Já se passaram 13 anos
desde a primeira vitória das eleições presidenciais de Luís Inácio Lula da
Silva. 13 é também um símbolo, o número da sigla partidária do Partido dos Trabalhadores,
PT. Fundado em 1979, congregando setores de oposição à ditadura militar,
reunindo metalúrgicos, professores universitários, intelectuais, setores da
classe média, nasceu sendo comparado ao Solidarnosc (solidariedade), Sindicato
e depois Partido Polonês liderado pelo metalúrgico Lech Walessa, presidente da
Polônia entre 1990 e 1995. Na verdade, nunca houve qualquer correlação, a não
ser o fato dos dois serem liderados por metalúrgicos. O solidarnosc nunca foi socialista,
muito pelo contrário, era ligado à igreja católica, exatamente desvinculado do
Partido Comunista Polonês.
Em apenas 10 anos de
fundação o PT já disputava as eleições majoritárias à presidência da República
contra o que de mais conservador existia na política brasileira: Fernando
Collor de Melo, fruto da oligarquia alagoana, ligado ao setor açucareiro, às
grandes multinacionais, apoiado pela Rede Globo, filiado a um recém partido
criado, o PRN. O discurso de não pagamento da dívida externa, de reforma
agrária, de proximidade com Cuba, dentre outras coisas, assustou a velha
estrutura mandatária do país que se armou de todas as formas possíveis para
evitar a vitória de Lula.
Lula acumularia mais duas
derrotas, dessa vez para Fernando Henrique Cardoso, Sociólogo, Professor
Universitário, ex-MDB, agora nas lides do PSDB, Partido da Social Democracia
Brasileira, uma dissidência do PMDB com uma roupagem Neoliberal. O primeiro
erro do PT foi não reconhecer os avanços do período FHC, como a estabilização
econômica, controle fiscal, austeridade administrativa, além da criação de
alguns programas sociais.
Já no poder em 2002, “Lulinha
Paz e Amor” havia abandonado a postura anti-FMI, anti-não pagamento da dívida
externa, andava sempre alinhado, com bons ternos, discurso manso e caiu nas graças
dos setores que dantes consideravam-no inimigo. Repetiu a formula econômica do
período FHC, refez seu discurso contra o plano Real, encampou Henrique
Meirelles como Ministro da Economia e surfou na onda do crescimento econômico
global. Resultado: o Brasil se tornaria a 5ª potência econômica do mundo, a dívida
externa deixou de ser um problema, reduziria a taxa de juros para menos de 02 dígitos,
recuperou a indústria naval, ferroviária, colocou o Brasil no pleno emprego, ampliou
e unificou os benefícios sociais da época FCH, como o bolsa família e
conseguiria números extraordinários do ponto de vista das políticas sociais:
retirou 25 milhões de brasileiros da miséria, reduziu o déficit habitacional, criou
14 Universidades Federais ampliando para 07 milhões de alunos matriculados,
triplicou o número de Institutos Federais, aumentou o acesso de negros nas
Universidades, criou o sistema de cotas, estabeleceu uma nova ordem política
diplomática com os países do eixo de pobreza do hemisfério sul, África e Ásia,
trouxe a Copa do Mundo de futebol para o Brasil e as Olimpíadas, criou o
programa Luz para Todos, aumentou o repasse de recursos para as prefeituras
municipais, colocou um negro na presidência do STF, Joaquim Barbosa, dentre tantas outras coisas.
O mais curioso de tudo
isso é que Lula fez isso na contramão do discurso global de estado mínimo, ou
seja, quando o mundo embarcava na política do consenso de Washington, Lula,
como já dito, navegando na onda do crescimento global, conseguiu a façanha de fazer
crescer a economia do país surpreendentemente aumentado os investimentos
públicos. Lula indiscutivelmente é um dos maiores chefes de estado do Brasil.
No entanto, na contramão
dos avanços sociais, o PT, incluindo Lula, também representou uma grande
decepção do ponto de vista da concepção dos jogos do político. Eleito não
apenas para fazer crescer a economia do país, o PT carregava consigo a bandeira
de uma política diferente, longe dos 500 anos de fisiologismo da direita;
excludente, elitista, colonizada. O PT logo cedo entenderia os meandros do
poder tendo que claudicar da forma de fazer política, perpetuando a barganha de
condomínio (congregando partidos de toda ordem em nome da governabilidade),
incluindo o que de mais atrasado existia no país, como as oligarquias
nordestinas e políticos ligados a setores de dominação política e econômica.
Reeditou velhos caciques que estavam morrendo como Sarney, Jarder Barbalho,
Renan Calheiros, dentre outros. Ou seja, no exercício do poder o PT aprendia
que não se muda uma cultura política apenas no comando do aparato burocrático
do estado, e que poder é dialógico e microfísico, como bem disse Foucault. No
exercício do poder o PT, com exceção do olhar para as questões sociais e o
aumento da cobertura política para os mais pobres, não mudava em nada a forma
de fazer política, muito pelo contrário, resignificava.
