O FIM DA SEPARAÇÃO ENTRE HISTÓRIA E LITERATURA
RESUMO:
O
presente artigo discute como duas linguagens interpretativas do mundo, nascidas
como musas gregas, Clio e Caliope, respectivamente, História e Literatura,
foram, ao longo dos
tempos, constituindo-se
como campos autônomos do conhecimento, a tal ponto de serem consideradas
antônimas, ainda que suas epistemologias estejam alicerçadas na tentativa de
compreensão acerca da existência. A proposta se insere numa perspectiva
revisionista de seus campos de atuação, suas metodologias, visando o fim das
barreiras, das fronteiras que abastardam essas duas linguagens, dentro de uma
visão holística, integralizadora, aos moldes da teoria da complexidade.
Palavras-chave:
história, literatura, ciência, holismo.
ABSTRACT:
This article discusses how two interpretive languages
of the world, born like Greek Muses, Clio and Caliope respectively, History
and Literature, were over time constituting themselves as autonomous fields of
knowledge, to the point of being considered analogous, though epistemologies
are grounded in the attempt of understanding about existence. The proposal is
part of a revisionist view of their fields, their methodologies, aiming at the
end of the barriers, borders abastardam that these two languages within a
holistic, integralizing, the molds of complexity theory.
Keywords:
history, literature, science, holism
Artigo publicado na Revista Contemporânea, do Núcleo de Estudos Contemporâneos, da UFF. http://www.historia.uff.br/nec/sites/default/files/1_O_fim_da_separacao_entre_literatura_e_historia_3.pdf
O fim da separação entre literatura e história
A história humana não se
desenrola apenas nos campos de batalhas e nos gabinetes presidenciais. Ela se
desenrola também nos quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios,
nas casas de jogos, nos prostibulos, nos colégios, nas usinas, nos namoros de
esquinas. Disso eu quis fazer a minha poesia. Dessa matéria humilhe e
humilhada, dessa vida obscura e injustiçada, porque o canto não pode ser uma
traição à vida, e só é justo só cantar se o nosso canto arrasta consigo as
pessoas e as coisas que não tem voz (Ferreira Gullar – Corpo a corpo com a
linguagem).
Uma forma indelével de dizibilidade sobre a existência,
expressa numa pletora plataforma da linguagem, como a escrita, deu origem a um
conjunto de sentidos estéticos e signicos[2]
sobre a vida, tal como a literatura[3].
Esse corpus sintagmático e semântico[4]
de representação do mundo em várias
partes foi ganhando forma e conotação específica, contudo, em qualquer lugar
sempre expressou uma vertente da existência escapável sob a perspectiva de como
o sentido acerca da cognominada realidade social era apreendida. A literatura
quer no mundo árabe[5],
nas tradições orais africanas[6]
ou mesmo na Grécia Clássica[7]
assumiu uma característica de entrecruzamento entre as condições objetivas do
mundo dito real e da subjetividade.
Nasceu como uma das nove musas gregas,
cognominada de Caliope, não à-toa era um das três que se relacionavam com a
arte de lembrar, juntamente com a da história, Clio, e aquela que era por
excelência da memória, Mnemosine.
A história nascida da filosofia, paulatinamente, assumiu um valor moral, um elemento da paidéia a
serviço do constructo cultural para demonstrar a superioridade grega em relação
aos povos, que lhes eram
paralelos. O caráter da investigação, que deu ao termo o sentido da história, separava-se aos poucos dos
seus elementos intrínsecos filosóficos, assumindo, dessa forma, uma característica autônoma, independente, como se a reflexão,
por conseguinte metodologia[8],
fosse distinta da poesia e da filosofia.
A História seguiria este tipo de segmentação
abastardando-se, cada vez mais, de Caliope. Com Heródoto,
ainda havia uma influência das lendas etiológicas de Homero, por mais científico que quisesse transformar este ramo do conhecimento, porém,
depois de Tucídides, a segmentação entre essas percepções da vida se agudizou.
Depois, vieram os romanos Polibio, Tacito, Tito Livio aprofundando
a percepção tucididiana da história corroborando a ideia que a vida era a
dimensão prosaica e somente nela se encerraria a explicação do mundo e da vida.
Literatura era abstração.
Logo história e literatura seguiriam caminhos distintos.
A segunda tomaria o rumo da mimesis, da verossimilhança, da inverossimilhança e
da representação. A primeira se encarregaria da apropriação do mundo real, levando
a imaginação histórica a lugares cada vez mais distantes da ficção literária.
Essa distinção, por exemplo, condicionou a literatura a não ter obrigação de
explicar o real, embora o faça, mas quando tem a obrigação de fazê-lo deixa de
ser literatura. “A literatura retira do mundo seu material, mas lhe
devolve aquilo que o mundo não tem”, segundo Martha Alckmim[9].
Platão é um dos responsáveis pela configuração
de uma nova paidéia[10]. A paidéia homérica
educava pelo mito, sobretudo a partir das obras Ilíada, cujo personagem central
é o fogo, e da Odisseia que tem a água como protagonista. Já na Paidéia
Platônica, a busca pela verdade, pela justiça e pelo belo era o
grande mote, por esta razão o mito estaria fora da República, afinal, estava eivado das paixões, da ira, da fragilidade
humana. Não à-toa, Nietzsche ao desconstruir o referencial da construção do
mundo ocidental, a partir de Platão, considerou que a
verdadeira filosofia estava nos pré-socráticos que pensavam o mundo pelo caos
(combinação dos elementos terra, fogo, água e ar), pela desordem, e não pela arquitetura de Platão e Sócrates.
Platão, no Banquete, e mais detidamente no Fedro[11], estabeleceu a divisão entre
filosofia, poesia e história. A filosofia se encarregou de um tipo de
elaboração metafísica, de
capturar o plano das ideias, já que o pensador se encarregara da missão de
seccionar o mundo entre real e imaterial, objetivo e espiritual, concreto e
metafísico. Começava uma operação de distribuição funcional das linguagens codificadoras do pensamento, num certo sentido uma idiossincrasia,
pois, os vários ramos do pensamento nasceram da filosofia, da preocupação
axiológica de descoberta do mundo, de desvelamento dos mecanismos
interpretativos acerca da condição social.
Separado do mito e nascido a partir
dela, o discurso filosófico precisava se notabilizar como estratégia de
legitimação de seus argumentos, conotando seu loci operandi, enquanto argumento mais
verdadeiro de tudo o que fosse diferente dela, o que os gregos cognominaram na
distinção entre doxa e ephisthéme[12].
