A palavra fascismo vem do italiano fascio, e quer dizer feixe. Tal palavra tem a mesma conotação em francês, “fasces”,
e indica um machado cercado por hastes de madeira. A primeira vez que se
pronunciou com mais veemência foi na Europa pós-Primeira Guerra Mundial,
exatamente onde não se esperava, mas já tinha sido usada por Mussolini em 1919.
Porque não se esperava logo na Europa? Tal continente já havia experimentado as
experiências da Primavera dos Povos (Revoltas Liberais de 1848), da ascensão do
movimento anarquista, da Internacional Socialista, da Revolução socialista
Russa de 1917, gozava dos ventos buliçosos da Belle époque, que se encerrava exatamente por conta do primeiro
grande conflito.
A experiência desastrosa da
Guerra, a humilhação porque passara Alemanha e Itália (últimas nações a se
unificarem) foi o mote para a emergência desta concepção ultra-conservadora,
oposta ao comunismo, de orientação ultra capitalista, defensora cega de princípios
sem sustentação democrática e altamente autoritária, mesmo existindo numa Alemanha regida pela constituição democrática de Weimar. Aliás, sobre isso, ou seja, autoritarismo e democracia, recomendo a leitura de O Estado de exceção, de Giorgio Agamben.
No Brasil, a expressão desse
sentimento estava expressa nos camisas verdes e em figuras como Plinio Salgado,
uma versão tupiniquim de Mussolini. Aqui, defendiam os mesmos princípios, ainda
que na América Latina as relações politicas e sociais estivessem distantes do
velho continente, com exceção da expansão do capitalismo transnacional.
Todas às vezes que uma grande
ameaça vermelha surge no horizonte, os velhos ideários fascistas aparecem, vide
o caso da Marcha por Deus, pela Família e pela Propriedade, sustentáculo social
da ditadura militar. A ausência de apoio social propiciadora de um golpe de
estado pôde definitivamente se efetivar com esse segmento legitimando uma
tomada de decisão por parte das forças armadas, corroborada e apoiada pelos
Estados Unidos e por oligopólios capitalistas internacionais.
Vivemos longos e tenebrosos 21 anos
de ditadura civil-militar. Quando os filhos da classe média, apoiadores do golpe,
começaram a sofrer perseguições, prisões, torturas, a sociedade brasileira
descobriu o pesadelo que estava vivendo. Tarde demais. As mães que foram às
ruas pedindo a eliminação das transformações sociais, choravam e lamentavam o
desaparecimento de seus filhos.
Depois de 1985, fim da ditadura, e
em 1989, eleição de Fernando Afonso Collor de Mello, amplificada pelo processo
de impeachment, os brasileiros começavam a sentir o gozo quase pleno da
experiência democrática. Os anos de chumbo ficaram para trás, sentia-se que
nunca mais experimentaríamos a sensação de golpe e/ou o retorno do fascismo.
O historiador Fernand Braudel
disse que de todas as estruturas existentes na sociedade, a que mais demora a
se modificar é exatamente a mental, ou seja, mudam as correlações politicas,
alteram-se sistemas econômicos, mas as mentalidades permanecem.
O movimento surgido semana atrás em São Paulo, espraiando-se por quase todas as capitais brasileiras, é a
responsável pelo despertar de um sentimento que estava subjacente, porém
adormecido.
O conservadorismo brasileiro,
responsável pela derrota de Luis Inácio Lula da Silva para Collor em 1989,
arrefeceu após oito anos de mandato do até então antigo inimigo do capitalismo
internacional. “Lulinha paz e amor”, em sua nova versão mudou a roupagem, o
discurso, a campanha e a forma de conduzir o sistema político brasileiro. Fez
muitas concessões: beneficiou o agro-business, enriqueceu os banqueiros (nunca
na história do país os bancos tiveram tantos lucros), ampliou benefícios para
universidades privadas, favoreceu o setor da construção civil, aliou-se a
velhos inimigos políticos, enfim, tudo em nome da governabilidade.
Também operou mudanças: retirou
25 milhões de brasileiros da condição de pobreza extrema, recuperou a indústria
naval, a indústria ferro-carril, a indústria da construção civil, recuperou as Universidades
Federais, totalmente sucateadas quadriplicando seu número, o mesmo com os IF
(Institutos Federais), reduziu consideravelmente a taxa de juros para apenas um
digito, criou programas de recuperação econômica (PAC, minha casa, minha vida),
institucionalizou o sistema de cotas, criou a secretária de direitos raciais,
aliou-se a movimentos sociais, como o MST, projetou o Brasil como uma das
maiores potencias econômicas do mundo.
