domingo, 8 de março de 2015

A reação conservadora brasileira e a tentativa de privatização da Petrobras



Já se passaram 13 anos desde a primeira vitória das eleições presidenciais de Luís Inácio Lula da Silva. 13 é também um símbolo, o número da sigla partidária do Partido dos Trabalhadores, PT. Fundado em 1979, congregando setores de oposição à ditadura militar, reunindo metalúrgicos, professores universitários, intelectuais, setores da classe média, nasceu sendo comparado ao Solidarnosc (solidariedade), Sindicato e depois Partido Polonês liderado pelo metalúrgico Lech Walessa, presidente da Polônia entre 1990 e 1995. Na verdade, nunca houve qualquer correlação, a não ser o fato dos dois serem liderados por metalúrgicos. O solidarnosc nunca foi socialista, muito pelo contrário, era ligado à igreja católica, exatamente desvinculado do Partido Comunista Polonês.

Em apenas 10 anos de fundação o PT já disputava as eleições majoritárias à presidência da República contra o que de mais conservador existia na política brasileira: Fernando Collor de Melo, fruto da oligarquia alagoana, ligado ao setor açucareiro, às grandes multinacionais, apoiado pela Rede Globo, filiado a um recém partido criado, o PRN. O discurso de não pagamento da dívida externa, de reforma agrária, de proximidade com Cuba, dentre outras coisas, assustou a velha estrutura mandatária do país que se armou de todas as formas possíveis para evitar a vitória de Lula.

Lula acumularia mais duas derrotas, dessa vez para Fernando Henrique Cardoso, Sociólogo, Professor Universitário, ex-MDB, agora nas lides do PSDB, Partido da Social Democracia Brasileira, uma dissidência do PMDB com uma roupagem Neoliberal. O primeiro erro do PT foi não reconhecer os avanços do período FHC, como a estabilização econômica, controle fiscal, austeridade administrativa, além da criação de alguns programas sociais.

Já no poder em 2002, “Lulinha Paz e Amor” havia abandonado a postura anti-FMI, anti-não pagamento da dívida externa, andava sempre alinhado, com bons ternos, discurso manso e caiu nas graças dos setores que dantes consideravam-no inimigo. Repetiu a formula econômica do período FHC, refez seu discurso contra o plano Real, encampou Henrique Meirelles como Ministro da Economia e surfou na onda do crescimento econômico global. Resultado: o Brasil se tornaria a 5ª potência econômica do mundo, a dívida externa deixou de ser um problema, reduziria a taxa de juros para menos de 02 dígitos, recuperou a indústria naval, ferroviária, colocou o Brasil no pleno emprego, ampliou e unificou os benefícios sociais da época FCH, como o bolsa família e conseguiria números extraordinários do ponto de vista das políticas sociais: retirou 25 milhões de brasileiros da miséria, reduziu o déficit habitacional, criou 14 Universidades Federais ampliando para 07 milhões de alunos matriculados, triplicou o número de Institutos Federais, aumentou o acesso de negros nas Universidades, criou o sistema de cotas, estabeleceu uma nova ordem política diplomática com os países do eixo de pobreza do hemisfério sul, África e Ásia, trouxe a Copa do Mundo de futebol para o Brasil e as Olimpíadas, criou o programa Luz para Todos, aumentou o repasse de recursos para as prefeituras municipais, colocou um negro na presidência do STF, Joaquim Barbosa, dentre tantas outras coisas.

O mais curioso de tudo isso é que Lula fez isso na contramão do discurso global de estado mínimo, ou seja, quando o mundo embarcava na política do consenso de Washington, Lula, como já dito, navegando na onda do crescimento global, conseguiu a façanha de fazer crescer a economia do país surpreendentemente aumentado os investimentos públicos. Lula indiscutivelmente é um dos maiores chefes de estado do Brasil.

No entanto, na contramão dos avanços sociais, o PT, incluindo Lula, também representou uma grande decepção do ponto de vista da concepção dos jogos do político. Eleito não apenas para fazer crescer a economia do país, o PT carregava consigo a bandeira de uma política diferente, longe dos 500 anos de fisiologismo da direita; excludente, elitista, colonizada. O PT logo cedo entenderia os meandros do poder tendo que claudicar da forma de fazer política, perpetuando a barganha de condomínio (congregando partidos de toda ordem em nome da governabilidade), incluindo o que de mais atrasado existia no país, como as oligarquias nordestinas e políticos ligados a setores de dominação política e econômica. Reeditou velhos caciques que estavam morrendo como Sarney, Jarder Barbalho, Renan Calheiros, dentre outros. Ou seja, no exercício do poder o PT aprendia que não se muda uma cultura política apenas no comando do aparato burocrático do estado, e que poder é dialógico e microfísico, como bem disse Foucault. No exercício do poder o PT, com exceção do olhar para as questões sociais e o aumento da cobertura política para os mais pobres, não mudava em nada a forma de fazer política, muito pelo contrário, resignificava.

