quinta-feira, 6 de junho de 2024

O Canto do Alto Alegre


Estou ministrando a disciplina a Literatura brasileira, para os indígenas Guajajara, da região de Grajaú, Maranhão. Pedi a eles que reescrevessem a história do "massacre" de Alto Alegre, de 1901, ocorrido na região, que os estigmatiza até os dias de hoje. A indígena Betina Bento fez esse belo poema  


Por Betina Bento.

(indígena Guajajara, da Terra Indígena Morro Branco, Grajaú - Maranhão)  


O CANTO DO ALTO ALEGRE


(Re) Floresce o Alto Alegre, terra de Sol e de sangue,

onde a História se desenrola em tintas vermelhas e negras.

No Cerne da mata cerrada, onde o canto do pássaro encontra o eco do aço, despertou um conflito,

um lamento na brisa da manhã.

Era a terra de riqueza e luta, de esperança, ambição onde mãos calejadas e sonhos se encontravam em oposição.

Guerreiros de rostos marcados com ânimos e ferro armados ergueram-se em prol da terra, onde raízes contra a tirania de um povo se enlaçaram.

A selva, cúmplice e testemunha, deu abrigo e ressoou os clamores de liberdade dos gritos de um povo sofrido.

O massacre, um eco sombrio, nas folhas um sussurro funesto, onde o chão se abriu em pranto e o sangue verteu-se em solo sedente.

Mas do luto nasce a luta, das cinzas, a fênix ergue e o Alto Alegre, tão ferido, reencontra sua vez e coragem.

Em cada gota de orvalho, em cada flor que se abre, vive a memória daqueles que, mesmo em silente desterro, clamaram por justiça e paz.

Pois, na terra do Alto Alegre, o sol sempre há de brilhar, e os que tombaram por ela em seus ventos vão cantar.      

7 comentários:

  1. O Canto do Alto Alegre é um poema que reconta a trágica história do massacre de Alto Alegre, um evento doloroso na memória coletiva dos Guajajara, um dos maiores grupos indígenas do Maranhão. Betina Bento, com sensibilidade e profundidade, traz à tona a resistência, o sofrimento e a esperança de seu povo através de uma narrativa poética rica em imagens e emoções.
    Betina Bento utiliza uma linguagem rica e evocativa, cheia de metáforas e personificações que dão vida às emoções e às paisagens descritas. A alternância entre imagens de beleza natural e violência histórica cria um contraste poderoso que intensifica o impacto emocional do poema.
    O poema é composto por versos livres, o que permite uma expressão mais fluida e natural dos sentimentos e das imagens. A ausência de rima e métrica fixa reforça a liberdade estilística, ecoando a luta pela liberdade retratada no texto.
    O poema inicia com a ideia de um renascimento, de uma terra que floresce novamente apesar das cicatrizes do passado. A metáfora do Alto Alegre "reflorescendo" simboliza a resiliência e a capacidade de recuperação dos Guajajara.
    A narrativa retrata o conflito histórico e a resistência dos Guajajara. As imagens de "guerreiros de rostos marcados" e "ânimos e ferro armados" destacam a bravura e a determinação dos indígenas em defender suas terras e seus direitos.
    A selva, descrita como "cúmplice e testemunha", desempenha um papel crucial no poema. Ela é personificada, atuando como uma guardiã dos clamores de liberdade e um símbolo da conexão profunda dos Guajajara com a terra.
    O massacre é retratado como um "eco sombrio", uma ferida na memória coletiva que ainda sussurra através das folhas e do solo. No entanto, há uma transição do luto para a luta, da dor para a esperança, culminando em um clamor por justiça e paz.
    O poema termina com uma nota de esperança, onde o Alto Alegre, apesar de suas feridas, encontra coragem e resiliência. A imagem do sol que "sempre há de brilhar" simboliza a promessa de um futuro melhor, onde os sacrifícios dos que tombaram não serão em vão.
    O Canto do Alto Alegre não é apenas um poema; é um ato de resistência cultural e uma forma de preservação da memória histórica dos Guajajara. Ao recontar a história do massacre através de uma lente poética, Betina Bento contribui para a valorização e a visibilidade da cultura e das lutas indígenas. Este poema serve como um testemunho da força e da resiliência de um povo que, apesar das adversidades, continua a cantar e a lutar por justiça e dignidade.
    O poema O Canto do Alto Alegre revela uma obra profundamente enraizada na história e na cultura dos Guajajara. Betina Bento, através de sua poesia, oferece uma poderosa narrativa de resistência, memória e esperança, reafirmando a importância da literatura como um meio de preservação e afirmação cultural.
    (César Borralho)


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    1. Meu irmão, se tu que és um dos mais poetas acha isso do poema, quem somos nós para discordar. Evóe !!

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  2. A força da palavra poética, a memória depoimento como testemunho da barbárie.

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  3. Além do poema ser lindo, análise do professor Cesar é perfeita.

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