São Luís sempre teve uma relação ambígua com o Brasil. No
século XVII se transformou na capital do Estado do Maranhão, em 1621,
abrangendo os atuais estados nordestinos, exceção da Bahia e os atuais do Norte.
Seu foco, atenção e desiderato sempre foi ser europeia, tal como Lisboa. Aliás,
era com a capital portuguesa sua relação política e econômica, além de
cultural. Era literalmente uma ilha dentro do estado, tanto que ao longo dos
séculos XVII, XVIII e XIX foi conhecida como “ilha do Maranhão”, uma “sinédoque cultural”: tomar a parte, São Luís,
pelo todo, Maranhão. Sempre foi autocentrada, autorreferenciada, nunca se importou muito com o
que acontece para além dos limites do Estreito dos Mosquitos.
Depois, a sanha de sua elite em querer ser europeia a cognominou equivocadamente
de “Atenas Brasileira” em meados do XIX. Dois decênios depois, a sensação de nostalgia e decadência já rondava as
bocas dos mesmos que a propalavam de Atenas, parte em função da débaclê econômica,
parte, em decorrência da fuga das “inteligências” para o Rio de Janeiro. Seus grandes
literatos participavam da construção da Academia Brasileira de Letras, da
edificação do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, destilavam suas inteligências
país e mundo afora. Para
os que aqui ficaram a sensação era de abandono e vazio cultural. Abandono sim,
vazio cultural, jamais.
Os tambores africanos sempre ecoaram na ilha, mesmo no
período em que as elites
tinham seus olhos voltados para o que acontecia do outro lado do Atlântico, ou
mesmo na capital do império, Rio de Janeiro. A questão é que a cultura popular
nunca foi foco e atenção ou mesmo elemento de compreensão de prática cultural,
sempre marginalizada. Por isso, a elite
ludovicense torceu o nariz quando a Beija-Flor, homenageando a cidade na
Marques do Sapucaí, entrou com um enredo negro, africano. Como
bem disse Josué Montello: “São Luís é uma cidade que dorme aos sons dos
tambores”, hoje, cada vez menos. Somente a partir das décadas de 30 e 60 do
século XX, já no governo Sarney, é que a cultura popular ganhou ares de
interesse enquanto patrimonialização identitária e investimento público.
A euforia do século XIX durou pouco tempo, embora ecoe até os
dias de hoje como estandarte da identidade cultural da cidade, casos da Atenas
Brasileira e da fundação francesa de São Luís. O passado é mais importante do
que o futuro porque futuro não há. Além disso, o passado não toca a
tangibilidade política, ou seja, como as coisas não aconteceram é sempre
encapsulado como ideal, intocável, tradição, glória. A desgraça do futuro é um acidente que não
aconteceu. É uma mera contingência, quando acontecer,
se acontecer.
No início do século XX, já se
falava em Vencidos e
degenerados, livro de autoria de Nascimento Morais, uma bela análise das
relações sociopolíticas de como as coisas funcionavam no Maranhão; herança
perversa da escravidão e de como tal herança perpassava os padrões de
sociabilidades densas, obtusas e pesadas. O Maranhão era a herança do massacre
contra os balaios, a vitória da elite branca contra a africana. A derrota
balaia foi o apanágio da destruição de um projeto civil e civilizacional
distinto do que foi construído posteriormente; amorfo, racista, preconceituoso,
excludente, visivelmente observado na tessitura urbana da cidade.
No início do século XX, uma
primeira tentativa de apropriação da cultura negra. A Atenas cada vez mais
distante era reeditada pela presença e marca únicas da herança africana; era a Black Athena, a Atenas
revisitada com a incorporação da cultura popular na ordem do dia; basta ler a importante dissertação de mestrado de
Antonio Evaldo Almeida, O
Pantheon encantado: Culturas e Heranças Étnicas na Formação da identidade
maranhense (1937-1965), sobre como a Igreja Católica, a imprensa e os intelectuais trouxeram a questão
popular como instância
herdeira do passado de glória, ou seja, a cultura popular era a própria
encarnação da Atenas Brasileira.
A relação com o centro-sul continuava psicanalítica. Enquanto
o Rio era a coqueluche nacional, São Paulo disparava contra a capital do Brasil
com a Semana de Arte Moderna,
em 1922. Foi um grito contra o provincianismo paulista e um elemento de disputa
contra o Nordeste e Rio
de Janeiro. O Maranhão, longe disso tudo, continuou reclamando da falta de emulação cultural.
Somente na década de 40 bradam os primeiros “ventos” do
modernismo chegando ao Maranhão (controvérsia à parte) e o horizonte continuava
sendo a reabilitação do cenário cultural de 100 anos atrás, ou seja, 1840. Era
o início da nova fuga para o Rio de Janeiro de nossos poetas, jornalistas, como
Ferreira Gullar, dentre outros, até aparecer o embate entre passadistas e
modernistas, Centro Cultural Gonçalves Dias e Movelaria Guanabara, tendo este
último grupo se constituído
na plataforma política do grupo que futuramente seria cognominado de Oligarquia
Sarney. Sarney, poeta e contista, ao vencer as eleições em 1966, levou para o escol político a geração que lhe
granjeou a notoriedade intelectual e política.