Assim a poesia e a história,
estrategicamente utilizadas como instrumentos da pedagogização da política, de transmissão de
valores dos governantes gregos, eram ao mesmo tempo uma característica
mnemônica de perpetuação de valores, de dominação e de transmissão de
ideias, uma faceta da paidéia[13].
O elemento axial presente na elaboração
e formulação da investigação filosófica é o mesmo na história e na literatura
nascente de então. A questão, o leitmotiv
que unificava as respectivas áreas era saber o que era e como se apresentava o
logus, embora a partir das disposições que foram assumindo ao longo dos tempos
conotaram uma forma de perguntar, de abordar o nômeno de tal maneira que depois
transformado em fenômeno presente e interpretado nas distintas áreas, estas passaram a ser empírica
e epistemologicamente distintas de fato.
O que move a descoberta filosófica? Qual
é o elemento indizível da poesia, da literatura? Qual a necessidade da história
em perscrutar a origem das coisas? Como essas perguntas partiram de pontos
distintos, diferentes também foram as respostas, logo, distintos também foram
os caminhos que filosofia, literatura e história trilharam.
Nos casos específicos das distinções
entre literatura e história, ambas nascidas como musas – Caliope e Clio, carregam como símbolo de identidade o globo – ambas são filhas da memória, ambas interpretam e
representam o mundo e, por conseguinte, também são responsáveis por uma
construção sígnica da cultura, das características das identicidades dos povos,
do que faz a memória ser filha e responsável pelos sentidos da história e da
literatura.
História e memória não são a mesma
coisa. A primeira se nutre da segunda para estabelecer a cronologia dos fatos e
ao fazer isso organiza a memória.
Esta é espontânea, pode
ser organizada e não possui os critérios de cientificidade, de organização da
história como método, portanto, ao ser espontânea, por vezes, necessita dos nexos causais
que a metodologia histórica possui organizando-a, para estabelecer correlações
e dar sentido àquilo que existe dentro da vivência dos indivíduos e que se ligam a um processo mais
abrangente que suas experiências sensoriais.
A mesma relação acontece com a
literatura e a memória. A literatura está vinculada ao mundo pelos sentidos
apriorísticos da poesis e da prosa.
Prosa, enquanto linguagem
e sentido, ou seja, um tipo de construção sígnica da palavra organizadora de
uma forma de interpretação da vida, como se o texto fosse, ao mesmo tempo, interpretação
e codificação dos elementos compreensíveis da realidade. O texto escrito,
estabelecido como primazia da comunicação, da transmissão e transmutação de
valores, desde que suplantou a tradição oral, constitui-se como instrumento de
validade, de reverberação das interpretações sociais, bem como das relações de
poder e transladação de categorização social.
Ninguém escreve literatura a partir do
nada, abstraindo-se de suas formações socioculturais, das imersões e dos jogos
da conjugação interativa com meio, logo, da memória que carrega consigo, reverberando
em formato de um texto literário. Tais relações, retiradas do meio social, são
devolvidas ao mundo transformado já em reinterpretação, não uma descrição da
realidade, mas uma possibilidade de enxergá-la, ainda sendo tal interpretação o
próprio mundo visto sob outro ângulo.
Essa foi uma das principais
características que demarcaram a diferença entre literatura e história, não que
necessariamente sejam a mesma coisa, e sim, porque se constituíram
historicamente como discursos análogos, distintos, como se ambas não fossem
formas de apropriação da realidade, qualquer que seja a realidade, tanto a
palpável, descrito em texto prosaico, quanto a realidade “imaginada” existente
na caracterização subjetiva do escritor transposto para o texto literário.
Segundo esta proposição, Pesavento diz
(1998; p. 13):
O que distingue o discurso
histórico do literário é a modalidade de leitura que ele tenta provocar. O
texto mais radicalmente ficcional é dominado pela categoria da empatia, da
identificação, a qual está também presente na obra histórica. Já o texto
histórico inclui alguma distância entre o leitor e o discurso do historiador.
A objetivação do discurso histórico
obedeceu a analogia da separação entre mundo das ideias e o mundo real, ficando
a tradição mnemônica,
herdeira de Clio, uma das
responsáveis pela descrição da práxis social, enquanto o caráter subjetivo,
indelével da expressão dos sentimentos compungidos, da existência do que existe,
mas não pode ser descrito, sob o enlace da literatura.
Isso não aconteceu por acaso, ainda que
a necessidade de entendimento e decodificação do mundo tenha compartimentalizado os ramos dos saberes, as
várias formas de desenvolvimento do pensamento e, por conseguinte, as distintas
formas de expressão da existência.
A história, herdeira de uma tradição
mnemónica, passou de uma caracterização oral – mítica, fruto da lenda
etiológica[14],
no caso dos gregos – para a formalização do texto, após o surgimento da
escrita, como instrumento
de transmissão de valores, de códigos sociais, da estruturação do poder, do
papel do estado, da hierarquia dos grupos dominantes e de uma relação étnica, a
bem da verdade, etnocêntrica, de disputa e afirmação de um grupo social sobre o
outro.
Quer
dizer, a história deslindava-se de sua operacionalidade
epistemológica para também uma constituição axiológica. Ter história, ainda que
qualquer grupo humano tenha, comutou-se a um conjunto de valores sociais
definidores do que é ser um povo ou não, ser civilização ou não, ter cultura ou
não, ter história ou não.
A literatura não escapou desta
perspectiva. Interpretada como uma das sublimes expressões da arte e beleza,
desenvolver literatura, ou seja, “resgatar”, advogar, conotar, ter uma literatura, também foi associada ao
longo dos tempos como característica de cultura erudita, dos códigos sociais
balizadores e diferenciadores entre ter cultura ou não ter, ser civilizado ou
não, possuir uma capacidade de abstração, de reflexão, de sublimação que outros
povos, supostamente, não possuíam.
Sendo assim, para uma determinada
sociedade possuir os elementos computados enquanto tradição literária, sistema
literário, conceito que a crítica
literária contemporânea rechaça[15],
significava dizer que determinada sociedade obedecia aos critérios norteadores
do que vinha a ser literatura, forma de expressão da vida configurada como bela
letra, leia-se: dizer do belo, de uma forma que a crueza da vida, que o
empirismo e o pragmatismo não eram capazes de capturar.
Isto obedecia a dois princípios, pelo
menos. O primeiro, relacionado à especificidade que os agentes sociais,
encarregados de manutenção do status quo
foram assumindo dentro de cada cultura, como escribas, historiógrafos,
políticos, oradores, prosadores, cronistas. À medida que as disposições sociais
iam se estabelecendo e ganhando corporeidade, que os habitus[16],
para usar uma expressão de Bourdieu, foram se estruturando, um tipo de discurso
sobre o imaterial, o espiritual, o plano metafisico, o mundo das ideias, foi
abastardo para outro segmento, deslocado de sua condição objetiva, enquanto
propriedade de descrição sobre as formas de apreensão do mundo.
