quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Uma década do Versura

 

Assim se passaram 10 anos... ou não! A forma como narramos necessariamente não é uma compilação de fatos verídicos, e sim, possivelmente verossímeis, eis uma das facetas do escritor ou da escrita, já que a escrita tem vida própria.

O ano era 2011, o mês era agosto, o da estreia em formato de blog. A ideia nasceu no início do referido ano quando então meus alunos de Teorias da História da UEMA (Universidade Estadual do Maranhão) suscitaram a ideia de transportar as reflexões das minhas aulas realizadas na universidade para uma plataforma da web que possibilitasse o compartilhamento com maior público. Propuseram-me uma abordagem mais sintética, simplificada, mitigada, menos acadêmica. No início, relutei. Não me sentia capaz de uma espécie de comunicação em ambiente virtual. Não, por acaso, foi exatamente esse título do primeiro post há exatos 10 anos. Pronto. Estava gestado o Versura em formato de blog.

Pensei em outros nomes, até que me veio o conceito de “versura”, apropriada do filólogo e filósofo italiano Giorgio Agamben. O conceito de versura está disposto em duas obras do autor, a saber: categorias italianas e a ideia da prosa: Versura do Enjambement. O Enjambement “exibe uma não coincidência e uma desconexão entre o elemento métrico e o elemento sintático, entre o ritmo sonoro e o sentido, como se, contrariamente a um preconceito muito generalizado, que vê nela o lugar de um encontro, de uma perfeita consonância entre o som e o sentido, a poesia vivesse, pelo contrário, apenas de sua íntima discórdia”, segundo o próprio Agamben. Ele escreve isso em Ideia da Prosa. Já em categorias italianas, ele afirma: “a consciência da importância dessa oposição da segmentação métrica à semântica levou alguns estudiosos a enunciar a tese (por mim compartilhada) segundo a qual a possibilidade do enjabement constitui o único critério que permite distinguir a poesia da prosa. Pois que é o enjambement senão a oposição entre um limite métrico e um limite sintático, uma pausa prosódica e uma pausa semântica? Deve ser dito poético, portanto, o discurso em que essa oposição é possível, ao menos virtualmente, e prosaico, aquele em que ela não pode acontecer”.      

O filósofo italiano foi me apresentado pelo poeta e meu amigo, Alberto Pucheu (Professor de Teoria Literária da Universidade Federal do Rio de Janeiro), em 2010, quando de suas aulas no Centro Histórico de São Luís para o DINTER (Doutorado interinstitucional) em Letras, entre UFRJ e UEMA, em que eu era o coordenador operacional. Depois disso, reapropriei o conceito de Versura do Enjabement para o de "desdobramento da palavra e a possibilidade de uma escrita indistinta entre a poesia e a prosa em seus mais diferentes gêneros, ou uma tentativa de não distinção entre os gêneros prosaicos". Mas não só, também entre temáticas, interpretações, traduções, tradições, estilos, narrativas, temporalidades, sustentado em conceitos como o da teoria da complexidade, tendo como expoente Edgar Morin; de narratário e imaginação pública, de Josefina Ludmer, concepções holísticas, como as de Pierre Weil, ideias decoloniais, como as de Frantz Fanon, Achille Mbembe, Davi Kopenawa, Walter Mignolo.

Desta feita, ambiente virtual, ciência, política, cultura, literatura (poemas, contos, crônicas, ensaios, narrativas de viagens, diários), física quântica, educação, música, psicanálise, arquitetura, cidades, existencialismo, teatro, cinema, sociologia, história, filosofia, antropologia, feminismo, racismo, homenagens, cultura popular, doenças, indigenismo, economia, culinária, futebol, ecologia, preconceitos, neurociência, teorias conspiratórias, ufologia, transição planetária, espiritualismo, estão distribuídos em 358 posts, alguns deles em parceria.

