Eric Hobsbawn, falecido historiador radicado na Inglaterra,
escrevera em A Era dos Extremos, ter sido o século XX
breve; se iniciou em 1914 – início da I Grande Guerra –, e findou-se em 1989,
queda do Muro de Berlim. Essa periodização fugiu da concepção do modelo
quadripartite francês, divisor do mundo, como se a Europa fosse o mundo, em 4
etapas: Antiga, Média, Moderna e Contemporânea, e da classificação usual de
séculos em 100 anos.
O que levou o historiador a conceituar o século XX de breve e
configurá-lo como extremo? Porque foi. O início do grande conflito pôs fim à Belle Époque e o restante do século ainda
assistiria a guerras,
nazi-fascismo, autoritarismo, ditaduras, e um conjunto de elementos de causar
espanto a uma época supostamente herdeira do século XIX, pletora esperançosa na
ciência, evolução e progresso.
Acontece que o século XXI, ainda que em seus primeiros
ensaios, também tem se transformado numa época extremista de toda ordem.
Pululam fundamentalismos religiosos, operetas econômicas, escândalos de
espionagem, não apenas industrial como transnacional, guerras, reorganização da
composição político-econômica,
ressurgem ideologias, debelam-se teorias em frações de segundo como se de fato, como bem disse o velho Marx: “tudo o que é sólido
se desmancha no ar”, agora mais do que nunca.
Bradam os mais otimistas uma onda global contra o
capitalismo. Apenas em parte parece ser factível. A onda de protestos que tomou
conta do mundo se levanta contra modelos de dominação excludentes, mas não se levantam de forma
homogênea ou mesmo hegemônica um brado a favor do socialismo ou comunismo. Não
está claro ser essa a opção, ou se é, fica o questionamento: qual socialismo e
comunismo?
A questão ainda gira em torno da suscetibilidade da
existência ou não do dinheiro e do desejo em torno do consumo, como bem frisou
Zizek. O que fazer entre a crise do capital como perspectiva desejante de
felicidade e gozo suplantando frustrações cada vez mais combalidas e a ausência
de certeza de um projeto sócio-político-econômico-jurídico
incapaz de debelar a ânsia de consumo estimulada há pelo menos 500 anos pelo
capitalismo em todas as suas fases?
No esteio disso foi a política, débil na sua plena condição
de controlar os avanços do mercado e conduzir homens e mulheres a um projeto
racional de equidade. A política sucumbiu ao dinheiro. Transformou-nos em
simulacros de nós mesmos, frisou Baudrillard. Segmentou a noção de real,
recriou o real em outros patamares, e agora com a falência de um modelo
existencial pautado no consumo, cada vez mais evidente, ressurgem velhas,
antigas bandeiras e lemas indicando o esgotamento da sociedade imediatista,
emergindo a deceção como horizonte, como disse Lipovetsky.
A emergência da China colocando em xeque a plena supremacia
econômica estadunidense não remodelou as formas de acumulação de capital e do
trabalho, muito pelo contrário, agudizaram-se. A China comprou parte das terras
do Sudão e dos portos gregos explorando mão de obra africana e impondo
restrições trabalhistas aos estivadores gregos, ou seja, repete a prática
perversa de exploração. Compra vultosas montanhas de ferro do Brasil, estoca no
mar para esperar uma oportunidade futura de comercializar o minério, explora
mão de obra barata, muitas das vezes de forma escrava, não respeita a condição
dos trabalhadores. Esse modelo não serve.
A Europa mergulhada em crise vê apenas a prosperidade alemã,
maior potência econômica da região, repensa o modelo de livre comércio e de
zona econômica e trabalhista, afinal, tal fórmula afundou as economias de
Grécia, Itália, Espanha e Portugal.
Os Estados Unidos, também em crise, propõem uma zona e associação comercial com a
Europa, temendo os desdobramentos do crescimento do BRIC, afunilando os laços
diplomáticos com tal continente, pois a configuração geopolítica do mundo
mudou: Irã não teme o grande império, Venezuela também não, Bolívia também,
Brasil idem. Em resposta a essa
nova correlação de forças recorre ao antigo expediente da espionagem, a tentativa
de sequestrar o presidente boliviano
Evo Morales, a antigas táticas de intimidação, como no caso do Irã.