Desta
feita, a necessidade de descrição da realidade foi assumida pelos ramos dos
saberes de caráter formal, como a história, por exemplo, cuja linguagem
associava-se às características políticas,
dos grupos dominantes que, balizados pela comprovação pelo documento, do latim,
documentarie,[17]
provar, foram assumindo. Outro, relacionado à necessidade de elevação
espiritual e sublimação da vida pela cultura, tal como a literatura fazia e
faz, quer dizer, o texto literário constitui-se como uma necessidade premente
de dizer sobre a vida de uma forma diferente de qualquer outro discurso, ainda
que sua descrição necessariamente não provasse nada.
Por que, qual a necessidade de
constituição de uma linguagem distinta de qualquer outra como a literatura?
Porque a vida não se encerra no plano do concreto, do imediato, do pragmático.
A separação entre discurso formal e objetivo do discurso e linguagem literária
era ao mesmo tempo um elemento sócio-constitutivo das condições históricas que
segmentaram os agentes encarregados de tal função, bem como uma expansão da
criação e inventividade humana. A vida se encarregou, pelo caráter do
narratário, de dizer sobre si mesma de uma forma diferente que a linguagem
prosaica e cientifica faziam.
Tudo o que se pode dizer de um
texto literário não pertence, pois, ao estudo literário. O contexto pertinente
para o estudo literário de um texto literário não o contexto de origem desse
texto, mas a sociedade que faz dele um uso literário, separando-os de seu
contexto de origem. Assim, a crítica biográfica ou sociológica, ou a que
explica a obra pela tradição literária (Sainte-Beuve, Taine, Brunetiére), todas
elas variantes da crítica histórica, podem ser consideradas exteriores à
literatura (COMPAGNON, 2006, p. 45).
A questão sempre permeou a dicotomica
apreensão entre o mundo das ideias e o plano da concretude, cuja disputa por
posições e condições sociais estabeleceu uma forma de representação encapsulada
em linguagem poética e prosaica, como se o estilo e forma da linguagem, no caso
a escrita, fosse a própria encarnação, e não a representação - colocar-se no
lugar de duas condições apriorísticas da vida. Ou seja, a prosa e toda reverberação linguística
de suas formas assumiu uma conotação de expressão da práxis, dos locis viventes, logo, dos
estabelecimentos sígnicos
de tudo o que dizia respeito à praticidade da vida, ao passo que a poética, por seu turno, foi, ao longo dos tempos, uma forma conceitual de expressão do que existe,
mas não nominável, tampouco apreendido, a saber, os sentimentos mais
compungidos.
Isso sempre correlacionou a diferença
entre o espaço do vivido e dos sentimentos, como se estes últimos fossem uma
esfera existencial abastada da logicidade prática das condições objetivas,
garantindo assim um meneio, monopólio de todos aqueles que controlavam os
aparatos burocráticos do estado por parte da escrita, caso dos escribas,
encarregados da função de legibilidade urbana pela condição de decodificadores,
guardiães do texto escrito, quer dizer, da operacionalização do controle
social, vez que constituídos os mecanismos de compreensão sobre o poder, do
ponto de vista de sua configuração espiritual, era necessário a sua
estruturação burocrática e administrativa, por isso a importância de leis,
códigos e um conjuntos de textos escritos garantidos da transmissão da
hierarquia social e subsunção dos que passavam cada vez mais a depender da
estruturação do estado.
Isto implica em dizer que a vida foi
paulatinamente segmentada, dividida entre uma esfera prática, organizada também por um tipo
de escrita prosaica, e uma subjetiva, representação por um tipo de escrita
poética.
A separação entre os discursos histórico
e literário era ao mesmo uma reverberação da segmentação da vida, da
burocratização do espaço social, da constituição de funções e disposições políticas, do desencantamento
do mundo, operado pelo processo de racionalização e modernização da política, no caso específico da
Europa.
Com a Idade Média e com o advento da modernidade, a história tomou a conotação didático-pedagógica
de explicação do real. Esse real para os medievos era a comutação da separação
entre Deus e os homens, ou seja, a história passava a ser a narrativa da
introdução do pecado original e como este ato fundava uma explicação de todos
os sofrimentos humanos, logo, a história era a trajetória de como os homens
haviam se distanciado do projeto divino e como seriam reabilitados quando da
segunda volta de Cristo.
Já na época moderna, com o declínio do ideário medieval, a história
passava a ser o sentido da evolução humana, da acumulação do saber e aplicação
instrumentalizada desta experiência no plano prático e concreto das relações humanas. Como exemplos da concepção
medieval-teológica da História, temos Santo Agostinho; da
concepção moderna, Herder, Bossuet, Vico.
Segundo Hannah Arendt (2002, p. 89):
Na época moderna a História emergiu como algo que jamais fora
antes. Ela não mais compôs-se dos feitos e sofrimentos dos homens, e não contou
mais a estória de eventos que afetaram a vida dos homens; tornou-se um processo
feito pelo homem, o único processo global cuja existência se deveu
exclusivamente à raça humana.
A separação entre literatura e história teria
seu capítulo mais radical no século XIX, exatamente quando a concepção
contemporânea de ciência tomou forma. A história optou por distanciar-se ainda
mais da literatura e se divorciou da filosofia. A literatura definiu seu corpus
conceitual como uma área à parte, a saber, nem ciência, nem arte, somente
literatura.
O problema da objetividade científica, tal como foi colocado no
século XIX, devia-se à auto-incompreensão histórica e à conclusão filosófica em
tão larga medida que se tornou difícil reconhecer o verdadeiro problema em
jogo, o problema da imparcialidade, de fato decisivo não somente para a
“ciência” da história como para toda a Historiografia oriunda da poesia e do
contar histórias (ARENDT, 2002, p. 81).
No entanto, nem sempre essa separação foi tão
radical. Segundo Martha Alckmim: “o Barroco foi uma tentativa de
equilíbrio entre ficção e realidade. Todo discurso humano depende e está
permeado de ficções. A questão não é matar a ficção, mas sim, lidar com ela.
Todas as vezes que o pensamento encontra barreira ele encontra um
atalho”[18].
O desencantamento do mundo europeu
significou a passagem das relações de transcendência religiosa para o âmbito da
imanência política,
alicerçada pelo longo processo renascentista de ajuste, ressignificação do
papel do cristianismo, enquanto
única forma de interpretação do mundo para uma forma e veia laicizadas, cujo
processo de modernização foi operado pela política, a partir da criação dos estados nacionais, do estado
moderno, da nova política.