Certa vez, Leandro Freitas perguntou-me se o Versura era um preâmbulo ou o prelúdio de um movimento literário ou artístico, e a minha resposta foi: não é nem um nem outro. Não tenho capacidade para propor ou mesmo fazer um movimento estético. A ideia do Versura mais se aproxima de uma concepção holística em que a interdisciplinaridade, as relações diegéticas entre diversas áreas do conhecimento confluem, num movimento atravessado por reflexões distintas, sem hierarquias de qualquer área, epistemologias, num jogo sintagmático da linguagem, em que vários autores estejam e são citados.

Num mundo dominado pela especialização, pela divisão internacional do trabalho em que até a área acadêmica foi dominada pelas lógicas do reprodutivismo científico capitalista, e pela necessidade de comunicabilidade nos anos 2010 em que se começava a experimentar a emergência das mídias sociais, a ideia de um blog, hoje, cringe, para usar um neologismo ultra contemporâneo, parecia adequado. Ainda não havia a efervescência do instagram, twitter, youtube, tik tok, etc. O mundo já era veloz, mas menos veloz que os dias de hoje.

Os textos curtos, em formato de ensaios, foram outro desafio. Adaptar uma linguagem acadêmica para um público não especializado foi o combustível que me alimentou durante muito tempo, a tal ponto que os anos iniciais foram frenéticos, quase um texto por dia. A fonte não secou, a obrigação de escrever diariamente, sim.

Além do mais, percebi que escrever diariamente constitui, além de uma necessidade, uma virtude e um defeito. Uma virtude pela exposição de ideias, sentimentos, desejos de ilação com o mundo. Um defeito: expor-se deixa de ser virtuosidade para ser vício de dizer ou de ter de dizer, mesmo quando não se quer, ou não se tem nada a dizer. Como frisou Blanchot: “se escrevo é porque não sei, se soubesse, não diria”.

Ainda assim, o exercício diário me proporcionou grandes descobertas, dentre elas, a literatura. O blog foi o primeiro exercício poético, de contos, crônicas e de ensaios e rendeu grandes frutos, tais como duas obras transpostas para livros impressos: Versura, poemas, contos e crônicas (2014); Versura: ensaios (2017), ambos vencedores do edital FAPEMA (Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico do Maranhão) - Apoio à publicação de obras.

Também, tive o imenso prazer e alegria de ver o blog sendo objeto de um projeto de extensão, aplicado no município de Alcântara-Maranhão, como exercício de leitura, produção textual, escritura poética e prosaica entre os alunos da escola de Ensino Médio do Instituto Federal (IF_Ma) Campus - Alcântara e do Centro de Ensino Integral Aquiles Batista Vieira, da Rede Estadual de Ensino, em 2018, sob a coordenação da Profª Adriana Franco de Souza Rocha. Eu nunca me vi como escritor, e ver alunos recitando meus poemas, encenando peças das minhas crônicas e até fazendo músicas com as histórias foi uma das grandes satisfações e alegrias que tive na vida até o presente momento.

Mas nada disso foi possível sozinho. Além dos meus alunos como grandes incentivadores, divulgadores, reprodutores, contei com o apoio de amigos, familiares, parceiros, dentre eles: César Borralho, Claudio Zannonni, Marcelo Cheche, Ana Cristina Teodoro, Patrícia Luzio, Marcos Muniz, Augusto Venturoso, Tonny Araújo, Veronica Coutinho, Thays Barbosa, José Antonio Basto, Luiz Fernando Pinheiro, Ingrid Campelo, Jeanne Sousa da Silva, Marcos Rogério Feitosa de Araújo, Jackson Ronnie Sá Silva, Adonay Ramos Moreira, De Moraes, Álvaro Moreira e Lucía Tugeiro de Paula Borralho, minha filha mais velha em seu primeiro poema, à época com apenas 07 anos. Todos eles publicaram textos, aos quais agradeço e sou muito grato pela parceria, além dos seguidores de vários lugares, não só do Maranhão, Brasil e de vários lugares do mundo, mesmo sendo escrito em língua portuguesa-brasileira e sem olvidar dos revisores, tais como: César Borralho, Patrícia Luzio, Liana Márcia, Claunisio Amorim Carvalho, Maristela  Andrade, Dulce Maurilia.