Quer dizer, para a
governabilidade, Lula operou a aliança entre os interesses do grande capital
internacional e nacional e algumas exigências dos movimentos sociais. Enquanto o
cenário econômico internacional era muito favorável tudo ia bem, agora, já no
governo de Dilma, quando a economia internacional desacelera, levando inclusive
a Europa a uma crise estruturante, o clima de paz, de euforia e entusiasmo com
o Brasil cedem lugar e espaço para antigos emblemas de origem fascista. É
sempre assim, todas as vezes que as condições econômicas não são favoráveis,
eclodem sentimentos ultra-conservadores.
O paradoxo de tudo isso é que o
governo Dilma antes das manifestações batia a casa dos 68% de aprovação, a
economia não apresenta os mesmos números da época do seu antecessor, pelo menos
não são catastróficos, o Brasil se tornou a 7º potência do mundo, vai sediar os
dois maiores eventos esportivos no planeta, Copa do Mundo e Olimpíadas, era
literalmente uma ilha de prosperidade ante o caos lá fora.
Então, porque as manifestações?
São várias as razões, a análise não é tão simples assim. Uma delas tem haver
exatamente com o grau de esclarecimento e escolaridade elevados durante os
governos Lula e Dilma. Outra, diz respeito à ampliação e acesso às redes
sociais e virtuais que se constituíram um contraponto aos editoriais da grande
mídia ideologicamente controlados pelo grande capital, permitindo acesso e
esclarecimento sobre o que se passa lá fora e aqui dentro. Há também a questão
da redução do crescimento econômico, o que levou jovens a protestarem contra o
aumento de R$ 0,20 da passagem urbana em São Paulo, embora o problema de fundo
não seja esse, e sim, ampliação dos direitos de mobilidade. O desperdício de
dinheiro público nas obras da Copa e das Olimpíadas sem controle público e sem
transparências engrossam o caldo. Mas as duas grandes de fundo são: a
necessidade de reforma politica e econômica. Vamos lá.
As manifestações apontam para a
não participação de partidos políticos, ou seja, os manifestantes não se
sentiam representados por essas estâncias, um exercício e recado para eles. O sistema democrático dá sinais de seu
esgotamento e legitimidade. A forma de representação politica está desgastada,
há uma nítida separação entre os anseios populares e a forma de configuração
politica nos três poderes: executivo, legislativo e judiciário. O capital
controla o estado, logo, os interesses e a condução da politica não estão
voltados para os interesses da sociedade, e sim, para as demandas capitalistas.
O capitalismo opera sua lógica com aval do regime democrático representativo.
A questão do regime fechado de
votação dos deputados federais cria um empecilho entre a ideia de representação
social, legitimada pelo voto, e os interesses operantes dentro do congresso. A
proposta de votação da PEC-37 que impede o Ministério Público de investigar os
crimes cometidos por políticos é um assalto à própria democracia. A eleição de
um pastor evangélico homofóbico para presidir a comissão dos direitos humanos
leva desconfiança sobre a real necessidade dessas estâncias. Enfim, está claro
que a falência do estado enquanto principio promotor do bem-estar social,
coloca em xeque essa forma de fazer politica. A dinâmica social é muito maior
que as transformações processadas nas estâncias politicas legitimadas e legais.
A politica virou a certificação da barbárie.
Quanto à questão econômica a luta
é contra o modelo econômico imposto ao Brasil e no restante do mundo. Sinais de
esgotamento do sistema capitalista sempre surgiram, mas quando os yuppies e trabalhadores desempregados
ocuparam Waltt Street o sinal vermelho acendeu. Depois, veio a crise
imobiliária nos Estados Unidos, seguido da primavera árabe, que não foi apenas
um reclame politico, como também econômico, até as manifestações no Brasil,
curiosamente uma ilha de prosperidade ante a crise mundial.
A questão de fundo é: se somos a
7ª potencia do mundo, então porque possuímos ainda um dos piores índices de
IDH? Isso vai de encontro ao exíguo reformismo dos governos Lula e Dilma.
Fizeram muito, mas com a arrecadação pública nesses últimos anos poderiam ter
feito muito mais. Ademais, se há tantos gastos com as obras da copa, por que
não construir mais hospitais, escolas, universidades, etc?