Vide os
textos de Maquiavel, Thomas More, Hobbes, John Locke e Rousseau, sobre a criação da ciência
moderna, cujas maiores expressões são Descartes e Bacon, sobre o novo papel da economia,
vide a noção de economia política
do estado moderno, a criação e o surgimento do capitalismo, da
nova geo-politica a partir da chegada dos europeus a América, da reconfiguração
politica do mundo com o deslocamento para o oceano atlântico, bem como do papel
da nova religião, o protestantismo e todo o impacto que tal evento operou no
imaginário social europeu[19].
O desencantamento do mundo significou o
deslocamento da proteção divina, a forma de enxergar a vida e as relações
sociais sob o enlace e invólucros divinos, transcendente, para a uma forma
racional, moderna, uma reengenharia social em que a vida era retirada das mãos
de Deus para a dos homens, ou seja, a vida não era o estabelecimento do nexo
causal entre divindade e humanidade, e sim, da responsabilização, do
compromisso em criar uma nova vida, um novo humanismo no qual os grandes
responsáveis pela trajetória humana eram os próprios homens, no dizer de Hannah
Arendt (2002), a passagem
do homem da condição de criatura para a de criador.
A história assumiu um
papel preponderante nisso, embora do ponto de vista intelectual assumisse uma
função secundária. Os
historiadores modernos, os antiquários, eram catalogadores de informação sobre
o passado, enciclopedistas subsidiários da informação para ramos do
conhecimento como, por exemplo, filosofia. O papel assumido pela história dizia
respeito à função étnico-cultural de como o passado, a tradição, a identidade
dos povos europeus foram legitimadas por um discurso da vitória, da supremacia
civilizacional impingida pela técnica, conhecimento e suas respectivas
tecnologias.
Ainda assim a história
não ensinava nada, tão somente era um repositório de informações acerca do
passado, sem grandes elucubrações, a reboque da indagação da filosofia.
Paralelamente a isso, a
literatura já no século XVIII ganhou sua configuração moderna, sobretudo com o
aparecimento do romance, o que para Walter Benjamim era a expressão do
surgimento do individualismo moderno.
Segundo Walter Benjamin (1994, p. 54):
A matriz do romance é o individuo
em sua solidão, o homem que não pode mais falar exemplarmente sobre suas
preocupações, a quem ninguém pode dar conselhos, e que não sabe dar conselhos a
ninguém. Escrever um romance significa descrever a existência humana, levando o
incomensurável ao paroxismo.
Mais do que nunca assumiu a perspectiva
do beletrismo, alicerçada pela noção de evolução cultural, de ares
civilizacionais, do francês civilization,
diferenciado da noção alemão de volkstun;
cultura, cultura de um povo.
Segundo Eagletlon (2006, p. 53):
Por que ler literatura? A
resposta, em suma, era a de que tal literatura tornava as pessoas melhores.
Poucas razões poderiam ter sido mais persuasivas. Quando, alguns anos depois da
criação de Scrutiny, as tropas aliadas chegaram aos campos de concentração para
prender comandantes que haviam passado suas horas de lazer com um volume de
Goethe, tornou-se clara a necessidade de explicações. Se a leitura de obras
literárias realmente tornava os homens melhores, então isso não ocorria de
maneira imaginada pelos eufóricos partidários dessa teoria. Era possível
explorar “a grande tradição” do romance inglês e acreditar que com isso
levantam-se questões de valor fundamental – questão de uma relevância vital
para a vida de homens e mulheres desperdiçadas em trabalhos infrutíferos nas
fábricas do capitalismo industrial.
Civilization,
em francês,
correlacionava distinguir as sociedades “elevadas”, eruditas, as que tinham
cultura das que supostamente não tinham. A literatura nesse âmbito era uma
baliza, um elemento avaliador das sociedades consideradas avançadas das
supostamente atrasadas, incivilizadas. Tal correlação que a literatura passou a
ter, sobretudo na França do século XVIII, foi semelhante ao impacto que a
literatura de Shakespeare acarretou na Inglaterra no século XVII, ainda que os
romances de Rousseau[20]
tenham ensaiado tal entusiasmo da França no mesmo período.
O papel que a França irá exercer sobre o
mundo ocidental, estabelecendo
as balizas do que era cultura e civilização, tendo como contrapondo a
perspectiva germânica, embora sem grande penetração para além da própria
germania, relacionou-se com o seu papel econômico e político após a Revolução
Francesa.
Ainda que de uma escola filosófica
considerada, a Alemanha, também por ainda no século XIX não estar unificada,
não ser uma grande potência no campo politico, assistiu às bandeiras tricolores espalharem-se pelo mundo como alusão a
noções de liberdade, igualdade e fraternidade, consequentemente, os elementos constituintes da
cultura francesa exerceram um papel decisivo para a segmentação entre os vários
ramos do conhecimento, notadamente história, filosofia e literatura.
Diametralmente oposto à concepção de
segmentação entre esses ramos do conhecimento, a Alemanha, com sua considerada tradição
filosófica, não abastava
as várias possibilidades de entendimento sobre a vida, o mundo, as cognominadas
humanidades. Pensar relacionalmente para os alemães era entrelaçar os vários
olhares, metodologias, epistemologias de áreas, por exemplo, como Filosofia,
história e literatura. Cada uma,
a seu modo, contribui para
o edifício do entendimento sobre a existência, ainda que respeitando suas
especificidades, como pode ser observado nessa citação do alemão Leopold Von
Ranke (1954):
A história se diferencia das
demais ciências porque ela é, simultaneamente, uma arte. Ela é ciência na
medida em que recolhe, descobre, analisa em profundidade; e arte na medida em
que representa e torna a dar forma ao que é descoberto, ao que é apreendido.
Outras ciências se contentam
simplesmente em registrar o que é descoberto em si mesmo: a isso se soma, na
história, a capacidade de recriação.
Enquanto ciência ela se aproxima
da Filosofia; enquanto arte, da poesia. A diferença está no fato de que
Filosofia e poesia, de maneira análoga, se movimentam no plano das ideias,
enquanto a História não
tem como prescindir
do plano do real.
