Ontem, dia 15 de março, milhares
de brasileiros foram às ruas protestar contra o governo Dilma. Curioso é que
nas jornadas de junho e julho de 2013, quando um número infinitamente superior
fez este mesmo movimento, a cobertura da mídia foi outro, tanto quanto o
enfoque e a classificação.
As jornadas de junho e julho
enfatizaram a falência do modelo democrático brasileiro levantando a bandeira
de que nenhum partido representava o movimento. Como as manifestações também
atacavam o sistema capitalista e permitiram a ascensão dos black blocks, cujas ações miravam o simbolismo do capital,
representado em monumentos e empresas privadas, a grande mídia tratou de
classificar o movimento de terrorista, e os participantes de baderneiros,
bandidos.
As manifestações de ontem,
guardadas as insatisfações com o atual governo, a revolta contra a corrupção,
absurdamente legítimas, são em certa escala muito nocivas. Os Black Blocks atacaram o simbolismo do capital, quer
estrangeiro, quer nacional, enquanto que setores das manifestações do dia 15 de
março evocaram o retorno das forças armadas, levantaram bandeiras fascistas, contaram
com presenças de políticos envolvidos em escândalos de corrupção, de frações de
classe que enriqueceram ou que mais enriqueceram, curiosamente, nos governos
petistas Lula e Dilma, pediram o fim da política pedagógica de Paulo Freire, a
prisão de Karl Marx, o fim da aproximação com a Venezuela e Cuba, além da
legitima bandeira da reforma política, dentre outras coisas.
Os manifestantes em sua grande
maioria optaram por vestir a camisa da seleção brasileira, entidade ligada à
CBF, envolvida em escândalos de corrupção. Optaram por um símbolo cultural
usado como estratagema de manipulação social, sobretudo em tempos da
ditadura, e que hoje abandonou suas matrizes pobres enquanto alavanca de
ascensão social. O futebol é hoje uma grande operação empresarial controlado
por setores muito bem estruturados.
Há um aspecto semelhante entre as
manifestações de junho e julho e as de ontem, dia 15 de março de 2015: a
ausência de uma clareza sobre o modelo representativo brasileiro, que Renato
Janine Ribeiro classificou como o fim da Nova República, iniciada com a
redemocratização do país em 1984. As jornadas de junho e julho de 2013
apontavam a falência de tal modelo, mas a ausência de uma pauta unificada e o
direcionamento das manifestações permitiu que as ações dos Black Blocks ganhassem muito mais evidência. As manifestações de
ontem, dia 15 de março, sinalizam a falência do modelo de governabilidade
perpetuado pelo PT, mas erra em quase tudo, sobretudo em centrar neste partido
a origem da corrupção, olvidando a estrutura política brasileira, responsável,
inclusive, por permitir que um partido de esquerda ao chegar ao poder perpetue
um esquema de corrupção ampliado em patamares inimagináveis.
Há outras coisas extremamente
preocupantes nas manifestações de ontem, dentre elas, o grande esquema da elite
política deste país que orquestra descaradamente um golpe para destituir a
presidente Dilma exatamente para esconder sua participação em esquemas de
corrupção, como o caso Swissleaks-HSBC, do Metro de São Paulo, Furnas de Minas
Gerais, e até mesmo da Petrobras, já que a estrutura de desvio de
verbas começou no governo Fernando Henrique Cardoso. Ainda assim, a esquerda, e
sobretudo o PT, foram arrogantes e/ou ignorantes ao desconsiderarem a força da
classe média e da elite brasileira, volto a dizer, curiosamente um dos
segmentos que mais enriqueceram nos governos Lula e Dilma.
