segunda-feira, 24 de junho de 2013

A ascensão do movimento fascista no Brasil.

A palavra fascismo vem do italiano fascio, e quer dizer feixe. Tal palavra tem a mesma conotação em francês, “fasces”, e indica um machado cercado por hastes de madeira. A primeira vez que se pronunciou com mais veemência foi na Europa pós-Primeira Guerra Mundial, exatamente onde não se esperava, mas já tinha sido usada por Mussolini em 1919. Porque não se esperava logo na Europa? Tal continente já havia experimentado as experiências da Primavera dos Povos (Revoltas Liberais de 1848), da ascensão do movimento anarquista, da Internacional Socialista, da Revolução socialista Russa de 1917, gozava dos ventos buliçosos da Belle époque, que se encerrava exatamente por conta do primeiro grande conflito.

A experiência desastrosa da Guerra, a humilhação porque passara Alemanha e Itália (últimas nações a se unificarem) foi o mote para a emergência desta concepção ultra-conservadora, oposta ao comunismo, de orientação ultra capitalista, defensora cega de princípios sem sustentação democrática e altamente autoritária, mesmo existindo numa Alemanha regida pela constituição democrática de Weimar. Aliás, sobre isso, ou seja, autoritarismo e democracia, recomendo a leitura de O Estado de exceção, de Giorgio Agamben. 

No Brasil, a expressão desse sentimento estava expressa nos camisas verdes e em figuras como Plinio Salgado, uma versão tupiniquim de Mussolini. Aqui, defendiam os mesmos princípios, ainda que na América Latina as relações politicas e sociais estivessem distantes do velho continente, com exceção da expansão do capitalismo transnacional.

Todas às vezes que uma grande ameaça vermelha surge no horizonte, os velhos ideários fascistas aparecem, vide o caso da Marcha por Deus, pela Família e pela Propriedade, sustentáculo social da ditadura militar. A ausência de apoio social propiciadora de um golpe de estado pôde definitivamente se efetivar com esse segmento legitimando uma tomada de decisão por parte das forças armadas, corroborada e apoiada pelos Estados Unidos e por oligopólios capitalistas internacionais.

Vivemos longos e tenebrosos 21 anos de ditadura civil-militar. Quando os filhos da classe média, apoiadores do golpe, começaram a sofrer perseguições, prisões, torturas, a sociedade brasileira descobriu o pesadelo que estava vivendo. Tarde demais. As mães que foram às ruas pedindo a eliminação das transformações sociais, choravam e lamentavam o desaparecimento de seus filhos.

Depois de 1985, fim da ditadura, e em 1989, eleição de Fernando Afonso Collor de Mello, amplificada pelo processo de impeachment, os brasileiros começavam a sentir o gozo quase pleno da experiência democrática. Os anos de chumbo ficaram para trás, sentia-se que nunca mais experimentaríamos a sensação de golpe e/ou o retorno do fascismo.

O historiador Fernand Braudel disse que de todas as estruturas existentes na sociedade, a que mais demora a se modificar é exatamente a mental, ou seja, mudam as correlações politicas, alteram-se sistemas econômicos, mas as mentalidades permanecem.

O movimento surgido semana atrás em São Paulo, espraiando-se por quase todas as capitais brasileiras, é a responsável pelo despertar de um sentimento que estava subjacente, porém adormecido.

O conservadorismo brasileiro, responsável pela derrota de Luis Inácio Lula da Silva para Collor em 1989, arrefeceu após oito anos de mandato do até então antigo inimigo do capitalismo internacional. “Lulinha paz e amor”, em sua nova versão mudou a roupagem, o discurso, a campanha e a forma de conduzir o sistema político brasileiro. Fez muitas concessões: beneficiou o agro-business, enriqueceu os banqueiros (nunca na história do país os bancos tiveram tantos lucros), ampliou benefícios para universidades privadas, favoreceu o setor da construção civil, aliou-se a velhos inimigos políticos, enfim, tudo em nome da governabilidade.

Também operou mudanças: retirou 25 milhões de brasileiros da condição de pobreza extrema, recuperou a indústria naval, a indústria ferro-carril, a indústria da construção civil, recuperou as Universidades Federais, totalmente sucateadas quadriplicando seu número, o mesmo com os IF (Institutos Federais), reduziu consideravelmente a taxa de juros para apenas um digito, criou programas de recuperação econômica (PAC, minha casa, minha vida), institucionalizou o sistema de cotas, criou a secretária de direitos raciais, aliou-se a movimentos sociais, como o MST, projetou o Brasil como uma das maiores potencias econômicas do mundo.