A vida é uma só, compreendida de forma
diferente, porque
perguntas distintas são feitas na construção da problematização, dos objetos investigativos
acerca da dimensão humana. A atomização do saber, do conhecimento, dentre eles
o científico, deita
raízes no processo de burocratização das relações de poder e convivência,
amparadas pelo estado, no processo de aquiescência do lugar, que o discurso científico transformou-se na
época moderna, contribuindo inclusive para o desenvolvimento do capital e,
sobretudo, nas definições dos papeis dos agentes sociais, os cientistas, e a
ferrenha defesa de seus campos como estratagema da incorporação da divisão
internacional do trabalho. Isto segundo (BOBBIO, 1992, p. 60) deve-se ao fato
de que:
durante
séculos a organização política foi o objeto por excelência de toda reflexão
sobre a vida social do homem, sobre o homem como animal social, como politikón zoon, onde em politikón estava compreendido sem
diferenciação o hodierno dúplice sentido de “social” e “político”.
Isto implica dizer que a dimensão da
atividade intelectual assumiu características similares às da dimensão dos
espaços burocráticos. A atividade intelectual que deveria ser crítica à atomização do
conhecimento, à distribuição das funções mecânicas do mundo do trabalho
tornou-se ela própria um lugar de legitimação do poder simbólico, exercido pela disposição que
o discurso científico foi
tomando, sobretudo após o século XVIII, quando da efetivação do capitalismo
industrial em sua fase mais agressiva.
A distribuição categórica entre ciências
exatas, naturais e humanas é a maior exemplificação deste tipo de divisão
intelectual e também social do trabalho. A hierarquização entre as exatas e
naturais acima e mais importante que as humanas porque conseguiam estabelecer
seus objetos de investigação e comprovar cientificamente suas hipóteses,
definindo equivocadamente a priori a o que era o fenômeno a ser investigado, partindo
da premissa que o objeto era estanque e poderia ser verificável, foi a suma
pretensão cientificista herdeira do iluminismo racionalista e sensitista do
século XVIII, que prometera através e a partir da ciência conhecer a verdade,
atingir o progresso e a paz[21].
A reboque desta concepção definiram-se os parâmetros do
conhecimento histórico, da história enquanto ciência e da profissionalização do
historiador. A história com dificuldades em estabelecer os parâmetros das
postulações de sua investigação e objeto, vez que os acontecimentos históricos são
únicos e singulares e não repetíveis, optou por afastar-se da filosofia e da
literatura e agrupar-se, enquanto
“ciência”, aos moldes das ciências
naturais, estabelecendo a primazia do documento como verdade
incontestável dos fatos, da minuciosa investigação criteriosa, garantindo seu
lugar no estandarte do conhecimento científico, longe da especulação filosófica e da subjetivação da
literatura.
Como filosofia e literatura não provam
nada, a narrativa histórica defletiu-se pelo distanciamento do eu singular, da
personificação do historiador-pesquisador, como se a escrita em terceira
pessoa, omitindo supostamente a autoria do texto, desse legitimidade e ares
científicos, logo, de credibilidade a argumentação historicizante[22].
A história, herdeira da concepção
historicista e da influencia positivista, perdeu sua capacidade reflexiva, sua
matriz filosófica, que sempre fez de suas argumentações em última estância um
âmbito do lógus, de uma matriz
argumentativa não apenas dedutiva, como também intuitiva, tal como sempre fez a
literatura.
A história ganhou pela criação de
disciplinas auxiliares,
que fundamentaram uma epistemologia investigativa com fundamentos válidos, uma
metodologia de pesquisa garantidora de um lugar dentro do campo da ciência,
perdendo em sensibilidade, nos argumentos especulativos que, se por um lado não
provam nada, por outro possuem a grande capacidade de elevar a imaginação
histórica a lugares para além da mera condição prática e objetiva da vida,
fazendo inclusive como a literatura que mesmo não sendo ciência, não provando
nada, consiga dizer sobre a existência e trazer inquietações sobre a condição
humana.
Tal perspectiva só foi em parte
suplantada pela criação da Escola dos Annales na França em 1929[23] com
a perspectiva de interdisciplinaridade e de afirmação da história enquanto uma
ciência especial, ao mesmo tempo objetiva e artística. Na lide contra o
positivismo e o historicismo tal corrente avançou na compreensão e
desenvolvimento da cognominada humanidades aos moldes da corrente alemã,
sobretudo pelos seus fundadores Marc Bloch e Lucien Febvre terem estudado
várias possibilidades de criação de uma nova epistemologia do conhecimento,
tendo tido contato, aproximação e apropriação com a escola cultural escocesa,
com filósofos franceses, com o sociólogo Durkheime, com Henri Berr, George
Simiand, bem como a filosofia alemã, da qual herdaram a noção de interdisciplinaridade.
O século XX assistiu a derrocada e crise
humanista herdeira do iluminismo abalar os alicerces e fundamentos de um tipo
de ciência que prometia,
pela razão, o progresso,
a evolução e a paz. Os estamentos e os estatutos da cientificidade foram
duramente colocados em xeque pelo surgimento da Primeira Guerra Mundial, pela
assunção do nazi-fascismo, pela eclosão da II Guerra Mundial e por todo o
espetáculo do horror vaticinado neste século.
A literatura por seu turno não escapou de tal crise, enquanto extensão de um tipo
de humanismo, da falência dos estados, da politica, das metanarrativas, enfim,
de um tipo de segurança, reflexividade balizadoras da cultura ocidental. Por um
lado, ampliou sua forma
de narrar, de pensar a condição humana, de se tornar um importante instrumento
cultural diagnosticador das experiências humanas. Por outro, o desenvolvimento
da crítica literária, por
vezes confundido o que vem a ser literatura e o que vem a ser critica literária
passou a depender demasiadamente dos estudos filosóficos transformando o seu
fazer num apêndice do debate culturalista, epifenômenico, como se a literatura
se restringisse tão somente a ser uma mera expressão conceitual de correntes
filosóficas ou mesmo literárias mais preocupadas com o campo literário em si do
que com o fazer da literatura, ou seja: “a capacidade de retirar do mundo seu material devolvendo-lhe ao mundo aquilo
que ele não tem”.
Para Todorov (2009, pp 42-43):
Numerosas obras contemporâneas ilustram essa concepção formalista
da literatura; elas cultivam a construção engenhosa, os processos, os processos
mecânicos de engendramento do texto, as simetrias, os ecos e os pequenos
cúmplices. Todavia, essa concepção não é a única tendência a dominar a
literatura e a crítica jornalística na França no início do século XXI. Outra
tendência influente encarna uma visão de mundo que poderíamos qualificar de
niilista, segundo a qual os homens são tolos e perversos, as destruições e as
formas de violência dizem a verdade da condição humana, e a vida é o advento de
um desastre. Não se pode, nesse caso, afirmar que a literatura não descreve o
mundo: mais do que uma negação da representação, ela se torna a representação
de uma negação. O que não impede de permanecer como objeto de uma crítica
formalista: já que, para essa crítica, o universo representado no livro é
auto-suficiente, sem relação com o mundo exterior, abrem-se as portas para sua
análise sem que se tenha de interrogar sobre a pertinência das opiniões
expressas no livro, nem sobre a veracidade do quadro que ele pinta. A história da
literatura o mostra bem: passa-se facilmente do formalismo ao niilismo ou
vice-versa, e podem-se mesmo cultivar os dois simultaneamente.
