quinta-feira, 23 de maio de 2013

Festa do Divino Espírito Santo: tradição ameaçada

No último dia 18 de maio ocorreu a festa de encerramento do Festejo do Divino Espirito Santo, na cidade de Alcântara, no continente maranhense, ainda que no dia 19 tenha ocorrido o último cortejo e o apagar somente no dia 20. Tal festa, nascida no século XIII em Portugal, constitui uma das maiores expressões culturais do Maranhão, pelo seu caráter religioso, pelas ilações sociais que conotam para a comunidade de Alcântara, por ser um elemento de resistência e permanência de uma tradição que não deve desaparecer.

Em nome de uma necessidade de atrair público, a prefeitura da cidade contratou uma grande banda de forró, de renome nacional para a grande noite do dia 18, sábado. Pode parecer casuísmo, implicância de um chato retrógrado que é contra inovações  e "modernismos". Mas não é. 

Tudo tem bom senso, limite. Não vou esmiuçar aqui minha concepção sobre a indústria cultural, sobre o conceito de música, já o fiz ao longo de quase dois anos nesse blog. A questão não é contratar ou não uma banda de forró, mas a desvirtuosidade do sentido em si, ou seja, atrair público, atrapalhar LITERALMENTE a festa em nome de uma grandiloquência, de ser atrativo turisticamente para uma festa que existe desde o século XIII e que no Maranhão resiste há pelo menos 200 anos.

A noite, mesmo antes do encerramento da missa, quando os músicos aguardavam do lado de fora da igreja para começar o cortejo, o show da primeira banda, que iria abrir a noite de shows, começou a tocar atrapalhando o cortejo. Ainda que tenha parado de tocar quando o cortejo passou em frente ao palco, pela desmesura dos equipamentos, pela desproporção entre música acústica e música eletrônica (parafernália de um grande palco, de uma grande estrutura), quando voltaram a tocar o som dos instrumentos de metais simplesmente ficou abafado, pervertendo todo o sentido da festa. 

O centro das atenções é a Festa do Divino Espirito Santo, não as bandas de forró. Pessoas de várias lugares do Brasil e do Maranhão estavam ali pela força da tradição, por aquilo que teima em não morrer, não estavam em busca de novidades, de pirotecnia ou de show business de grande escala.

Tradição e modernidade podem conviver, mas temos que acabar com essa concepção equivocada de que a modernidade tem que ser prevalecente, de que o mais é melhor que o menos, que a grandiosidade de um palco é mais importante que uma procissão, que um cortejo. 

Como o show acabou altas horas da madrugada, os jovens não apareceram para a missa de domingo, ou seja, o sentido de fato foi desvirtuado. São os jovens os futuros imperadores, imperatrizes, mordomos e caixeiras. Se festas interpelarem o sentido da Festa do Divino, como se manterá tal prática cultural? Isso sem adentrar no fato de que, por um acaso, onde foram parar as manifestações culturais maranhenses: tambor-de-crioula, cacuriá, lelê, dança de São Simão, baralho, pela-porco, bumba-meu-boi e tantas outras que não chocariam com o sentido da festa? 

A comunidade reagiu prontamente durante a missa do domingo, protestaram, reclamaram de falta de apoio e incentivo, ou seja, dinheiro para uma grande banda de forró tem, para a festa....

É necessário sim a critica, não podemos pasteurizar tudo como se tudo fosse natural ou naturalizado, como se tudo fosse banal. A comunidade precisa se organizar e estabelecer os parâmetros do que querem, afinal, são eles os atores principais, sem eles, a pomba do divino não alça mais voo.                                

2 comentários:

  1. É professor, a gente realmente percebe uma grande falta de interesse por parte da população, cheguei a entrevistar um garoto e perguntei a ele, o que ele achava de tudo aquilo, ao que ele respondeu que era muito legal, mas que ele não pagaria um "mico" desse em frente a cidade toda.
    A tradição que antes deveria ser seguida a risca, hoje está se tornando algo opcional diante dos adolescentes onde muitos se "veem" obrigados por alguns pais que ainda carregam algum vestígio da cultura da cidade.
    Quando ao show percebemos o quanto o sagrado estava ali lado a lado com o profano, a questão da festividade tradicional juntamente com a festa da modernidade como foi dito.

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  2. Infelizmente a Festa do Divino Espírito Santo de Alcântara vem perdendo força, isso reflete-se logo de cara na quantidade de festeiros que tem diminuído ano após ano, e assim como a Festa do Divino, tantas outras manifestações culturais da Cidade, as próprias caixeiras estão correndo grande risco de perderem-se com as lembranças, pois os jovens não querem pagar "mico" (como bem disse o João Marcos acima) de perpetuar sua cultura. Mas acredito que ainda há tempo de resgatar essa identidade cultural na população alcantarense fazendo-se um trabalho de educação, valorização e resgate da cultura local.
    Ainda bem que ainda há uma grande parcela da cidade que quer manter a tradição e já existem algumas pessoas que fazem isso, como na comunidade de Cajueiro em que há o Grupo de Dança do Coco Marajá Mirim, a Comunidade de Itamatatiua que tem o Tambor de Crioula e Dança do Negro Mirins e na Sede o Tambor de Crioula Palmares idealizado por professoras do Jardim de Infância Inácio de Viveiros também na intenção de manter viva a cultura alcantarense.
    Hj as bandas já se tornaram comuns nas festividades tradicionais locais, e acho que dá até para conciliar, desde que o foco não sejam elas e sim o que de fato é tradição: o cortejo, os mordomos, as visitas, a imperatriz ou imperador, o Divino.

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