Quando o ex-presidente Bill Clintou citou a expressão “nova ordem mundial”, referia-se
a emersão da China e do quadro futuro da nova geopolítica. Não previu o ataque de 11 de setembro, o aumento do clima de terror
dentro do próprio solo estadunidense, o clima de esquizofrenia que transformara o país com os aumentos de
atentados cometidos por civis pátrios.
Pelo mundo se espalham focos de rebeliões, golpes,
contragolpes, revoluções. A diferença em relação ao século XX é que desta vez
não estão claros os rumos e as tendências destas ondas que ao mesmo tempo são
localizadas e globalizadas, pois possuem raízes nas contradições dos países
onde eclodem, sendo assim reflexões potencializadoras de movimentos em outros
lugares no mundo.
Quando eclodiram as manifestações em junho no Brasil, países europeus foram às ruas compartilhar e se
solidarizar com os manifestantes brasileiros. No Chile,
milhares de chilenos também cruzaram os braços em apoio ao movimento
brasileiro. É uma faceta nova essa forma de integração global contra qualquer
forma de exploração.
O que está claro é uma indignação global, mas o modelo é o que se quer, não? Para
Zizek, o mundo ainda precisa de uma aceleração da acumulação do capital para
vivenciar sua superação. Parece-nos que estamos chegando bem perto disso. A
desconfiança é global em relação aos modelos democráticos corroboradores da
aliança capital e política. A discussão não gira em torno da superação dos
modelos democráticos para alguma forma longe ou contrária disso, mas sim, de
uma redefinição de prioridades e uma superação dessa forma.
As manifestações no Brasil em junho apontam bem isso. Em
nenhum momento as grandes multidões falavam em superação do capitalismo
brasileiro, mas de sua redefinição. Isto não quer dizer que não esteja em
crise, e sim, que no horizonte próximo a reflexividade da segurança do que
existe, ainda que ruim, é um sinal da ausência de um projeto claro e definido.
As teorias e previsões pessimistas perdem espaço a cada dia.
A história não acabou, a dinâmica social recoloca desafios não só ao
conhecimento, mas a práxis política. Antigas bandeiras não morreram, precisam
ser reatualizadas e ressignificadas.
A marcha global indica um descontentamento com a condução política em seus
países e apontam a necessidade de um ajuste planetário, afinal, o limite
imposto é da natureza. Essa forma de exploração predatória caminha para uma
catástrofe global, caso os rumos não mudem.
A consciência ecológica, antes apenas uma bandeira de alguns
partidos, agora toma a dimensão de uma luta pela preservação do planeta, e
nesse aspecto, repensar a exploração da terra é redefinir as formas e usos de
sua exploração, quer dizer, do sistema econômico que a depreda, o capitalismo.
A dimensão educacional, atravessada pelos avanços
tecnológicos, foi durante algum tempo pinçada numa perspectiva apenas de mais
exploração do capital, pois ampliou as possibilidades de consumo, de
publicização mercadológica. Hoje, essa dimensão não preenche e não basta. A
mundialização das informações aproximou povos também pelos laços de
identificação de exploração e miséria, logo, tornaram suas bandeiras
amplificadas. Questões indígenas em um país passaram a ser as bandeiras de lutas em outras regiões
porque a dimensão de um problema ecológico, social, étnico, é cada vez mais
interplanetário, já que as possibilidades de destruição são cada vez maiores.
Não
duvidemos, o mundo está passando por mais um ajuste. E assim será enquanto
existirmos.
Me parece Henrique que também há um número significativo de anarquistas infiltrados neste movimentos pelo Brasil!
ResponderExcluirTô tentando compreender o pensamento do Heidegger, mais precisamente o poético para tentar superar minhas crises existenciais! Um abraço!
vamos tentando roneuy. vamos tentando
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