Além disso, por ter ampliado demais sua
condição intrínseca e por um conceito clássico de literatura ter entrado em
crise, várias outras linguagens reivindicam suas condições também enquanto literárias,
tais como a narrativa fílmica, a grafitagem acompanhando de poemas hi-kis, a literatura de gênero, a
metanarrativa historiográfica, a canção popular, dentre outros.
Por que, nestes últimos tempos,
literatos têm recorrido a explicações históricas, e historiadores têm se
debruçado sobre a compreensão da narrativa literária? Porque ambas são facetas
da mesma dimensão humana, embora falem de formas diferentes sobre o que é
viver. Prosa e poesia se interpenetram e se complementam.
A literatura é mais que necessária porque a
dimensão prosaica da vida por si só é insuportável, ela retira a dor do mundo e
a devolve ressignificada. Como não é possível viver apenas na dimensão
literária, a vida se encarrega de nos trazer de volta. Mas logo não conseguimos
nos conter com a concretude da vida, recorremos de novo à literatura.
Para Morin (2001, p. 36):
Poesia-prosa constituem, portanto, o tecido de nossa vida.
Hölderlin afirmava: “o homem habita a terra poeticamente”. Acredito ser
necessário dizer que o homem a habita, simultaneamente, poética e
prosaicamente. Se não houvesse prosa, não haveria poesia, do mesmo modo que a
poesia só poderia evidenciar-se em relação ao prosaísmo. Em nossas vidas,
convivemos com essa dupla existência, essa dupla polaridade.
A
grande questão colocada passou a ser o que é literatura se muitas linguagens
reivindicaram suas condições literárias, inclusive a história, ainda que
minoritariamente dentre os historiadores. As semelhanças entres as narrativas
trouxe para a história o debate acerca da noção de verossimilhança, até a
metade do século XX, impensável.
No
horizonte, o que isto aponta como desdobramento da crise epistemológica das
duas áreas, bem como das ciências, das humanas, além da aproximação das duas
linguagens é a tentativa de salvaguarda de suas funções e até sobrevivência
como discursos sobre a vida, a existência, a condição humana, além do limite da
sustentação de uma perspectiva isolada entre todos os ramos do conhecimento,
notadamente as chamadas humanidades.
Retornar a perspectiva grega clássica de
cultura e civilização não é factível, sobretudo em decorrência dos problemas
quanto ao conceito de milagre grego, de paidéia, de ordem e caos, da
apropriação dos referencias culturais, que legitimaram a sobrelevância, a dominação politica do
ocidente em relação as demais civilizações. No entanto, havia um princípio existente entre os
gregos que deveria ser retomado aproximando todos os ramos do conhecimento, a
saber, a noção de holismo.
A visão holística implica enxergar a
vida como um todo, não fragmentada por divisões de campo obedecendo aos princípios das regras do
jogo, introjetada nos habitus de cada
área, cujas definições do que vem a ser este ou aquele princípio conceitual, muitas vezes, liga-se às regras de quem define o papel da ciência,
de suas visões de mundo, suas inserções ideológicas e não à preocupação em
estabelecer diálogos profícuos e verticalizados com as respectivas áreas, afins
ou não, em busca da ampliação da descoberta acerca dos mistérios da existência.
História e literatura são campos e
espaços distintos, muito mais pelo desenvolvimento histórico que balizou a especificidade de
cada área, do que essencialmente pela
pergunta inicial originadora de cada uma dessas respectivas formas de indagação
do lógus. A angústia em descobrir o
que é, pergunta norteadora da definição de ser e do tempo em Heidegger[24],
está presente nas duas e demais áreas, ainda que a busca se dê de forma por
vezes análoga.
Ambas perscrutam a indagação do
narratário, estabelecendo
patamares dístintos sobre a percepção do ser, quer dizer, a história se coloca
no plano das condições objetivas das
sociabilidades humanas, a fim de
saber como homens e mulheres estabelecem seus códigos, como vivem, se
organizam, se relacionam econômica, política e culturalmente não deixando
escapar, ou pelo menos tentando, a dimensão prática do que Platão cognominou, enquanto mundo real. A
literatura também se coloca no plano das condições humanas, afinal, todo
escritor está inserido em uma determinada realidade social, porém, a dimensão
da vida prescrita no texto literário, diferentemente da história, não se atém ao que a ciência determina
como verdade, quer dizer, o que está descrito na literatura existe em alguma
estância, situação ou condição, resta tão somente compreendermos que ambas as
estâncias não são análogas ou mesmo incomplementares, são apenas disposições da
mesma condição ontológica, descritas sob ângulos distintos.
Como diria Edgar Morin (2001), o
texto prosaico existe porque nem
tudo é poético, o contrário também é verdadeiro. Existe uma mutualidade, uma
interdependência entre o prosaísmo e o poético. As expressões dessas duas
formas de linguagem são expressões de como enxergamos a vida, como a
concebemos, vivemos e nos organizamos. Não há dualidade ou cissiparidade, há
ambivalência, um ser e não ser ao mesmo tempo. Um dentro e um fora, um dito
verbalizado e expresso de forma organizada, metódica, científica, e uma forma não científica, fruto da paixão, da
explosão dos sentidos, da necessidade de dizer o que se sente, ainda que não
tão esclarecida.
Mas ambas as dimensões são
complementares, se existe um fora é porque existe um dentro, se tudo é ciência
então ciência não existe, como para existir o poético nem tudo deve sê-lo, para
o existir literário nem toda narrativa deve escapar à condição literária
intrínseca de dizer o que é escapável, posto que a necessidade de escapar seja
a vontade de atingir o que é mais real que a realidade.
A realidade é uma descrição prevista
sob uma forma de apreensão prefigurada nas determinações e na necessidade de
caracterizar o que existe preso aos condicionantes dos órgãos humanos, nas
limitações do conhecimento e num conjunto de regras existentes nos códigos
culturais, nas tradições, nas sociabilidades estabelecidas, definidoras de como
a linguagem assim a caracteriza, para usar uma analogia de Heidegger. A
linguagem cria os sentidos sociais e a forma de apreensão. Mas, e o que escapa a isso? E o
interregno entre si e expressar pela língua? E o hiato entre pensamento e
formação das palavras?