Mas, o cenário cultural não se alterou. A década de 70
assistiu ao surgimento fantástico do grupo LABORARTE (Laboratório
de Arte: teatro, dança, capoeira) e do movimento documentarista tendo como
expoentes Murilo Santos e Euclides Neto, como forças estioladoras tentando
romper o marasmo da cidade. Tudo era muito, muito difícil.
No final da década de 70 e início de 80, estoura a Gororoba, movimento artístico, os salões
de pintura, a pungência da cultura popular através do tambor de crioula,
apropriado por grupos que surgiam dia após dia, o carnaval de rua revitalizado,
os festivais de canção, a nomenclatura MPM (Música Popular Maranhense), vários
artistas, cantores, enfim, um movimento teatral, mas as coisas não ganham
dimensões para além da ilha.
A década de 90 se notabiliza pela apropriação do reggae,
revitalização do bairro da Praia Grande, pela tentativa de edição de livros de
poesias de novos poetas, mas nada, nada ganha repercussão para além da ilha.
Nos
anos 2000, continuaram a aparecer festivais de
música, de teatro, pintura, artes plásticas, e a questão continua sendo a falta
de continuidade e autonomia financeira, de autossustentação e dinâmica. Porque as coisas em São Luís não têm
continuidade? Por que a cidade ricamente em cultura não é uma referência nem
mesmo regional, se por todo o canto veem-se poetas, músicos,
capoeiristas, dançarinos, artistas enfim, e se existe elemento de resistência e
persistência em fazer do espaço público um lugar não apenas da circulação do
capital, função axial da cidade na era industrial, mas de convivência da
expressão da existência, da criatividade e da potencialidade humana? A resposta
não é fácil e são várias as inflexões.
Uma questão é a economia. O Maranhão é o segundo estado mais
pobre da federação, basta ver os vergonhosos índices do PNUD sobre os nossos
IDH's. Os cinco municípios mais pobres do país são maranhenses.
Outra questão é a política. Exatamente pela pobreza econômica
existe um mutualismo e uma relação de verdadeira submissão entre as instâncias econômicas e políticas.
O estado é pouco industrializado, portanto, grosso modo,
os salários são pagos pelos governos municipais (prefeituras) e governo do
estado. Essa relação de dependência, além de estabelecer uma base de poder
perversa, serve como elemento de controle social, de manutenção do status quo e do aparelhamento das instâncias e instituições que
querem fazer alguma coisa.
O estado ainda mantem práticas oligárquicas desde o século
XIX, mesmo com a derrota da Oligarquia Sarney, embora as bases deste poder
remontam à década de 1940, assentada no grande poder
dos senhores escravistas. O Maranhão é um misto da perversidade escravocrata,
da relação de poder autoritária escravista e da promiscuidade do poder estatal
controlando as instâncias
republicanas. A bem da verdade, não há uma
república no Maranhão, ou melhor, existe uma república a serviço da mentalidade
escravocrata.
A oligarquia Sarney perpetuou essa prática mandatária
escravocrata. O grupo Sarney ascendeu para derrotar a oligarquia vitorinista,
sua antecessora; acabou perpetuando-a. É claro
que ela não é a responsável por todas as mazelas do Maranhão, a cultura
oligárquica e escravocrata
presente até hoje é
anterior a ela, mas aperfeiçoou os mecanismos de dominação, reeditou a
inércia e o medo vitorinista,
controlou as instâncias culturais impedindo que seus adversários promovessem um espaço de
liberdade e criação artística, ainda controla parte do aparato jurídico, parte
do Legislativo, parte do
setor empresarial, as instituições midiáticas e se configura como um Leviatã,
ou mesmo como um Argos, monstro de mil olhos a tudo vigiar.
Por outro lado, também acusar a oligarquia de ser a
responsável por toda a mazela do estado virou uma espécie de salvo-conduto para
os agentes e promotores da cultura não promoveram ou saírem do cerco fechado.
Ela é grande parte responsável pelas mazelas do estado, mas é preciso ampliar a
análise. As relações de compadrio apenas encontraram eco na oligarquia Sarney; a relação pessoalista, mandatária existe no estado desde o século
XIX.
Ficar ou sair da cidade sempre foi um dilema para os
promotores da cultura de São Luís. Sair e fazer a vida lá fora, ganhar o país,
ficar conhecido nacionalmente ou ficar e ajudar a transformar o cenário da
cidade é uma questão que perturba os que aqui vivem desde a década de 60 do
século XIX.
