sábado, 22 de setembro de 2012

História e Memória

Jacques Le Goff, historiador francês, afirmou categoricamente que ser dono da memória é ser dono da história. Ele está certo, sobretudo em tempos de apagamento da memória. É que outro intelectual francês já falecido, Jean Baudrillard, também afirmou que nas sociedades contemporâneas quando não há tempo para condensação das informações, não há tempo para refletirmos sobre o que nos acomete, a história se liquefaz, não se condensa por falta de absorção sobre os eventos. 

Dai porque um terceiro intelectual, igualmente importante, o marxista Eric Hobsbawn, também ter afirmado que nesses tempos limiares quando a sociedade vive uma espécie de presente continuo, mas do que nunca os historiadores são necessários.

Entretanto, que fique claro: história é uma coisa, memória, é outra. A primeira se nutre da segunda, mas artificializa, organiza e retira seu caráter de "espontaneidade". A História é o discurso sobre o vivido, a memória, o exercício de guardar o que se viveu. 

Acontece que em muitos momentos história e memória se confundem. Por exemplo, o velho debate proposto por Maurice Halbwachs sobre a memória coletiva e a memória individual. A memória coletiva por vezes interfere na individual. E existem muitos processos intervenientes na produção, resignificação da memória individual, já disse Pierre Nora.

Assistindo ao filme "Brilho eterno de uma mente sem lembrança", fiquei me questionando o que leva a confecção de uma clinica de apagamento das memórias. Isso é o próprio apanágio de uma sociedade contemporânea expectadora de um século dos horrores, o breve século XX, como afirmou Hobsbawn. 

A mesma configuração que permitiu no final do século XIX e inicio do XX o surgimento da psicanálise, é o mesmo que leva o cinema a imaginar uma clinica onde seja possível se apagar as más lembranças, diga-se, a péssima memória. 

Basta olharmos para o século XX e entenderemos isso. Conflitos entre turcos e armênios, I Guerra Mundial, Guerra Civil Espanhola, II Guerra Mundial, o período de Vichy na França, nazi-fascismo na Europa, Hiroshima e Nagasaki, massacres, bombardeios, a resistência italiano ao nazismo aflorando até os dias de hoje ressentimentos contra a resistência, senda acusada de irresponsável, Guerra do Vietnã, A Guerra Fria, A guerra das duas Coreias, a Guerra dos Seis Dias, conflitos entre árabes e judeus, o apartheid na África do Sul, as sangrentas ditaduras na América Latina e toda tentativa de silenciamento desse passado. 

Na Argentina, todas as quintas-feiras, as Mães da Praça de Maio vão as ruas reclamar seus entes desaparecidos. No Brasil, vergonhosamente, nenhum torturador até hoje foi condenado. Existe uma política de apagamento do período ditatorial. 

E quanto à Guerra do Paraguai no século XIX em que Brasil, Argentina e Uruguai massacram o pais vizinho? Os brasileiros adoram proclamar que são pacíficos, mas se esquecem do que fizemos ao paraguaios e até hoje nunca pedimos perdão por essa vergonha. 

Nelson Mandela proclamou que a única saída para a África do Sul é o perdão, vide que os traumas naquele país são uma ferida aberta em virtude do desejo dos negros de se vingarem pelo período de dominação branca. 

Contra o apagamento da memória a história é um antidoto, mas que não seja usada para reavivar animosidade contra os povos, reacendendo antigas mágoas e ódios coletivos, e sim, que a história nos ensine a não cometermos os mesmos erros.  

Para Hobsbawn, o século XX foi o dos horrores, o XXI não precisa cometer os mesmos erros.

Como diria Paul Ricoeur em A memória, a história, o esquecimento:

"Perturba-me o inquietante espetáculo que apresentam o excesso de memória aqui, o excesso de esquecimento acolá, sem falar da influencia das comemorações e dos erros de memória - e de esquecimento. A ideia de uma política da justa memória é, sob esse aspecto, um de meus temas cívicos confessos"                                         

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