A história, enquanto ciência, não
precisa abandonar o postulado da veracidade das
informações, pois isso é um critério de validade, de confiança e
reflexividade. No entanto, não deveria considerar a existência apenas do comprovável,
documentado, empírico, vez que os rigores da ciência não dão conta do
inexprimível, do indizível prescrito na denúncia de um texto autobiográfico, na
criação de um personagem arquetípico das possibilidades existenciais humanas. A
descrição dos tipos e situações narrativas na vida de um personagem diz mais
sobre as condições ontológicas dos indivíduos que a distância entre a passeidade (o real vivido), e a
formalização de um documento, qualquer que seja a sua natureza.
Não se trata de descartar a dimensão
prosaica, as condições objetivas, mas encarar que objetividade e subjetividade
são as duas faces da mesma moeda, as duas estâncias de como encaramos,
inventamos, construímos a noção de existência, portanto, a apreensão do que é viver
também se apresenta da forma como a concebemos. Como diria Edgar Morin (2001),
as duas são complementares, duais, não excludentes.
O repensar de uma espistemologia
histórica consistiria em aceitar o não-dito, o não-verbalizado, o
não-realizado, o não-comprovado entendendo que o hiato, a ausência é também
história. É o que não venceu, o que não trinfou, os desejos e sonhos não
concretizados, as pulsões, os amores, as paixões que levaram pessoas a tomarem determinadas atitudes.
Quanto à literatura, compete afastar-se
das determinações excessivamente teóricas, do exagero de formulações e
conceituações do que é ser literário, abrir mão de sua excessiva dependência
dos postulados criados pela crítica
literária, ainda que sem abandoná-la. Aliar o dentro e o fora, o que está
conjugado na tradição cultural dos povos, afinal, como diria Mário Vargas
Llosa: “Anticonformismo
é o impulso básico por trás da vocação artística. No meu caso, isso é muito
consciente. Desde muito jovem, percebo que escrever é um tipo de vingança; uma
forma de expressar o que é a crítica da vida, do mundo como ele é”[25]. Provocação que não está na
revisão das normas da língua: ou como você particularmente o sente, o vê.
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[1] Professor Adjunto do
Departamento de História e Geografia da UEMA (São Luís), do Programa de
Pós-Graduação em História, ensino e Narrativas (UEMA), autor do blog Versura
(versura.blogspot.com) e da front page: www.facebook.com/blogversura. e-mail: jh_depaula@yahoo.com.br
[2] “O homem como ser social está em
relação com os outros, e deve fazer-se entender. O meio de expressão deve estar
vinculado ao sentido”. Isto é, as imagens linguísticas são portadoras de
significados (e por isso são signos para objetos) que podem ser comunicados a
outras pessoas. Aqui se enfatiza explicitamente a função de comunicação do
signo. Mas Tómas de Erfrut também distingue um aspecto gramatical, lógico e
objetivo do signo linguístico. É em primeiro lugar por intermédio do signo que
algo se torna objetivo para a consciência; pois o signo indica outro objeto por
intermédio do qual ele próprio possui um caráter indicativo, algo relacional. O
signo é fundamento da consciência, e como tal é dado de modo visual, acústico
ou de algum modo sensível. O significado não assevera nada sobre um objeto, mas
apresenta-o”, segundo WALTHER-BENSE (2000, p. 21).
[3] As definições de literatura, segundo sua função,
parecem relativamente estáveis, que essa função seja compreendida como
individual ou social, privada ou pública. Aristóteles falava de Katharsis, de purgação, ou de
purificação de emoções como o temor e a piedade. É uma noção difícil de
determinar, mas ela diz respeito a uma experiência especial das paixões ligada
à arte poética. Aristóteles, além disso, colocava o prazer de aprender na
origem da arte poética: instruir ou agradar (prodese aut delectare), ou ainda instruir agradando, serão as duas
finalidades, ou a dupla finalidade, que também Horácio reconhecerá na poesia,
qualificada de Dulce et utile,
segundo COMPAGNON (2006, p. 35).
[4] Sintagma, do grego: Súntagma,
composição, combinação. Unidade linguística composto de um núcleo de outros
termos que a ele se unem formando uma locução que entrará na forma de oração.
Semântica: estudo ou diacrônico da significação como parte dos sistemas das
línguas naturais, conforme dicionário Haussais (2009).
[5] O gênero mais difundido e
douradouro na cultura árabe foi o romance. Grandes ciclos de histórias sobre
heróis surgiram com o passar dos séculos. Suas origens se perdem nas névoas do
tempo, e podem encontrar diferentes versões em várias tradições culturais.
Podem ter existido na tradição oral antes de escritos. Entre eles, havia a
historia de Antar ibn Shaddad, filho de uma escrava, que se tornou um herói
tribal árabe; Iskandar, ou Alexandre, o Grande; Baybars, o vencedor de mongóis
e fundador da dinastia mameluca no Egito; e o Banu Hilal, a tribo árabe que
migrou para os países do Magreb. Os temas dos ciclos são variados. Algumas são
histórias de aventura ou viagem contados pelo simples prazer da história;
outros evocam o universo de forças sobrenaturais que cercam a vida humana,
espíritos, espadas com poderes mágicos, cidades de sonho; no centro delas está
a ideia do herói ou grupo heroico, um homem ou grupo de homens lutando contra
as forças do mal – homens ou demônios, ou suas próprias paixões - e vencendo –as. Cf; HOURANI (1994, pp
203-204).
[6] O costume de contar histórias
existe em toda parte, enquanto a arte propriamente dita ocorre sobretudo na
África Ocidental e na região do Congo, onde o povo leva uma vida mais
sedentária e agrícola favorável à
acumulação de posses, incluindo esculturas. Costuma-se contar as histórias ao
anoitecer, quando o trabalho do dia já foi feito. As histórias que se seguem
tem a desvantagem de ser impressas e de não contar com o acompanhamento da
mímica, da entonação de voz e mesmo da música, recursos invariavelmente usados
pelo contador de histórias africano.
As histórias não são usadas como
veiculo para expressar o desejo de auto-realização, a injustiça da vida é
aceita, o herói nem sempre triunfa e os crimes podem passar sem castigo,
segundo CAREY (1981, p. 06).