A primeira delas foi a
perpetuação do esquema de corrupção em nome da governabilidade cognominado de
Mensalão, inventado e instituído pelo PSDB durante os oito anos do governo FCH.
O segundo foi o aparelhamento do estado com a ampliação do número de
ministérios e desvios de recursos de empresas como a Petrobras em nome da
sedimentação partidária e ocupação de todos os setores possíveis da sociedade. O
terceiro foi a atitude dúbia de, ao mesmo tempo apoiar movimentos sociais e
aparelhá-los, como o MST, os sindicatos. O quarto, foi instituir um discurso
supostamente diferenciador entre o ante o depois do PT, como do período da
privataria tucanata que onerou o patrimônio público em 2,5 bilhões de Reais entregando
empresas brasileiras a preço de banana para as multinacionais, sendo o que PT
também embarcou na onda de privatização, embora em escala menor, como os fundos
de pensão. E, talvez, o pior dos pecados do PT e Lula: a não implementação das
reformas sociais.
Lula teve a chance
histórica nas mãos de colocar a cabo as grandes reformas: fiscal, tributária, política,
do judiciário, agrária, educacional e não fez. Teve os surpreendentes 82% de
aceitação e popularidade, além da maioria no congresso e ainda assim não enviou
a este órgão tais propostas. Resultado: criticou tanto o período antecedente e
fez muito pouco. Criou uma grande contradição.
Ainda assim, esses 13
anos de exercício do poder no PT trouxeram à tona as maiores sombras do
conservadorismo brasileiro. A direita, historicamente mandatária no país,
cansou de estar alijada dos centros das decisões de mando e, corroborado pela
péssima gestão de Dilma, sucessora de Lula, cuja economia míngua e quase
estagna, resolveu colocar o bloco na rua com todas as suas armas, armando uma
clima golpista no pais, trazendo o acirramento ideológico entre pobres e ricos,
vide os episódios das eleições entre Dilma e Aécio chamando os nortistas e
nordestinos de burros e atrasados, ameaçando abandonar o pais e parar a
produção.
Ameaçam inclusive com
golpe militar, impeachment de Dilma e
privatização da Petrobras, sob o foco de incompetência do estado brasileiro em
gerir tal estatal. O que se assiste no país é simplesmente estarrecedor. A
grande imprensa, que sempre participou dos destinos do pais, invertendo a pauta
sob a regulamentação da mídia, acusando o governo de impetrar a censura, que de
censura não tem nada, se recusa a admitir que se trata de concessão pública com
deveres e cujo conteúdo deveria transmitir mais informação e educação e menos
entretenimento, sua grande fonte de lucro, além de recusar a discussão sobre
responsabilidade civil quando nos casos de conspiração, como ora se assiste
acerca da Petrobras, retomarei mais à frente.
Setores da sociedade
abertamente falam na necessidade de golpe de estado, de que o PT acabou com o país,
olvidando os 500 anos de dominação elitista e colonialista que levaram o Brasil
a situação que se encontra, ou seja, 13 anos de PT superam 500 anos de
exclusão.
A eleição de Jair Bolsonaro
(PP-RJ) por seu turno revela a faceta mais fascista da sociedade brasileira.
Eleito com mais de 400 mil votos no estado do Rio de Janeiro, apregoa o
extermínio de bandidos, o fim dos direitos humanos, o retorno ao uso de armas, segrega um discurso
preconceituoso em relação aos nordestinos, homo afetivos, e diz publicamente que não só
estupra a deputada Maria do Rosário porque ela é feia, sem que a sociedade se
choque com tais declarações. Ainda se lança candidato a presidência da Comissão
de Direitos Humanos do Congresso Nacional, uma clara tentativa de
desmoralização e esvaziamento desta comissão.
Por outro lado, o
crescimento dos evangélicos no país é preocupante. Com um claro discurso
antilaico, ou seja, de que muito pelo contrário, devem ocupar os espaços de
poder e implementar um estado religioso, perseguem os outros segmentos
religiosos não cristãos, até mesmo cristãos, como os católicos e espiritas,
atacam as religiões de matriz africana, implementam projetos de ocupação de
espaço públicos como praças, redução de lugares de manifestação artística e
folclórica e consideram avanços sociais ligados à esquerda como demoníacos,
numa alusão infantil e pobre acerca do comunismo, perseguem homo afetivos,
gays, lésbicas, transexuais, bissexuais. O vídeo postado no you tube da igreja Universal com homens
fardados de roupas do exército adentrando num templo em marcha militar, mãos
postadas à frente e gritando: “queremos o altar” é uma alusão à necessidade de
proselitismo para angariar mais membros, encarando a disputa religiosa como uma
guerra, correlacionando religião e ordem social.