Então, se estes segmentos foram
os que mais enriqueceram, por que orquestraram as manifestações de ontem? Antes
de mais nada, e que não pode ser desconsiderado ou desprezado, coisa que o PT
fez, pelo acinte vergonhoso da estrutura corrupta assentada no mensalão e na
Petrobras, o maior até hoje da história de um país democrático, o que permitiu
a ascensão de setores de classe que, mesmo enriquecendo com os governos Lula e
Dilma, não podem consentir. Segundo, exatamente por um paradoxo: a diminuição
do ritmo de crescimento das classes alta e médias, ou seja, com a crise
econômica internacional e a recessão brasileira, corroborado pelos aumentos nos
combustíveis, inflação, aumento da tarifa de energia, subida do dólar,
colocando em risco a economia do país, por conseguinte, os lucros adquiridos
nos últimos anos. Terceiro, pela divisão do bolo econômico do país distribuído
em segmentos dantes nunca privilegiados, como as classes mais pobres, irritando
aqueles que historicamente sempre foram beneficiados pelo estado, como a classe
média paulistana. Quarto, pela atitude nada inteligente da presidente Dilma de
se afastar da base aliada, criando um núcleo duro do governo irritando
inclusive setores do próprio partido dos trabalhadores. Essa atitude
isolacionista de Dilma acendeu o sinal amarelo dos demais segmentos com o medo
de uma “demiurgização” da presidente (com todos os riscos de se colocar esta
palavra entre aspas, como qualquer outra, como bem disse Giorgio Agambem em A
ideia da Prosa).
O que assistimos ontem foram
duros episódios de uma elite raivosa, majoritariamente branca, nos termos propostos por Gaetano Mosca e Vilfredo
Pareto. Estes no início do XX apregoaram que somente este segmento social, a
elite, seria capaz de conduzir os destinos da Itália, atribuindo uma
responsabilidade e uma áurea de capacidade a tal segmento, exatamente o oposto
do que pensou Gramsci ao denunciar como se configura a formação de uma ou de
qualquer elite. A elite brasileira mirou na presidente Dilma e no PT desviando
o olhar da massa ensandecida sobre a configuração política brasileira, qual faz
parte, construiu o sistema e agora se ressente de politicamente estar alijada.
A ação da elite brasileira ontem não difere em nada de outras elites. Na Itália, mais precisamente no Norte,
parte mais rica do país, sede da Liga Lombarda (movimento fascista), prega
abertamente a separação do sul daquele país, a expulsão dos estrangeiros e
evoca um princípio de vida supostamente típica daquela região, além de ser a
base eleitoral de Silvio Berlusconi.
Na Argentina, Buenos Aires sempre
desprezou o resto do país, considerando-se os portenhos os europeus da região, olhando
com desdém a formação étnica predominante indígena de outras regiões argentinas.
Na Venezuela, um dos motivos do ódio
da elite foi o fato de Hugo Chaves ter usado a imensa riqueza do petróleo para
a consecução de programas sociais.
Na Espanha, Madri, capital, também
é acusada de ser indiferente às diversidades culturais e econômicas de outras
regiões, contribuindo para o movimento separatista basco e catalão. Igualmente
em Paris, umbigo, literalmente, “Ilê de France”.
No Brasil, o nosso umbigo é a classe
média paulistana. Tal classe, internacionalmente conhecida por sua prepotência,
foi beneficiada desde fins do século XIX pela política do café com leite,
levando outras regiões do Brasil a se insuflarem no golpe de 30 do século XX, impetrado
pelo gaúcho Getúlio Vargas, acarretando na reação paulista em 1932.
A disputa entre a classe média
paulistana e a carioca teve como episódio, por exemplo, a eclosão do Movimento
Modernista em 1922, contra a concentração emanada da capital do país, cujo
símbolo cultural era a Academia Brasileira de Letras. Ou seja, São Paulo era já
a cidade mais rica do país, mas o cenário cultural era coordenado pelo Rio de
Janeiro. O movimento modernista de 1922, é, dentre outras coisas, uma reação à capital federal.
Não à-toa, a manifestação de
ontem teve maior foco exatamente em São Paulo. Reduto do PSDB, que aliás,
governa o estado há 20 anos, vê a polarização PT X PSDB ter como fulcro
espectral a disputa entre os governos federal e estadual. Tal disputa remonta a
meados do século XIX. Quando o governo central é de São Paulo, as coisas vão
bem, quando não....
