantias liberais.

Qual projeto irá vencer? Depende das correlações de forças internas, da disputa pelo controle do aparato burocrático do estado. Mas uma coisa é sabida: não existe democracia em uma sociedade sem acesso universal à Justiça, à educação pública, ampla e de boa qualidade, onde há falta de regulação dos setores midiáticos que usam a concessão pública em busca de audiência e mais lucro. Como pode haver democracia numa sociedade que por não saber dos seus direitos não reclama? Como pode haver democracia com uma educação excludente que privilegia os bens nascidos e os transforma em agentes de perpetuação do status quo, exatamente por melhor usufruírem das riquezas do país? Como pode haver democracia com uma distribuição de renda injusta, opressora? E por último, como pode haver democracia se o cidadão, ao olhar para a política, não se sente representado e com uma sensação de que ele só serve para pagar impostos, votar no dia das eleições e com uma sensação de que o estado foi feito para benefícios de poucos?   

Entrevista com Arton, de Sirius. Parte II

  Entrevista realizada no dia 14 de fevereiro de 2024, às 20:00, com duração de 1': 32'', gravada em um aparelho Motorola one zo...