Quer dizer, para a governabilidade, Lula operou a aliança entre os interesses do grande capital internacional e nacional e algumas exigências dos movimentos sociais. Enquanto o cenário econômico internacional era muito favorável tudo ia bem, agora, já no governo de Dilma, quando a economia internacional desacelera, levando inclusive a Europa a uma crise estruturante, o clima de paz, de euforia e entusiasmo com o Brasil cedem lugar e espaço para antigos emblemas de origem fascista. É sempre assim, todas as vezes que as condições econômicas não são favoráveis, eclodem sentimentos ultra-conservadores.

O paradoxo de tudo isso é que o governo Dilma antes das manifestações batia a casa dos 68% de aprovação, a economia não apresenta os mesmos números da época do seu antecessor, pelo menos não são catastróficos, o Brasil se tornou a 7º potência do mundo, vai sediar os dois maiores eventos esportivos no planeta, Copa do Mundo e Olimpíadas, era literalmente uma ilha de prosperidade ante o caos lá fora.

Então, porque as manifestações? São várias as razões, a análise não é tão simples assim. Uma delas tem haver exatamente com o grau de esclarecimento e escolaridade elevados durante os governos Lula e Dilma. Outra, diz respeito à ampliação e acesso às redes sociais e virtuais que se constituíram um contraponto aos editoriais da grande mídia ideologicamente controlados pelo grande capital, permitindo acesso e esclarecimento sobre o que se passa lá fora e aqui dentro. Há também a questão da redução do crescimento econômico, o que levou jovens a protestarem contra o aumento de R$ 0,20 da passagem urbana em São Paulo, embora o problema de fundo não seja esse, e sim, ampliação dos direitos de mobilidade. O desperdício de dinheiro público nas obras da Copa e das Olimpíadas sem controle público e sem transparências engrossam o caldo. Mas as duas grandes de fundo são: a necessidade de reforma politica e econômica. Vamos lá.

As manifestações apontam para a não participação de partidos políticos, ou seja, os manifestantes não se sentiam representados por essas estâncias, um exercício e recado para  eles. O sistema democrático dá sinais de seu esgotamento e legitimidade. A forma de representação politica está desgastada, há uma nítida separação entre os anseios populares e a forma de configuração politica nos três poderes: executivo, legislativo e judiciário. O capital controla o estado, logo, os interesses e a condução da politica não estão voltados para os interesses da sociedade, e sim, para as demandas capitalistas. O capitalismo opera sua lógica com aval do regime democrático representativo.

A questão do regime fechado de votação dos deputados federais cria um empecilho entre a ideia de representação social, legitimada pelo voto, e os interesses operantes dentro do congresso. A proposta de votação da PEC-37 que impede o Ministério Público de investigar os crimes cometidos por políticos é um assalto à própria democracia. A eleição de um pastor evangélico homofóbico para presidir a comissão dos direitos humanos leva desconfiança sobre a real necessidade dessas estâncias. Enfim, está claro que a falência do estado enquanto principio promotor do bem-estar social, coloca em xeque essa forma de fazer politica. A dinâmica social é muito maior que as transformações processadas nas estâncias politicas legitimadas e legais. A politica virou a certificação da barbárie.

Quanto à questão econômica a luta é contra o modelo econômico imposto ao Brasil e no restante do mundo. Sinais de esgotamento do sistema capitalista sempre surgiram, mas quando os yuppies e trabalhadores desempregados ocuparam Waltt Street o sinal vermelho acendeu. Depois, veio a crise imobiliária nos Estados Unidos, seguido da primavera árabe, que não foi apenas um reclame politico, como também econômico, até as manifestações no Brasil, curiosamente uma ilha de prosperidade ante a crise mundial.

A questão de fundo é: se somos a 7ª potencia do mundo, então porque possuímos ainda um dos piores índices de IDH? Isso vai de encontro ao exíguo reformismo dos governos Lula e Dilma. Fizeram muito, mas com a arrecadação pública nesses últimos anos poderiam ter feito muito mais. Ademais, se há tantos gastos com as obras da copa, por que não construir mais hospitais, escolas, universidades, etc?