A primeira delas foi a perpetuação do esquema de corrupção em nome da governabilidade cognominado de Mensalão, inventado e instituído pelo PSDB durante os oito anos do governo FCH. O segundo foi o aparelhamento do estado com a ampliação do número de ministérios e desvios de recursos de empresas como a Petrobras em nome da sedimentação partidária e ocupação de todos os setores possíveis da sociedade. O terceiro foi a atitude dúbia de, ao mesmo tempo apoiar movimentos sociais e aparelhá-los, como o MST, os sindicatos. O quarto, foi instituir um discurso supostamente diferenciador entre o ante o depois do PT, como do período da privataria tucanata que onerou o patrimônio público em 2,5 bilhões de Reais entregando empresas brasileiras a preço de banana para as multinacionais, sendo o que PT também embarcou na onda de privatização, embora em escala menor, como os fundos de pensão. E, talvez, o pior dos pecados do PT e Lula: a não implementação das reformas sociais.

Lula teve a chance histórica nas mãos de colocar a cabo as grandes reformas: fiscal, tributária, política, do judiciário, agrária, educacional e não fez. Teve os surpreendentes 82% de aceitação e popularidade, além da maioria no congresso e ainda assim não enviou a este órgão tais propostas. Resultado: criticou tanto o período antecedente e fez muito pouco. Criou uma grande contradição.

Ainda assim, esses 13 anos de exercício do poder no PT trouxeram à tona as maiores sombras do conservadorismo brasileiro. A direita, historicamente mandatária no país, cansou de estar alijada dos centros das decisões de mando e, corroborado pela péssima gestão de Dilma, sucessora de Lula, cuja economia míngua e quase estagna, resolveu colocar o bloco na rua com todas as suas armas, armando uma clima golpista no pais, trazendo o acirramento ideológico entre pobres e ricos, vide os episódios das eleições entre Dilma e Aécio chamando os nortistas e nordestinos de burros e atrasados, ameaçando abandonar o pais e parar a produção.

Ameaçam inclusive com golpe militar, impeachment de Dilma e privatização da Petrobras, sob o foco de incompetência do estado brasileiro em gerir tal estatal. O que se assiste no país é simplesmente estarrecedor. A grande imprensa, que sempre participou dos destinos do pais, invertendo a pauta sob a regulamentação da mídia, acusando o governo de impetrar a censura, que de censura não tem nada, se recusa a admitir que se trata de concessão pública com deveres e cujo conteúdo deveria transmitir mais informação e educação e menos entretenimento, sua grande fonte de lucro, além de recusar a discussão sobre responsabilidade civil quando nos casos de conspiração, como ora se assiste acerca da Petrobras, retomarei mais à frente. 

Setores da sociedade abertamente falam na necessidade de golpe de estado, de que o PT acabou com o país, olvidando os 500 anos de dominação elitista e colonialista que levaram o Brasil a situação que se encontra, ou seja, 13 anos de PT superam 500 anos de exclusão.

A eleição de Jair Bolsonaro (PP-RJ) por seu turno revela a faceta mais fascista da sociedade brasileira. Eleito com mais de 400 mil votos no estado do Rio de Janeiro, apregoa o extermínio de bandidos, o fim dos direitos humanos, o retorno ao uso de armas, segrega um discurso preconceituoso em relação aos nordestinos, homo afetivos, e diz publicamente que não só estupra a deputada Maria do Rosário porque ela é feia, sem que a sociedade se choque com tais declarações. Ainda se lança candidato a presidência da Comissão de Direitos Humanos do Congresso Nacional, uma clara tentativa de desmoralização e esvaziamento desta comissão.

Por outro lado, o crescimento dos evangélicos no país é preocupante. Com um claro discurso antilaico, ou seja, de que muito pelo contrário, devem ocupar os espaços de poder e implementar um estado religioso, perseguem os outros segmentos religiosos não cristãos, até mesmo cristãos, como os católicos e espiritas, atacam as religiões de matriz africana, implementam projetos de ocupação de espaço públicos como praças, redução de lugares de manifestação artística e folclórica e consideram avanços sociais ligados à esquerda como demoníacos, numa alusão infantil e pobre acerca do comunismo, perseguem homo afetivos, gays, lésbicas, transexuais, bissexuais. O vídeo postado no you tube da igreja Universal com homens fardados de roupas do exército adentrando num templo em marcha militar, mãos postadas à frente e gritando: “queremos o altar” é uma alusão à necessidade de proselitismo para angariar mais membros, encarando a disputa religiosa como uma guerra, correlacionando religião e ordem social.