Questões pessoais me fizeram frear a escrita, e, quando por vezes tive intento de voltar em pleno vapor, o mundo já estava muito diferente, digo, mais diferente ainda: dominado por linguagens cifradas, memes, fake news, whatsapp, num alarido aturdido, de difícil legibilidade. Isso não é vitimismo, nem justificativa, é recolhimento.

Tenho ainda em mente o projeto da publicação do último livro da trilogia: Versura – transição planetária, sem data para lançamento. Transição planetária é um conceito polissêmico e interpretado de diferentes formas; desde a astronomia, passando pelos Vedas (apunishads), Brahmanis, algumas sociedades africanas, pelo judaísmo, pelos cristianismos esotéricos e seculares, pelos maias, pelos indígenas hopis dos Estados Unidos, pelos incas, astecas, pelo espiritismo e diferentes esoterismos, dentre outras leituras, tradições e práticas espiritualistas. 

Para mim, transição planetária é o processo endógeno pelo qual o cosmos, em que os planetas (orbes) estão imersos, passa, mudando continuamente sua estrutura de funcionamento, ampliando-se, esticando-se, emulando novas possibilidades reinventivas de si mesmo, trazendo consigo todos os aspectos e elementos derivados dele, ou seja, tudo o que emana do cosmo muda porque é constituído de mudança contínua. O sol muda, as luas, os planetas, os buracos negros, as galáxias, os sistemas solares, cometas, satélites, meteoros, as estrelas, etc. E como a existência da vida é derivada dela, porque só existe em virtude de tais astros, sofre ação em seus sistemas biológicos, unicelulares, celulares, nos DNA's, partículas, átomos etc. A relação que a vida estabelece com essas componentes desenvolve a consciência, que se faz a partir da experiência entificada nas relações sociais, nas linguagens, no pensamento, na cultura, na história. Como somos dominados pelos 05 sentidos (visão, audição, paladar, tato e olfato) e como desenvolvemos a linguagem sígnica de tudo o que “existe”, taxionomizando, dando nomes, sentidos e interpretações, nos tornamos a medida de todas as coisas. Mas acredito piamente que, para além dos limites de nossos 05 sentidos, há muito mais o que se descobrir e compreender, e dentre esses enigmas estão o sentido da vida, de onde viemos, por que existimos, o que somos, o que estamos fazendo, quais sentidos atribuímos à vida.

A transição planetária também consiste na mudança de paradigmas: da 3ª (terceira) dimensão para a 5ª (quinta). A terceira dimensão é o reino, o domínio dos 5 (cinco) sentidos humanos, por isso mesmo a prevalência de um tipo de racionalidade, de racionalismo, do dualismo, do maniqueísmo, das hierarquias de conhecimento, de experiências fragmentadas, da noção de separação entre homem-mulher-natureza, ainda que o conceito de natureza seja ocidental. Na terceira dimensão, por processos históricos, deu-se a supremacia do patriarcalismo, a ascensão do machismo, da misoginia, da perseguição ao sagrado feminino, das práticas colonialistas, da exploração desenfreada dos recursos naturais do planeta, da subjugação de outros povos, enfim, de toda ordem de separação, exclusão, separação. Ja na 5ª dimensão prevalecessem as práticas integradoras de todo tipo de conhecimento, da fusão entre intuição e dedução, racionalismo e sensitismo, da superação do maniqueísmo, da emergência de novos conhecimentos, muitos deles esquecidos e ou perseguidos, da expansão da consciência para além da materialidade (até mesmo da compreensão sobre a materialidade), do surgimento de novas práticas alimentares, de economia, da superação da pobreza e da exploração dos povos, do fim das culturas opressoras, e sobretudo, da assunção de um nova concepção de amor, em todos os sentidos. Esse é um processo em construção, uma tarefa árdua e difícil, porém, urgente e necessária    

Como acredito que os planetas não são fixos, mas moradas transitórias para experiências existenciais, que a vida é contínua, eterna, que o corpo perece, a anima, não, também traduzido por "espírito", "alma", etc, a aprendizagem da alma é eterna, contínua, passa por graus de elevação e consciência, bem como as animas dos planetas. Sim. Creio que o corpo da Terra, também conhecido por Urantia, Sham, entre outros nomes, é parte materializada do espírito dela, que os gregos antigos chamavam de Gaia; os indígenas mesoamericanos de Abya Ayala; os incas de Pachacamac, entre outras tradições e traduções em outras culturas.