O impostômetro colocado no centro de São Paulo mostra que anos após ano o governo federal arrecada cada vez e sempre 10 dias antes do que o ano anterior. Enquanto isso, os índices de violência só aumentam, os usuários de crack idem, falta infraestrutura em quase tudo nesse país.

Esses elementos, no entanto, não foram responsáveis pela emergência do sentimento fascista. Ao contrário, o fascismo estava submerso antes dos anos de governo Lula e Dilma e emergiu com a radicalidade dos movimentos nas ruas nas últimas semanas. O incomodo é com os avanços sociais, o debate e a ampliação da união estável do mesmo sexo, o apoio ao MST e as reformas de base: reforma agrária, habitação, saúde, reforma econômica e politica.

O que está acontecendo é o afloramento das grandes divergências ideológicas que sempre existiram no país, mas estavam escondidas, camufladas. Agora não, as coisas estão claras, as abertas, estamos num franco campo de disputas de ideias, de direcionamento de como o país deve ser conduzido.

Por Deus, pela Família, pela propriedade, pela Pátria, contra o comunismo, esse é o lema do movimento anunciado nas redes sociais convocando para uma grande marcha nas próximas semanas. 

Qual Deus? O cristão? Então ficam de fora as outras formas de transcendência, de manifestação e culto, desrespeitando inclusive a grande diversidade étnica no país?

Pela Família? Qual família? A patriarcal?  Ora, os dados do IBGE apontam que há mais de uma década as famílias brasileiras são mantidas por mulheres solteiras, quer dizer, aquela concepção nuclear de pai, mãe, filhos está em processo de retração, emergindo outras experiências, como as da união estável e da união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Pela propriedade? Qual propriedade? A dos latifundiários, fazendo do Brasil o país de maior conflito agrário do planeta? Aqui, todos os dias mata-se um lavrador, um camponês. Qual propriedade? A que privilegia o agro-business, desestruturando famílias tradicionais que nasceram em solos dos seus ancestrais e agora são expulsas do campo para as cidades?

Pela pátria? Qual? Não existe uma única pátria, existem formas distintas de identicidade, formas compósitas de se pensar a relação entre grupos e nação. Os elementos dísticos nacionais se resumem a língua, ao território e a alguns elementos culturais.

Contra o comunismo. Isso sim. Ai está a verdadeira razão da emergência do pensamento fascista. O fascismo foi um projeto ideológico surgido na Itália e na Alemanha contra o comunismo. O que está por detrás de tudo isso é a consecução de um projeto higienista que não aceita o Brasil negro em postos de comando, não admite gays assumirem publicamente sua condição sexual, camponeses deliberando autonomamente suas possibilidades de existência, movimentos sociais contestando a forma como o estado conduz e direciona a vida das pessoas. E sabe por que o fascismo não aceita? Porque como um braço econômico e autoritário do capitalismo não permite a falta de regra e de controle dos movimentos e avanços sociais, não concebe como pessoas possam decidir sobre suas vidas longe da máquina panóptica do estado, sem a reverberação do consumismo desenfreado, sem a lógica da vida burguesa que não consegue lidar com contraposição de ideias, com a adversidade.

O fascismo foi denunciado por intelectuais como Hannah Arendt na Alemanha, Marc Bloch na França, a escola de Frankfurt também na Alemanha e tantos outros quem foram perseguidos, assassinados simplesmente porque sabiam do terrível medo, do pesadelo escondido por detrás de supostas boas intenções.

Agora o Brasil enfim mostra sua cara, a máscara caiu. Há um grande segmento que não é  hospitaleira, boa gente, gente pacifica, acolhedora coisa nenhuma. É autoritária, racista, preconceituosa, conservadora, moralista. O Brasil é imperialista, embora sempre tenha criticado os Estados Unidos, vide o que estamos fazendo com os outros países latino-americanos e com os africanos no plano econômico.

Sequer queremos ser latino-americanos, nos auto-intitulamos de sul-americanos, tudo para não nos identificarmos como nuestros hermanos do continente.  

É preciso lutar contra o fascismo. Já vimos o estrago que fez na Itália, Alemanha, Espanha e Portugal. Não precisamos repetir esses erros.