O impostômetro colocado no centro
de São Paulo mostra que anos após ano o governo federal arrecada cada vez e
sempre 10 dias antes do que o ano anterior. Enquanto isso, os índices de
violência só aumentam, os usuários de crack idem, falta infraestrutura em quase
tudo nesse país.
Esses elementos, no entanto, não
foram responsáveis pela emergência do sentimento fascista. Ao contrário, o
fascismo estava submerso antes dos anos de governo Lula e Dilma e emergiu com a
radicalidade dos movimentos nas ruas nas últimas semanas. O incomodo é com os
avanços sociais, o debate e a ampliação da união estável do mesmo sexo, o apoio
ao MST e as reformas de base: reforma agrária, habitação, saúde, reforma
econômica e politica.
O que está acontecendo é o
afloramento das grandes divergências ideológicas que sempre existiram no país,
mas estavam escondidas, camufladas. Agora não, as coisas estão claras, as
abertas, estamos num franco campo de disputas de ideias, de direcionamento de
como o país deve ser conduzido.
Por Deus, pela Família, pela
propriedade, pela Pátria, contra o comunismo, esse é o lema do movimento
anunciado nas redes sociais convocando para uma grande marcha nas próximas
semanas.
Qual Deus? O cristão? Então ficam de fora as outras formas de transcendência, de manifestação e culto, desrespeitando inclusive a grande diversidade étnica no país?
Qual Deus? O cristão? Então ficam de fora as outras formas de transcendência, de manifestação e culto, desrespeitando inclusive a grande diversidade étnica no país?
Pela Família? Qual família? A
patriarcal? Ora, os dados do IBGE
apontam que há mais de uma década as famílias brasileiras são mantidas por
mulheres solteiras, quer dizer, aquela concepção nuclear de pai, mãe, filhos
está em processo de retração, emergindo outras experiências, como as da união
estável e da união estável entre pessoas do mesmo sexo.
Pela propriedade? Qual
propriedade? A dos latifundiários, fazendo do Brasil o país de maior conflito
agrário do planeta? Aqui, todos os dias mata-se um lavrador, um camponês. Qual
propriedade? A que privilegia o agro-business, desestruturando famílias
tradicionais que nasceram em solos dos seus ancestrais e agora são expulsas do
campo para as cidades?
Pela pátria? Qual? Não existe uma
única pátria, existem formas distintas de identicidade, formas compósitas de se
pensar a relação entre grupos e nação. Os elementos dísticos nacionais se
resumem a língua, ao território e a alguns elementos culturais.
Contra o comunismo. Isso sim. Ai
está a verdadeira razão da emergência do pensamento fascista. O fascismo foi um
projeto ideológico surgido na Itália e na Alemanha contra o comunismo. O que
está por detrás de tudo isso é a consecução de um projeto higienista que não
aceita o Brasil negro em postos de comando, não admite gays assumirem
publicamente sua condição sexual, camponeses deliberando autonomamente suas
possibilidades de existência, movimentos sociais contestando a forma como o
estado conduz e direciona a vida das pessoas. E sabe por que o fascismo não
aceita? Porque como um braço econômico e autoritário do capitalismo não permite
a falta de regra e de controle dos movimentos e avanços sociais, não concebe
como pessoas possam decidir sobre suas vidas longe da máquina panóptica do
estado, sem a reverberação do consumismo desenfreado, sem a lógica da vida
burguesa que não consegue lidar com contraposição de ideias, com a adversidade.
O fascismo foi denunciado por
intelectuais como Hannah Arendt na Alemanha, Marc Bloch na França, a escola de
Frankfurt também na Alemanha e tantos outros quem foram perseguidos,
assassinados simplesmente porque sabiam do terrível medo, do pesadelo escondido
por detrás de supostas boas intenções.
Agora o Brasil enfim mostra sua
cara, a máscara caiu. Há um grande segmento que não é hospitaleira, boa gente, gente pacifica,
acolhedora coisa nenhuma. É autoritária, racista, preconceituosa, conservadora,
moralista. O Brasil é imperialista, embora sempre tenha criticado os Estados
Unidos, vide o que estamos fazendo com os outros países latino-americanos e com
os africanos no plano econômico.
Sequer queremos ser
latino-americanos, nos auto-intitulamos de sul-americanos, tudo para não nos
identificarmos como nuestros hermanos
do continente.
É preciso lutar contra o
fascismo. Já vimos o estrago que fez na Itália, Alemanha, Espanha e Portugal.
Não precisamos repetir esses erros.