Por outro lado, não se deve desprezar
a força da rejeição à Dilma. Não adianta tapar o sol com a peneira e
desqualificar o movimento de ontem, desqualifica-se o aspecto fascista,
autoritário, preconceituoso de evocar o movimento integralista, de pedir a
intervenção das forças armadas, e de, mentirosamente falar abertamente em fome
e aumento da pobreza (os dados estatísticos provam exatamente o contrário).
Afora essas e outras questões, a manifestação mostrou ao PT que sua forma de
fazer política é atrasada, arcaica, pautada num modelo representativo falido,
cujas bandeiras partidárias são incapazes de entender a dinâmica social, como
se de fato os jogos do político, ou seja, os bastidores, os meandros do poder,
não tivessem correlação alguma com as questões sociais, ao não ser com a
própria lógica de perpetuação e reprodução do lócus partidário.
O PT poderia ter ouvido os
clamores das ruas em junho e julho de 2013 e proposto uma verdadeira reforma
política, não apenas reduzindo o número de partidos, mas propondo uma forma de
organização social baseada numa experiência nascida nas jornadas: as assembleias
populares. Tal experiência consistia em dialogar com as instituições
democráticas as pautas do dia-a-dia, fazendo com que os representantes do
legislativo saíssem dos seus gabinetes e entendessem as vozes das ruas.
Assembleísmo? Burocrático demais? Pode ser, mas esse modelo em que as pessoas
votam e se esquecem dos seus representantes durante 04 anos não serve mais.
Ao contrário disso, as
manifestações de ontem demonizaram o PT e a Dilma como se fossem os únicos
responsáveis e não colocaram o dedo na ferida: o nosso falido modelo
democrático representativo. Além do mais, as jornadas de junho e julho de 2013,
honestas, foram também legitimas, apesar da confusão na sua reta final
exatamente por falta de pauta, de lideranças e por ter impedido a presença de
partidos políticos. As manifestações de ontem foram legitimas, mas extremamente
desonestas. Primeiro por mentir nos números sociais, como se o PT tivesse
acabado com o país (faltou checar os dados do IBGE). Segundo por omitir a
presença e organização partidárias, como o PSDB. O fato de não ter sido visto
nenhuma bandeira de tal partido não quer dizer que não estavam por detrás de
tais atos. Terceiro por ter permitido um sentimento e ideais fascistas no seio
das manifestações, como a evocação deliberada e autoritária das forças armadas e
a evocação de um nacionalismo sem partido político. E por último e mais grave
de todos: pela manobra, manipulação grosseira e escancarada da Rede Globo.
Esta emissora, motivo de piada na
Europa, sempre esteve ao lado dos poderosos. Nasceu sob os auspícios da
ditadura militar, apoiou tal regime até o fim, apoiou Collor de Mello, o
segundo e primeiro governo FHC e sistematicamente ataca o governo Dilma.
Esconde sob a bandeira da ética e batalha contra a corrupção que está em guerra
com o governo Dilma por conta da intenção de regulamentação da mídia e,
sobretudo, sua suposta participação no esquema Swissleaks-HSBC.
Esta emissora só conseguiu tal
poder quando ainda no período ditatorial contou com a reprodução e reformulação
do modelo de teledramaturgia mexicana, replicando várias vezes ao dia novelas
(telenovelas) para um público brasileiro que batia a casa dos 40% de
analfabetos, além da adoção de seu padrão de qualidade, imitando emissoras dos
Estados Unidos. Com o apoio da ditadura, com o excesso de telenovelas, com um
padrão de qualidade, atingiu um patamar de intocabilidade, inclusive se achando
no direito de intervir nos destinos políticos do Brasil.
Quanto à desonestidade da elite
presente nas manifestações de ontem, há mais um dado nada desprezível: a
tentativa do governo Dilma de taxar as grandes fortunas. Isso, sequer foi
tocado. Para uma elite extremamente consumista é quase uma blasfêmia.
O simulacro das manifestações
tanto de sexta-feira, dia 13 de março, pró-governo, quanto as de ontem, dia 15,
se esconde no fato de que em nenhum dos dois casos a intenção de mudar verdadeiramente
política estava em questão. Manipulação de dados, números quanto aos
participantes, não acredito que o Brasil tenha saído fortalecido, muito pelo
contrário, acredito que o cinismo, a disputa ideológica, estão acima de
qualquer interesse, o que só revela a fragilidade democrática brasileira.