7 comentários:

  1. Prof. Henrique, concordo em parte com você, mas vejo sua análise meio partidarista. O povo brasileiro está a dez anos calado, os movimentos sociais como a CUT está se esvaziando, que o diga o SEEB-MA, o MST virou picolé, e os Sindicatos vinculados ao Partido que se dizia dos Trabalhadores, viraram instrumentos de poder. Participei em 2010 de um congresso dos bancários em São Paulo e vi o quanto é ridículo a forma como os petista-cutista-lulistas tratam seus antigos companheiros, imagine o povo... Como querer educação de uma nação violentada? O que é direita e o que é esquerda neste país? O PMDB, O PT, O PSDB,O PCdoB, eles estão todos juntos. E para encerrar, me arriscaria até em dizer que o grito "sem partido" dos movimentos de protestos é, em parte, uma proteção aos partidos vermelhos. O povo que está nas ruas, não são fascistas (até porque seria um anacronismo dizer isso), são os filhos da Revolução Digital, que libertou muita gente das amarras da Globo e Cia.
    Um grande abraço, professor, desculpe lhe contradizer, mas é o que penso. Grande abraço.

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    1. tudo bem querido, mas eu me referia não as manifestantes em geral, mas ao grupo especifico cujo um dos participantes se manifestou hoje afirmando que houve sim aliança entre o movimento integralista e os skinheads, os carecas de são paulo. Meu artigo foi contra a afirmação do marcio hiroshi que disse com todas as letras que a intenção do movimento era desmobilizar os partidos de esquerda. Fiz uma defesa da governabilidade da Dilma, não do PT. Náo sou petista, não tenho partido, mas me assustou saber que há ramificações em são paulo, rio, belo horizonte e porto alegre.

      obrigado pelas criticas, vou refletir.

      abraços

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  2. Ok, professor.
    Talvez, nós, historiadores, cientistas sociais e jornalistas, precisemos rever nossos conceitos no que se refere à conjuntura atual. Não faz muitos tempo, era impossível imaginar qualquer tipo de Movimento Social fora da lógica esquerda vs direita, ou melhor, capitalistas vs socialistas, mas parece que as novelas sociais viraram filmes 3D. Talvez Nietzsche esteja certo: existe mesmo algo além do 'bem' e do 'mal'; talvez exista uma terceira ou quem sabe uma quarta dimensão ainda desconhecida nas complexas estruturas sociais do século XXI. Porém, entre tantos talvez, existe uma verdade: estamos fazendo história, sem partido.

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    1. Eu gostaria muito, não estou tão convicto. O sistema representativo ainda existe e sequer virou pauta das reivindicações sua supressão. Eu vejo apenas a palavra REFORMA o tempo todo. Eu jamais criticaria as manifestações que bradam a não participação dos políticos, mas também não concordo com expulsar seus representantes à força, o que aconteceu aqui no sábado. Me parece um tanto quanto forçoso isso, embora isso não seja fascista. Fascista é expulsar os partidos e logo em seguida cantar o hino nacional bradando patriotismo exaltado. Isso me assusta,e muito. Outra coisa, em preocupa a reação conservadora brasileira em curso. Ela está em marcha, seu primeiro golpe foi desbancar a constituinte.A sustentação fascista brasileira não está nos movimentos, nas passeatas, está em casa sustentando a violência policial. O que os integralistas fizeram foi infiltrar pessoas no movimento incitando a violência, jogando a opinião pública contra as manifestações. Esse fascismo do sofá é repassado para a opinião publica que legitima a força policial.

      Quando tudo isso acabar, vamos precisar dos partidos para recompor o novo cenário representativo. Eles podem até serem diferentes, mas ainda assim existiram, a não ser que o movimento radicalize e mude completamente o jogo democrático. Ai sim, poderemos falar de uma terceira ou quarta via sem partidos. Enquanto isso, é necessário dar-mo-nos às mãos porque a reação conservadora virá e temos que estar unidos, senão, perderemos mais uma.

      Ainda é cedo para dizer que estamos fazendo história sem partido, afinal, ontem no congresso institucionalmente foram os deputados que derrubaram a PEC-37,claro que por pressão popular.

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  3. Não tem como não lembrar de vc, professor, ao contemplar estes acontecimentos históricos.

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  4. De todos os discursos, na minha opnião, este aqui esta sendo o mais coerente e democrático até agora.

    Abç&Art&Alegria...

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