Pastores de algumas grandes igrejas evangélicas do país abertamente pediram votos para Aécio Neves (PSDB) afirmando que cristão verdadeiro não vota no PT. Não é necessário levantar a bandeira da ética sob o pretexto de não votarem no PT uma vez que o antigo PL, Partido Liberal, era grosso modo um reduto de deputados evangélicos envolvidos em escândalos de corrupção, como o mensalão. Ademais, as experiências de evangélicos no poder estão muito longe de serem éticas ou exemplos de seriedade e transparência.  

Toda a sociedade é dividida, em qualquer país do mundo os conflitos ideológicos são escancarados e abertos, acontece que no Brasil o discurso do homem cordial camuflou as diferenças de posicionamentos, hoje, abertamente colocados na cena pública com requintes de preparação de uma guerra civil. O clube Militar chamou Lula de agitador social, a imprensa descaradamente faz uma campanha pelo impeachment de Dilma e uma onda combativa de desmoralização da Petrobras segue em curso.

Erros de gestão e corrupção à parte, que aliás, precisam ser investigados, a grande imprensa brasileira não revela e não menciona o interesse de grandes empreiteiras estadunidenses na quebradeira das empreiteiras brasileiras e de empresas petrolíferas estadunidenses no pré-sal, explorado pela estatal brasileira. A desvalorização sistemática das ações da Petrobras na bolsa de valores, ação na justiça estadunidense contra a Petrobras escondem o interesse internacional nas reservas de petróleo. O suposto impeachment de Dilma abriria espaço para a discussão sobre a privatização da Petrobras e por conseguinte, de sua venda.

Como bem frisou Luciano Martins em O cenário do escândalo da Petrobras, observatório da impressa, 05 de fevereiro de 2015, edição 836: “as grandes multinacionais do setor petrolífero ficaram de fora do principal manancial de óleo do mundo que não está sendo operado em região sob conflito. A imprensa brasileira aplaudiu o fim do monopólio da Petrobrás, em 1997, e condenou o modelo do pré-sal em 2009”. 

A falta de transparência nas informações por parte da grande imprensa brasileira esconde os interesses capitalistas no fracasso do governo Dilma, que por sua truculência, falta de articulação com a base governista e oposicionista, falta de diálogo, inclusive com o próprio partido, deixam-na cada vez mais fraca e isolada. O que estamos assistindo no Brasil é uma correlação de forças entre o grande capital transnacional cujos tentáculos se espraiam no Brasil através de empresas ditas nacionais.

É bem verdade que durante a gestão de Lula o Brasil fez parte e no fundo ainda faz, desse jogo de interesses internacionais exatamente por ter se tornado tão capitalista quanto os grandes países centrais outrora exploradores do Brasil. A política econômica imperialista brasileira na África e América Latina revela a face perversa de um governo supostamente popular em defesa dos mais fracos. O que se viu na prática foi outra coisa.

Hoje, quando os ventos da dinâmica econômica global arrefecem, quando o governo Dilma se mostra incapaz de dar sequência àquela onda de crescimento econômico e mergulha a Petrobras numa lama de corrupção, a resposta do capital internacional é imediata, inclusive com conspiração para sua retirada do poder colocando alguém com capacidade de acelerar o processo de acumulação capitalista. Aécio, sob o ponto de vista do entreguismo nacional e dos interesses internacionais é a menina dos olhos.

É claro que o PT, com incapacidade de se articular com os grandes líderes internacionais, como Lula conseguiu fazer, incluindo sendo um dos principais deles, vai apelar para o discurso nacionalista, inclusive conclamando setores do exército que defendem a Petrobras para se juntarem contra a privatização da empresa. O problema é que setores da sociedade que antes apoiavam tal partido hoje o detestam e ficou mais difícil a capacidade de articulação e mobilização social.

Por outro lado, os 13 anos de PT no poder criaram uma massa que foram incluídos no consumo, na cidadania e no acesso ao ensino superior criando uma ligação entre estes setores e esta concepção de gestão pública. Resta saber até que ponto estes setores seriam capazes de saírem às ruas em defesa da governabilidade de Dilma e até que ponto resistem ao bombardeio da grande imprensa que sistematicamente ataca o governo.

Se as obras do PAC tivessem avançado, se não houvesse superfaturamento nas obras da Copa do Mundo, se o governo Dilma não tivesse feito populismo cambial camuflando o preço dos combustíveis, se as obras de infraestrutura do país tivessem caminhando, se a economia do país estivesse bem, não disto estaria acontecendo, afinal, Lula governou em meio ao escândalo do mensalão e terminou o governo com incríveis 82% de popularidade.

Nos próximos meses vamos assistir o acirramento ideológico corpo a corpo, nas ruas, nas redes sociais, na grande imprensa e a capacidade do PT de virar o jogo ou não. Por enquanto está perdendo de goleada, com requintes de uma revolução em marcha.      




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