sexta-feira, 14 de junho de 2013

Sobre as ondas de protestos contra os aumentos das passagens de ônibus.

O Brasil está amadurecendo? É claro que sim. Viveu ao longo do século XX as voltas com recessão democrática; primeiro no período Vargas (1937-1945); depois com a ditadura militar (1964-1985). É muito recente a convivência e a compreensão acerca da experiencia democrática. 

Vivemos primeiro um período de muita contestação política, fruto do gozo da liberdade de expressão, depois, um momento de acomodação, decepção e frustração com a experiencia democrática. No entanto, começamos a vivenciar a percepção de que as instituições sólidas e estruturadas precisam ser alicerçadas na  disputa de correlação de forças, no amadurecimento das instituições instituintes do cognominado jogo democrático, que na politica tudo é um fazer-se, um operar-se, o processo vai se consolidando à medida que a sociedade avança e até onde pode e quer avançar. 

Não existe sociedade ideal, bem disse Max Weber, isso é uma invenção tipológica, fruto das aspirações de classes e grupos supostamente responsáveis pela condução politica e que reverberam suas aspirações para as demais frações de classe.

O Brasil sempre viveu grandes ondas de protestos: DIRETAS JÁ, IMPEACHMENT DE COLLOR, e mais recentemente tem experimentando outras modalidades de reivindicações: Parada gay, Marcha das Vadias, Marcha para Jesus, Marcha contra corrupção, Marcha pela descriminalização do uso da maconha, contra a violência, dentre outros. 

Nesse processo, um pais que sempre teve dificuldade de lidar com contraposição de ideias, fruto exatamente de uma democracia infante, não enxerga com bons olhos quando determinados grupos se levantam e bradam suas palavras de ordem. Os ânimos se acirram, a violência eclode, o confronto é inevitável. 

A questão é que finalmente começamos a perceber que em qualquer sociedade o suposto interesse nacional é fruto de jogos de micro-escalas, de interesses particularizados, muito deles absolutamente privatistas, nada  nobres. Basta olhar para o Congresso Nacional completamente dividido entre facções e grupos de classes representando interesses de suas bases: evangélica, do cigarro, das armas, agropecuária, anti-reforma agrária, dai em diante. 

Há um outro elemento. O fim da perspectiva revolucionária e o desencantamento da forma de fazer politica operada pelo PT levaram os grupos sociais a perceberem o jogo de interesse partidário, a questão das negociações, o limite do projeto de mudança social, os imensos empecilhos à transformação, tais como: imprensa, mídia, grupos empresarias nacionais e estrangeiros, acordos, etc...

As recentes manifestações contra o aumento de passagens, no começo do ano em Florianópolis, depois em Teresina, Fortaleza, e agora em São Paulo e Rio de Janeiro, são sinais do esgarçamento social operado pela volta da inflação, o limite de combate à pobreza operada pelo bolsa família, a redução da expectativa de crescimento econômico, da subida da escalada da violência e do achatamento dos salários conjugada pelos pífios aumentos, muito deles não acompanhando a inflação. 

Ninguém sai às ruas porque é "baderneiro". Ninguém em sã consciência decide sair de casa, enfrentar a truculência da policia, arriscar sua própria vida simplesmente para aparecer nas manchetes policiais como bandido, depredador do patrimônio público, inimigo do estado. Pode parecer pouco um aumento de R$ 0,20 na passagem, mas não para quem precisa pegar 3, 4 conduções todos os dias. 

A questão não é o valor do aumento em si, apenas, é a própria ideia de aumento, corroborada pelo péssimo serviço de transporte público existente no pais, tarifas altas, congestionamentos, falta de investimento público onerando os bolsos de milhares de trabalhadores, não só em São Paulo e no Rio de Janeiro como no pais inteiro.

Chamar de "baderneiros" quem depreda o patrimônio publico, o que eu não concordo em absoluto quem faz isso, é desviar o foco do fosso social alarmante no país, crescente, da deterioração da qualidade de vida dos trabalhadores e moradores das grandes urbes, da corrupção desvairante da riqueza do país que impede investimentos, inclusive na infra-estrutura urbana. 

Houve excessos por parte de alguns manifestantes? Penso que sim, mas as imagens começam a revelar que na verdade a truculência, a agressão começou com a policia distribuindo cacetadas em quem aparecesse por perto, inclusive em quem não estava na manifestação.

É conhecida a truculência da policia brasileira, altamente despreparada para lidar com manifestações sociais, vide o caso emblemático de Eldorado de Carajás, ou mesmo o fatídico massacre do Carandiru. A policia brasileira, herdeira da ditadura, ainda concebe manifestação social como ato de guerrilha, portanto, disposta ao tudo ou nada. 

Sabemos como se fazem os treinamentos dos policias, estimulados à violência e, quando saem às ruas estão sedentos de sangue, a própria violência, ávidos em descontar humilhações, inclusive salariais em quem se opuser. A policia também é vitima do sistema: baixos salários, pouca infra-estrutura, baixa formação e escolaridade, exposta a perigos constantes. Dados da Policia Militar de São Paulo revelam o altíssimo grau de suicídios dentro da corporação. 

Policia Militar é resquício da ditadura Vargas. Nunca ocorreu a unificação das policias e ainda há o problema de desproporção salarial entre as existentes: militar, civil e federal. 

Também os movimentos sociais precisam rever táticas e estratégias de manifestação. Colocar a própria população contra o movimento por conta dos excessos é uma tática questionável, embora entendo que no calor do confronto o que se coloca no horizonte é o sofrimento da decadência da cidade, da falência do estado, de politicas públicas inoperantes que se travestem na agressão exatamente contra o que é público, o patrimônio. 

É difícil haver consenso e nunca vai haver, mesmo dentre aqueles que sofrem com os aumentos de passagens, se sentem prejudicados e não se manifestam, mas a questão é: atribuir demasiada atenção para os ônibus depredados é uma estrategia para não se discutir o declínio do homem público, do espaço público e de uma política que valorize a vida e não os grupos econômicos. Eis a questão.

Há uma orquestração politica conduzida por grandes grupos econômicos, cujos tentáculos deitam raízes na propaganda anti-movimentos sociais. A mídia não é nunca foi neutra, defende os interesses de seus patrocinadores, portanto, é preciso ter cuidado com a edição de imagens, com editoriais, com o que se vincula e quais interesses por detrás disso. 

Quando disse que os movimentos sociais precisam rever táticas de manifestação, refiro-me as estratégias manipuladoras que controlam a opinião pública contra o próprio movimento. É preciso empoderar a sociedade, não torná-la adversária, panegirica da fala dos grupos dominantes. 

Eh meus caros!!! O Brasil está em colapso, pena que a Copa das Confederações, a Copa do Mundo e as Olimpíadas não nos deixam enxergar isso. 

Vamos ter que pagar a conta quando essa euforia acabar.                           

                                    

3 comentários:

  1. essas manifestações que estão acontecendo espero que sirvam de impulso para que o Brasil e principalmente o Maranhão seja mais ativo em relação ao que diz respeito aos nossos direitos.
    feliphe soeiro

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  2. Alcantara Machado, escreveu o hoje há muitos anos. Me vem a memoria Apologo de um brasileiro sem veu de alegoria. Um cego começou tudo. Nao ha Copa que apague o que a internet e escritas como a sua mostram. Um girassol, a busca da luz a todos.

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