Só existia democracia entre
iguais na Grécia clássica, resguardadas as circunstâncias e a concepção de
cidadania naquela sociedade. Só pode haver democracia contemporaneamente quando
as desproporções sociais foram menores, não é o caso do Brasil, nos E.U.A sim,
onde em teoria prevalece o multipartidarismo, na prática, bipartidarismo.
O Brasil repete o modelo
bipartidário estadunidense. Nos E.U.A, republicano e democrata, ambos liberais.
No Brasil, PT e PSDB, também liberais, embora o primeiro flexionado para as
questões e camadas sociais com mais ênfase. Nenhum dos dois partidos resolvem o
problema no Brasil, mesmo porque a solução passa pelos partidos, mas não nasce
dentro deles. Partido quer dizer parte, segmento, logo, todo partido quer poder
e usará as suas armas para conquistá-lo.
Além do mais, o voto ainda é
obrigatório no Brasil, completa idiossincrasia democrática, no fundo,
perpetuação da política coronelista e forma de perpetuação dos partidos no
poder. Voto obrigatório é alavanca de campanhas patrocinadas por empresas
privadas, compra de votos, de toda sorte de anomalia da cognominada política
democrática brasileira.
Discutir corrupção em um governo
sem discutir a ascensão do homem ultramoderno ou contemporâneo sem caráter é o
mesmo que pleitear redução da menoridade penal sem adentrar nos meandros da
indústria da criminalidade brasileira que fabrica meliantes a toda hora. É
quase um pleonasmo. A política muda quando a sociedade muda também. A corrupção
é endógena na sociedade brasileira não porque a essência do brasileiro seja
corrupta, e sim, porque o estado historicamente foi constituído para
privilégios de poucos, sempre defendeu os interesses classistas e nunca
permitiu a “impessoalidade” de quem ocupa suas estâncias burocráticas.
O homem é estabelecido por
limites, aprende com exemplos, restrições e dificuldades, acima de tudo
espelha-se em exemplos. Se os exemplos da Republica sempre foram anti res publos (coisa pública), como querer
uma sociedade mais equânime e justa?
Ótimo texto. Objetivo e esclarecedor, parabéns! Gostaria de saber se você me permite compartilhá- lo no Facebook. Boa noite!
ResponderExcluirOi Jennifer. Me sentiria honrado se compartilhasses meu texto. Obrigado
ExcluirMais um blogueiro chapa-branca, defendendo o indefensável...
ResponderExcluirPrezado anonimo ou anonima , faça como eu, coloque a cara para bater sem se esconder atrás do anonimato
ResponderExcluirAlgumas pessoas preferem ficar na covardia do anonimato.
ResponderExcluirTexto altamente esclarecedor. Vlw!
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
ResponderExcluirHenrique, primeiro gostaria de comentar seu texto, que por sinal muito, boas , ideias e inteligente, mas sempre fico me perguntando, qual modelo político seria melhor viável para o Brasil? o nacional desenvolvimentismo que tivemos a experiencia de experimentar no período Getulista e trouxe algumas consequências para o povo entender suas verdadeiras intenções por trás desse modelo de governo, ou o liberal que sempre foi visto como um modelo Norte Americano e que serviria só para as privatizações das"nossas" empresas alijadas pela corrupção. Acredito que nosso grande mais grande problema seja cultural, a falta de entendimento político e a inercia do brasileiro, o comodismo. É Henrique mas o que me trouxe aqui diz respeito ao livro de Alan Kardec, muito interessante o livro sobre a trajetória do politico José Sarney. observando alguns capítulos pude perceber a similaridade dos discurso do velho oligárquica ao discurso do atual Governador, Flavio Dino, em uma especie de dejavú vejo uma preocupação à vista, seria mais uma perpetuação no poder? podem dois raios cair no mesmo lugar? em se falar de Maranhão até que seria possível, as circunstancias são parecidas as sequencias dos fatos nos mostram coisas similares. Esperamos o tempo passar.
ResponderExcluir