segunda-feira, 10 de junho de 2013

Literatura e história: caminhos divergentes?


Para minha amiga Martha Alckmim


A literatura retira do mundo seu material, mas devolve ao mundo aquilo que ele não tem”. Com essa frase, Martha Alckmin, Professora de Literatura da UFRJ, começou sua brilhante aula sobre a relação entre literatura e história. 

A literatura nasceu como uma das 9 musas gregas, cognominada de Calíope, não à-toa era uma das três musas que se relacionavam com a arte de lembrar, além da história, Clio, e da que era por excelência da memória, Mnemosine.

Logo, história e literatura seguiriam caminhos dísticos. A segunda tomaria o rumo da mimésis, da verossimilhança e da representação, a primeira, se encarregaria da apropriação do mundo real, levando a imaginação histórica a lugares cada vez mais distantes da ficção literária. Essa distinção, por exemplo, condicionou a literatura a não ter obrigação de explicar o real, embora o faça, mas quando tem a obrigação de fazê-lo deixa de ser literatura.

Platão é um dos responsáveis pela configuração de uma nova paideia. A paideia homérica educava pelo mito, sobretudo a partir das obras Ilíada, cujo personagem central é o fogo, e a Odisseia, personagem a água. Já na Paideia Platônica, a busca pela verdade, pela justiça e pelo belo era o grande mote, por esta razão o mito estaria fora da República, afinal, estava eivado das paixões, da ira, da fragilidade humana. Não à-toa, Nietzsche, ao desconstruir o referencial da construção do mundo ocidental a partir de Platão, considerou que a verdadeira filosofia estava nos pré-socráticos, que pensavam o mundo pelo caos (combinação dos elementos terra, fogo, água e ar), desordem, e não pela arquitetura de Platão e Sócrates.

A História seguiria este tipo de segmentação abastardando-se cada vez mais de Calíope. Com Heródoto ainda havia uma influência das lendas etiológicas de Homero, por mais científico que quisesse transformar este ramo do conhecimento, porém, depois de Tucídides, a segmentação entre essas percepções da vida se agudizou. Depois vieram os romanos Políbio, Tácito, Tito Lívio aprofundando a percepção tucididiana da história corroborando a ideia de que a vida era a dimensão prosaica e somente nela se encerraria a explicação do mundo e da vida. Literatura era abstração.

Depois, com a Idade Média e com o advento da modernidade, a história tomou a conotação didático-pedagógica de explicação do real. Esse real para os medievais era a comutação da separação entre Deus e os homens, ou seja, a história passava a ser a narrativa da introdução do pecado original e como este ato fundava uma explicação de todos os sofrimentos humanos, logo, a história era a trajetória de como os homens haviam se distanciado do projeto divino e como seriam reabilitados quando da segunda volta de Cristo. Já na época moderna, com o declínio do ideário medieval, a história passava a ser o sentido da evolução humana, da acumulação de experiências, do saber e aplicação instrumentalizada desta experiência no plano prático e concreto das relações humanas. Como exemplos da concepção medieval-teológica da História, temos Santo Agostinho, já da concepção moderna, Herder, Bossuet, Vico.

A separação entre literatura e história teria seu capítulo mais radical no século XIX, exatamente quando a concepção contemporânea de ciência tomou forma. A história optou por distanciar-se ainda mais da literatura e se divorciou da filosofia. A literatura definiu seu corpus conceitual como uma área à parte, a saber, nem ciência, nem arte, somente literatura.

No entanto, nem sempre essa separação foi tão radical. Segundo Martha Alckmim: “o barroco foi uma tentativa de equilíbrio entre ficção e realidade. Todo discurso humano depende e está permeado de ficções. A questão não é matar a ficção, mas sim, lidar com ele. Todas as vezes que o pensamento encontra barreira ele encontra um atalho”. 

Por que nestes últimos tempos literatos têm recorrido a explicações históricas, e historiadores têm se debruçado sobre a compreensão da narrativa literária? Porque ambas são facetas da mesma dimensão humana, embora falem de formas diferentes sobre o que é viver. Prosa e poesia se interpenetram e se complementam.

A literatura é mais que necessária porque a dimensão prosaica da vida por si só é insuportável, ela retira a dor do mundo e a devolve resignificada. Como não é possível viver apenas na dimensão literária, a vida se encarrega de nos trazer de volta. Mas logo não conseguimos nos conter com a concretude da vida, aí, recorremos de novo à literatura.  

2 comentários:

  1. Essa relação história e literatura é tão "íntima" que, por isso mesmo sempre é permeada de conflitos e concordâncias, não é mesmo, Henrique?! Adorei o texto. É a partir da linguagem que conseguimos figurar mundos e a linguagem literária, assim como a histórica, constrói nossos prazeres e nossas verdades. Como tu bem escreveste, o real é insuportável. Ele não é e nunca será suficiente.
    Um cheiro,
    Adriana Araújo.

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    1. obrigado adriana. tenho cada vez mais me debruçado sobre o assunto. comprei um monte de livros e estou me preparando para me especializar nessa área. amo a literatura e preciso da história.

      abraços

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