Os maias, antes de desaparecem, previram, há 800 anos, que em 21 de dezembro de 2012, solstício de inverno, a Terra mudaria de patamar, sofreria uma grande mudança, encontraria seu “fim”. Os apressados logo desdenharam quando o mundo, em 22 de dezembro, “continuou o mesmo”, e não entenderam o silogismo dos textos e o sentido oculto deste enigma: não se tratava do fim do mundo, mas do fim de um mundo e o nascimento de outro, da mesma forma que várias tradições religiosas profetizaram, tal como fim do mundo e a volta de Cristo para os cristãos. Para os apunishads, essa data “coincide” com o fim da Kali Yuga (idade da escuridão), após o sistema solar se aproximar mais uma vez do cinturão de fótons de Alcyon, recebendo uma quantidade de energia maior que qualquer outro período, ainda que tal aproximação sempre aconteça a cada 2333 anos. Porém, dessa última vez, tal aproximação marca os 25.920 anos do fim de um ciclo e o nascimento da Raia Yuga, idade da luz ou, como preferem os esotéricos, o retorno da consciência crística (volta de Jesus - Sananda), ou ainda, como preferem os espíritas, o fim da Terra enquanto planeta de expiação e provas para ser um planeta de regeneração. 

Embora tudo desmorone, a luz venceu, e as coisas irão “piorar” até que o despertar de uma consciência mais elevada global emerja. Ao que estamos assistindo são os solfejos de um mundo ainda dividido e que continuará por um tempo, ao passo que uma nova forma de pensamento surge, mesmo que silenciosamente. Velhos hábitos estão morrendo, velhas práticas, formas de vida, padrões alimentares, vibracionais, conhecimentos, educação, saúde, climas, vegetação, mundo animal, apesar dos donos do mundo insistirem em suas práticas predatórias de convivência e exploração planetária, e agora, interplanetária.

Nesses 10 anos, não apenas o mundo mudou, eu também, e o Versura foi e tem sido um fiel confidente, um fiel parceiro e aliado. Foi testemunha de momentos dramáticos da vida política global e brasileira, por vezes, tentando tatear o mundo às cegas. Sua escrita é crítica, mas esperançosa, como diria Gramsci: “otimismo da vontade, pessimismo da razão”.

Neste dia em que completa 10 anos, vejo-o com uma criança cambaleante, à procura de seus significados, de seu lugar, mas com a esperança redobrada. Hoje, o horizonte está mais claro do que no dia em que nasceu. Não se trata de ter encontrado as respostas finais, mas de modular as mesmas perguntas. Hoje, há menos angústia nesse post comemorativo do que no primeiro. Isso não significa que a busca se encerrou, e sim, que há a clareza de que não existe chegada, o processo é contínuo, o importante é seguir, do jeito que se pode, na velocidade que se pode, respeitando as paradas, caindo e se levantando, enxugando as lágrimas, errando, se perdoando e perdoando os outros, sorrindo, vibrando, vivendo.  

O planeta Terra, neste exato momento, está girando em torno do seu eixo e em volta do sol numa velocidade frenética e numa espiral ascendente. Tudo se move. O incriado, também conhecido como "Deus", “Fonte”, "Micah", "Iaweh", "Deus Pai-Mãe", dentre outras designações, sempre existiu, nunca precisou da linguagem para se auto explicar, apenas é. As criaturas, todos e todas os que derivam dele, nem sempre existiram, mas para serem existirão, por isso, precisam da linguagem e reflexões para se compreenderem e cocriarem com o incriado. Cada vez que um novo sentido é constituído, aumenta a capacidade de entendimento sobre tudo o que existe.     

 

Parabéns, Versura!    

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