Pastores de algumas grandes igrejas evangélicas do país abertamente pediram votos para Aécio Neves (PSDB) afirmando que
cristão verdadeiro não vota no PT. Não é necessário levantar a bandeira da
ética sob o pretexto de não votarem no PT uma vez que o antigo PL, Partido
Liberal, era grosso modo um reduto de deputados evangélicos envolvidos em
escândalos de corrupção, como o mensalão. Ademais, as experiências de
evangélicos no poder estão muito longe de serem éticas ou exemplos de seriedade
e transparência.
Toda a sociedade é
dividida, em qualquer país do mundo os conflitos ideológicos são escancarados e
abertos, acontece que no Brasil o discurso do homem cordial camuflou as
diferenças de posicionamentos, hoje, abertamente colocados na cena pública com
requintes de preparação de uma guerra civil. O clube Militar chamou Lula de agitador
social, a imprensa descaradamente faz uma campanha pelo impeachment de Dilma e uma onda combativa de desmoralização da
Petrobras segue em curso.
Erros de gestão e
corrupção à parte, que aliás, precisam ser investigados, a grande imprensa
brasileira não revela e não menciona o interesse de grandes empreiteiras
estadunidenses na quebradeira das empreiteiras brasileiras e de empresas
petrolíferas estadunidenses no pré-sal, explorado pela estatal brasileira. A
desvalorização sistemática das ações da Petrobras na bolsa de valores, ação na
justiça estadunidense contra a Petrobras escondem o interesse internacional nas
reservas de petróleo. O suposto impeachment
de Dilma abriria espaço para a discussão sobre a privatização da Petrobras
e por conseguinte, de sua venda.
Como bem frisou Luciano
Martins em O cenário do escândalo da Petrobras, observatório da impressa, 05 de
fevereiro de 2015, edição 836: “as grandes multinacionais do setor petrolífero
ficaram de fora do principal manancial de óleo do mundo que não está sendo
operado em região sob conflito. A imprensa brasileira aplaudiu o fim do
monopólio da Petrobrás, em 1997, e condenou o modelo do pré-sal em 2009”.
A falta de transparência
nas informações por parte da grande imprensa brasileira esconde os interesses capitalistas
no fracasso do governo Dilma, que por sua truculência, falta de articulação com
a base governista e oposicionista, falta de diálogo, inclusive com o próprio
partido, deixam-na cada vez mais fraca e isolada. O que estamos assistindo no
Brasil é uma correlação de forças entre o grande capital transnacional cujos
tentáculos se espraiam no Brasil através de empresas ditas nacionais.
É bem verdade que durante
a gestão de Lula o Brasil fez parte e no fundo ainda faz, desse jogo de
interesses internacionais exatamente por ter se tornado tão capitalista quanto
os grandes países centrais outrora exploradores do Brasil. A política econômica
imperialista brasileira na África e América Latina revela a face perversa de
um governo supostamente popular em defesa dos mais fracos. O que se viu na
prática foi outra coisa.
Hoje, quando os ventos da
dinâmica econômica global arrefecem, quando o governo Dilma se mostra incapaz
de dar sequência àquela onda de crescimento econômico e mergulha a Petrobras
numa lama de corrupção, a resposta do capital internacional é imediata,
inclusive com conspiração para sua retirada do poder colocando alguém com
capacidade de acelerar o processo de acumulação capitalista. Aécio, sob o ponto
de vista do entreguismo nacional e dos interesses internacionais é a menina dos
olhos.
É claro que o PT, com
incapacidade de se articular com os grandes líderes internacionais, como Lula
conseguiu fazer, incluindo sendo um dos principais deles, vai apelar para o
discurso nacionalista, inclusive conclamando setores do exército que defendem a
Petrobras para se juntarem contra a privatização da empresa. O problema é que
setores da sociedade que antes apoiavam tal partido hoje o detestam e ficou
mais difícil a capacidade de articulação e mobilização social.
Por outro lado, os 13
anos de PT no poder criaram uma massa que foram incluídos no consumo, na
cidadania e no acesso ao ensino superior criando uma ligação entre estes
setores e esta concepção de gestão pública. Resta saber até que ponto estes
setores seriam capazes de saírem às ruas em defesa da governabilidade de Dilma
e até que ponto resistem ao bombardeio da grande imprensa que sistematicamente
ataca o governo.
Se as obras do PAC
tivessem avançado, se não houvesse superfaturamento nas obras da Copa do Mundo,
se o governo Dilma não tivesse feito populismo cambial camuflando o preço dos
combustíveis, se as obras de infraestrutura do país tivessem caminhando, se a
economia do país estivesse bem, não disto estaria acontecendo, afinal, Lula
governou em meio ao escândalo do mensalão e terminou o governo com incríveis
82% de popularidade.
Nos próximos meses vamos
assistir o acirramento ideológico corpo a corpo, nas ruas, nas redes sociais,
na grande imprensa e a capacidade do PT de virar o jogo ou não. Por enquanto
está perdendo de goleada, com requintes de uma revolução em marcha.
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