A convite do meu amigo Marcos Fábio, escrevi esse texto para o site de ideias Pensar/SA. Segue abaixo o link do post
http://www.pensarsa.com.br/a-vida-na-tela-e-nas-paginas/
Quando Platão em O Fedro conotou
a diferença entre a poesia, a história e a filosofia estava demarcando uma
posição que seria legitimada séculos depois pelo que seria cognominado de mundo
ocidental quanto às funções da poesis,
da pesquisa e do filos.
Tal diferença consistia na
composição de que tanto a poesia quanto a filosofia versavam sobre o inefável,
o não-dito, enquanto a história só poderia narrar sobre o real acontecido. A
poesia e a filosofia passavam a se encarregar do hiato, do vazio, do silêncio,
ainda que pronunciado. O falar literário e o filosófico eram e são formas
inescapáveis de anunciar algo que não se sabe, mas que precisa ser dito.
Séculos depois de Platão mil
teoremas já foram escritos para descrever o sentido da poesia e da filosofia,
todos sem um ponto final. Há algo de mistério em elucidar o que se esconde por
detrás do cosmos, pletora relação de ligação com a existência humana. A arte, atrelada à poesia, ainda se sentiu
mais leve quando se colocou na condição de não ser exato, exatamente como amor
não cabendo em si.
Assim, poetas, literatos enfim,
esses filósofos da arte, da vida, cuja capacidade de descrever o que poderia
ser, tem ao longo dos tempos se enredado na difícil tarefa de escrever sobre a
vida logrando total êxito. Não se trata de questionar porque tantos
alfarrábios, tantas bibliotecas repletas de histórias sobre vidas imaginadas
com pintadas de encenações autobiográficas se avolumando sem que se chegue a uma
definição sobre o que seja existir, e sim, porque exatamente a não definição do
que venha a ser existir impulsiona a necessidade de tantos escritores tentarem
decifrá-la. O mistério talvez seja esse: a vida se apresenta da forma como a
concebemos, por isso cada um compõe seu enredo, sua trama, monta sua história.
Não satisfeitos apenas com a
capacidade imaginativa da literatura em papel os irmãos Lumiere resolveram dar
movimento as palavras criando um cinematografo, uma espécie de literatura com
imagens em movimento, depois resignificado e reelaborado por Chaplin
cognominado de cinema.
De lá pra cá milhões de pessoas
ao redor do mundo começaram a dar movimentos aos conjuntos de sonhos indecifrados,
particularizados, mas quando expostos numa tela passaram a ter correlação com
outros sonhos ou possibilitando a efervescência daqueles que estavam submersos.
O movimento de busca pelo sentido
da existência na filosofia, na literatura e mais contemporaneamente no cinema
não é aleatório. Cunhou-se inclusive a expressão de que a arte imitava a vida,
de que buscávamos a arte porque a realidade era insuportável, a arte tinha a
capacidade de elevar nossos espíritos, nos colocar numa condição menos
miserável, etc. Tudo factível, producente, encadeado, mas o que tem passado
cada vez mais despercebido, sobretudo porque tanto a literatura quanto o cinema
também se transformaram em elementos da indústria cultural, mercadoria,
entretenimento, necessidade de consumo, é o que estava presente nos compêndios
de Platão de que a arte, e nisso se inclui o cinema, não imita a vida, é representação
dela, é encenação da captação do narratário compreendido em outras dimensões
sensíveis, cuja a realidade lógica, produtivista não conseguem alcançar.
As pessoas não apenas se espelham
em personagens dos romances, filmes, se sentem imanadas com elas, elas se
conectam com uma dimensão da existência perceptível no âmbito das artes por uma
janela que o artista e todo aquele que se vincula a ele, inclui o receptor,
enxerga pela fresta do buraco da consciência universal.
As pessoas ao lerem literatura,
ao assistirem filme, ao se conectarem com um argumento filosófico, estão se
reconectando consigo mesmas exatamente por saberem em algum lugar de si, talvez
no plano do inconsciente, saibam que a vida é mais bela que a crueza da dura
realidade objetiva. Portanto, a arte não imita a vida, ela reescreve de forma
legível, sensível às pessoas que já se esqueceram do que viveram e de como é
viver de forma mais sutil, leve, bela. Por isso nos impactamos diante de um
quadro, uma escultura, uma fotografia, uma instalação, um poema, um filme, um
teorema.
A vida, que não se cansa de
reviver-se nos outros, encontra meneios para nos tocar, beijar a boca, fazer
correr uma lágrima do rosto, tirar suspiros, e nos lembrar que também somos
heróis e bandidos, mocinhos e vilões, luz e sombra, corajosos e covardes, leais
e falsos, fieis e infiéis, honestos e desonestos, sem um caráter moralista,
condenador, apenas dialético, mutante, cambiante, impermanente, incompleto...
como as obras de arte.
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