[7] “o historiador narra o que
aconteceu, o poeta o que poderia ter acontecido”. Essa famosa afirmação de
Aristóteles pressupõe como já concretizada a separação entre o mundo da
história e o da poesia que se produziu, de fato, no século V. Aristóteles
afirma, além disso, que a poesia é mais filosófica do que a história, visto que
a poesia tende para o universal e a história para o particular. Também essa
ideia do universal só se formou no século V. As afirmações de Aristóteles
levam-nos, portanto, exatamente pelo que de verdadeiro contêm, a indagar como teriam
entendido os gregos a relação entre poesia e fato real, Cf: SNELL (2001; p. 97)
[8] “Mas Heródoto, comensurando a
tradição histórica a essa norma de experiência segura, pode rejeitar como
inconfiáveis as histórias míticas e abrir para a historiografia o campo que lhe
é próprio. Assim nasce a história como ciência empírica”, Segundo SNELL (2001.
p. 61).
[9] Professora Doutora da UFRJ,
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Literatura. Aula ministrada em 10 de
julho de 2011, no Programa Dinter (Doutorado Interinstitucional entre
UFRJ-UEMA) para os alunos do referido programa nas dependências do Campus Paulo
VI, UEMA-São Luis-Ma.
[10] Paidéia, a palavras que serve de
titulo a esta obra, não é apenas um nome simbólico; é a única designação exata
do tema histórico nela estudado. Este tema é, de fato, difícil de definir: como
outros conceitos de grandes amplitudes (por exemplo, os de filosofia ou
cultura), resiste a deixar-se encerrar numa fórmula abstrata. O seu conteúdo e
significado só se revelam plenamente quando lemos a sua história e lhe seguimos
o esforço para conseguirem plasmar-se na realidade.
Os
antigos estavam convencidos de que a educação e a cultura não constituem uma
arte formal ou uma teoria abstrata, distintas da estrutura objetiva da vida
espiritual de uma nação; para eles, tais valores concretizavam-se na
literatura, que é a expressão real de toda cultura superior. E deste modo que
devemos interpretar a definição do homem culto apresentada por Frinico, Cf:
JAEGER, 2001, p. 03
[11] Fedro, 269 E -270, Cf JAEGER,
(2001, p. 1268).
[12] Senso comum e fundamentação
teórica.
[13] Argumentação que Platão discorre
em Fedro.
[14] A lenda etiológica (mito) era um
estudo das origens das coisas, embora não fosse um presente continuum, possuía um sentido pragmático
desenvolvendo uma consciência histórica na esperança de que a lembrança os
livrasse da mortalidade do esquecimento e as glórias dos antepassados dessem
legitimidade aos seus descendentes. Embora Heródoto tivesse se esforçado em
distanciar-se na narrativa homérica, abrindo caminho para uma história empírica
ao não acreditar na intervenção divina; não narrar um passado lendário;
criticar os chefes políticos por agirem sob motivações privadas assemelhando-se
aos heróis de Homero, ainda assim, enquadrava-se dentro da tradição dos contos
e de uma estilística influenciada por este último, uma vez que a Ilíada
corroborou para o despertar do que era “ser helênico”, posto que o
pan-helenismo não se baseava unicamente nas instituições políticas, mas,
sobretudo nas festas comuns, no culto ao oráculo de Delfos e na Língua (SNEEL,
2001).
[15] Por sistema literário, Antonio
Candido (2000) define como a relação entre autor, obra, público e remissão. Tal
definição mais contemporaneamente não dá subsidio sobre os processos de criação
e redefinição da literatura, tais como a inserção ou não do hip-hop como
categoria literária ou outras linguagens antes não consideradas como tais. Além
disso, a autores, tais como Josefina Ludmer (2002), que conceituam a noção de
narratário, ou seja, um interregno, um diapasão entre o autor e a obra como
vontade da própria escrita de existir para além do sistema literário ou da
critica literária.
[16] Por habitus, Bourdieu (1998)
conceitua enquanto as regras do jogo na determinação do campo introjetadas,
socialmente constituídas. Como os agentes se movimentam, estabelecem relações
de pertencimento, códigos de conduta dentro de um campo.
[17] A santa Inquisição, por exemplo,
usava a expressão documento como sinônimo de comprovação, ou seja, a prova da
criminalidade do réu era atestada pela existência de um documento de sua
imputação. A outra questão ligada a isso se refere ao fato que no processo de
desencantamento do mundo, do fim “da magia”, da passagem da transcendência para
a imanescência, a palavra oral paulatinamente perde o valor como caráter de validade testemunhal para o texto
escrito, juridicamente comprovado. Foi a substituição da palavra oral pela
escrita imputando na perda da capacidade mnemônica entre os sujeitos sociais e
a emergência de um novo padrão de sociabilidade.
[18] Professora Doutora da UFRJ,
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Literatura. Aula ministrada em 10 de
julho de 2011, no Programa Dinter (Doutorado Interinstitucional entre
UFRJ-UEMA) para os alunos do referido programa nas dependências do Campus Paulo
VI, UEMA-São Luis-Ma.
[19] Sobre estas questões ver ARENDT
(2002), ARENDT (2002) e ELIAS (1993).
[20] A Nova Heloisa (1837) e Émile e
Sophie ou os solitários (2010).
[21] Segundo Borralho (2005, p.
08-09). Este período compreende ao da Ilustração: mescla de racionalismo
idealista e empirismo sensista. Tinha como ideias-força: a Razão, o Progresso e
a Paz. Subjazia uma conotação anti-histórica; visto que desprezava o passado,
pois acreditavam seus defensores na imutabilidade da natureza humana; apenas na
ligação causal entre os fatos históricos; na ausência de sentido providencial;
na ideia de que a história caminhava para um progresso indefinido e que o único
sentido desta seria a da igualdade entre os homens e ainda; no dinamismo
fundamental da história como instrução generalizada.
[22] Esta argumentação se encontra em
Hayden White (1995); (1994).
[23] Tendo como criadores Lucien
Febvre e March Bloch, ambos possuíam formação e conhecimento da filosofia
alemã. A Escola teve a principio três gerações: 1929 a 1945, sob a liderança de
seus fundadores; de 1945 a 1968, sob a liderança de Fernand Braudel. Esta fase
se caracterizou pela influencia do estruturalismo e do marxismo e grosso modo
as pesquisas estavam voltadas para o campo da história serial, quantitativa,
para os trabalhos de longa duração e; a controversa cognominada “terceira
geração” (1968-1989) que, para autores como Francoise Dosse (2003) a
caracterizam como “História em Migalhas”, a fragmentação do projeto inicial a
partir das influencias que sofreu do pós-estruturalismo e o inicio para muitos
da pós-modernidade. Sobre isso ver: BURKE (1997).
[24] O ser e o tempo (2006).
[25] www.facebook.com/fronteirasweb. Acessado em 15 de agosto de
2013
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