São Luís sempre foi rica em diversidade cultural, não dá para nomear aqui o que está
acontecendo nesse exato momento na cidade. O cantor e compositor Gilberto Gil
certa vez disse que achava interessante o cenário cultural na cidade, autônomo,
rico, autorreprodutor de
suas bases e de diversificação. Isso continua acontecendo, acontece também que
os produtores culturais também precisam sobreviver, terem amplitude,
diversificarem o cenário e não conseguem nem mesmo articulação com outros
agentes, e isso independe da política estatal, dentre outras coisas.
A política criou uma configuração perversa: a dependência do
patrocínio, isso aconteceu no futebol, depois no carnaval de rua
e agora se espraia pelo São João.
Em Recife, na década de 90, não estava acontecendo nada,
mas aconteceu o movimento mangue
beat, tudo aconteceu. O problema é que em São Luís as coisas acontecem tanto quanto em Recife,
Salvador, mas não têm repercussão,
continuidade, fôlego e amplitude; se resumem
aos seus feitores.
A cidade não tem praça, parque, shows gratuitos, atividades
nas praias, e os eventos são méritos de seus realizadores, muitas das vezes
nadando contra a corrente. O turismo na cidade é pífio, o Centro Histórico está caindo
aos pedaços, não tem transporte público decente e eficiente, é suja, esburacada,
transito caótico. A riqueza cultural dos bairros está se perdendo porque não
existe promoção de eventos nesses espaços, quase sempre obrigando as pessoas ou
a se deslocarem para o Centro
Histórico decadente, e que não funciona aos domingos, ou a se deslocarem
para a Lagoa da Jansen, os ricos, ou para a Litorânea, os que têm carros, caracterizando uma
exclusão social.
O cenário cultural da cidade é tão medíocre, que a Biblioteca Pública
Benedito Leite, a segunda mais antiga do país, ficou fechada por mais de dois
anos, a Praça Deodoro, o coração da cidade, a mais importante, era até pouco
tempo um lixo a céu aberto. Na cidade não existe um mercado editorial
consistente, alguns poetas que se acham intelectuais se locupletam em cargos do
governo municipal e estadual.
O cenário pulsante da cidade está em toda a parte, sobretudo
na periferia. Lá, longe dos auspícios do governo, as pessoas se divertem, vivem, são felizes aos
seus modos, muitas das vezes não podendo se deslocar para o centro da cidade porque o transporte
público nas madrugadas é precário, além da violência dos assaltos.
Algumas ações poderiam ser realizadas na cidade, tais como: editar
uma virada cultural na cidade em busca dos talentos perdidos e subterrâneos; promover
um mercado ou possibilidades de publicação de autores sem recursos; incentivar
o teatro amador; promover festivais de hip
hop e debates sobre inclusão
social; construir praças e logradouros com atividades aos finais de semana; criar
espaços para exibição de grafitagem; oferecer cursos de cinema e de edição de vídeos
com mídias de baixa resolução; promover festivais de música para todos os
gêneros com recursos públicos; promover oficinas de escrita e leitura em praças
públicas para todas as idades; promover um seminário criticando as Universidades
sobre os seus isolamentos e falta de interlocução com a sociedade; construir
bibliotecas em vários lugares; jardinar e plantar árvores na cidade; promover
um fórum permanente sobre educação e cultura; reeditar obras raras e doá-las
para bibliotecas nos bairros; transformar as escolas e Universidades em centros
culturais; oferecer cursos de captação de recursos em editais federais e
privados pelo país afora; transformar as secretarias de cultura municipal e
estadual em órgãos colegiados com sessões e plenárias públicas mensais; recuperar
o estaleiro escola e promover passeios de barco no entorno da ilha; ampliar os
cursos de pintura em azulejo e recuperar os casarões do Centro Histórico; ampliar a mobilidade
urbana com transporte público decente; construir ciclovias; transformar o Centro Histórico em espaço de
moradia para servidores públicos, pessoas de baixa renda, bem como numa zona
cultural e acadêmica; estimular a interação entre os bairros com um calendário
anual das atividades desenvolvidas nestas zonas; Incentivar
a frequência ao Cine-Praia Grande, um dos dois cinemas de arte da cidade, e não permitir o seu fechamento; construir salas de
exibição de cinema de arte nas periferias; garantir a transparência, a lisura e
aplicação dos investimentos e repasses públicos em todos os setores da
atividade administrativa pública; estabelecer uma interlocução com o setor
privado garantindo a aplicação da contrapartida dos seus investimentos em
educação e cultura; implantar uma rede wi-fi de internet gratuita em espaços
públicos.
aconteceu a virada cultural de Santa Rita,semana passada, e percebi a inércia dos promotores esculturais mas, mesmo nesse estado de coisas, conseguimos traçar varias diretrizes e políticas para a cultura do nosso município. suas dicas preenche ainda mais e resgata o símbolo cultural
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