Prof. Henrique, concordo em parte com você, mas vejo sua análise meio partidarista. O povo brasileiro está a dez anos calado, os movimentos sociais como a CUT está se esvaziando, que o diga o SEEB-MA, o MST virou picolé, e os Sindicatos vinculados ao Partido que se dizia dos Trabalhadores, viraram instrumentos de poder. Participei em 2010 de um congresso dos bancários em São Paulo e vi o quanto é ridículo a forma como os petista-cutista-lulistas tratam seus antigos companheiros, imagine o povo... Como querer educação de uma nação violentada? O que é direita e o que é esquerda neste país? O PMDB, O PT, O PSDB,O PCdoB, eles estão todos juntos. E para encerrar, me arriscaria até em dizer que o grito "sem partido" dos movimentos de protestos é, em parte, uma proteção aos partidos vermelhos. O povo que está nas ruas, não são fascistas (até porque seria um anacronismo dizer isso), são os filhos da Revolução Digital, que libertou muita gente das amarras da Globo e Cia.
ResponderExcluirUm grande abraço, professor, desculpe lhe contradizer, mas é o que penso. Grande abraço.
tudo bem querido, mas eu me referia não as manifestantes em geral, mas ao grupo especifico cujo um dos participantes se manifestou hoje afirmando que houve sim aliança entre o movimento integralista e os skinheads, os carecas de são paulo. Meu artigo foi contra a afirmação do marcio hiroshi que disse com todas as letras que a intenção do movimento era desmobilizar os partidos de esquerda. Fiz uma defesa da governabilidade da Dilma, não do PT. Náo sou petista, não tenho partido, mas me assustou saber que há ramificações em são paulo, rio, belo horizonte e porto alegre.
Excluirobrigado pelas criticas, vou refletir.
abraços
Ok, professor.
ResponderExcluirTalvez, nós, historiadores, cientistas sociais e jornalistas, precisemos rever nossos conceitos no que se refere à conjuntura atual. Não faz muitos tempo, era impossível imaginar qualquer tipo de Movimento Social fora da lógica esquerda vs direita, ou melhor, capitalistas vs socialistas, mas parece que as novelas sociais viraram filmes 3D. Talvez Nietzsche esteja certo: existe mesmo algo além do 'bem' e do 'mal'; talvez exista uma terceira ou quem sabe uma quarta dimensão ainda desconhecida nas complexas estruturas sociais do século XXI. Porém, entre tantos talvez, existe uma verdade: estamos fazendo história, sem partido.
Eu gostaria muito, não estou tão convicto. O sistema representativo ainda existe e sequer virou pauta das reivindicações sua supressão. Eu vejo apenas a palavra REFORMA o tempo todo. Eu jamais criticaria as manifestações que bradam a não participação dos políticos, mas também não concordo com expulsar seus representantes à força, o que aconteceu aqui no sábado. Me parece um tanto quanto forçoso isso, embora isso não seja fascista. Fascista é expulsar os partidos e logo em seguida cantar o hino nacional bradando patriotismo exaltado. Isso me assusta,e muito. Outra coisa, em preocupa a reação conservadora brasileira em curso. Ela está em marcha, seu primeiro golpe foi desbancar a constituinte.A sustentação fascista brasileira não está nos movimentos, nas passeatas, está em casa sustentando a violência policial. O que os integralistas fizeram foi infiltrar pessoas no movimento incitando a violência, jogando a opinião pública contra as manifestações. Esse fascismo do sofá é repassado para a opinião publica que legitima a força policial.
ExcluirQuando tudo isso acabar, vamos precisar dos partidos para recompor o novo cenário representativo. Eles podem até serem diferentes, mas ainda assim existiram, a não ser que o movimento radicalize e mude completamente o jogo democrático. Ai sim, poderemos falar de uma terceira ou quarta via sem partidos. Enquanto isso, é necessário dar-mo-nos às mãos porque a reação conservadora virá e temos que estar unidos, senão, perderemos mais uma.
Ainda é cedo para dizer que estamos fazendo história sem partido, afinal, ontem no congresso institucionalmente foram os deputados que derrubaram a PEC-37,claro que por pressão popular.
Não tem como não lembrar de vc, professor, ao contemplar estes acontecimentos históricos.
ResponderExcluirobrigado querida
ExcluirDe todos os discursos, na minha opnião, este aqui esta sendo o mais coerente e democrático até agora.
ResponderExcluirAbç&Art&Alegria...