quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Greve Geral em Portugal: lamentáveis episódios

Chico Buarque, escritor, cantor e compositor brasileiro, na música Meu Caro Amigo, 1976, escrita para o teatrólogo Augusto Boal, remete notícias sobre um Brasil em plena vigência da ditadura militar, retratando como as coisas andavam por lá com frases do tipo: "aqui na terra tão jogando futebol, tem muito samba, muito choro e rock and roll".

Aqui, pelas terras d'além-mar, não há ditadura militar, mas quero lhes dizer que a coisa tá feia. A crise internacional bateu as portas de Portugal, Espanha, Itália, Grécia.

Aconteceu ontem uma das maiores Greves Gerais da história de Portugal. O setor de transporte público funcionou muito precariamente. A TAP, maior empresa aérea portuguesa, quase não operou voos, auto-carros (ônibus) o minimo possível, comboios (trens) e metros (metrôs) não funcionaram. A alternativa era andar de táxi.

Estava na rua da Conceição, em frente a casa onde nasceu Mário de Sá Carneiro, quando ouvi os estampidos de bombas de efeito moral. Não tardou para o policiamento fechar as ruas e resguardar o trânsito. Era uma manifestação política contra as reformas sociais, o desemprego que assola os países acometidos da grave crise econômica européia, notadamente: Portugal, Itália, Espanha e Grécia. Juntei-me em solidariedade aos manifestantes.

Nunca vi um aparato policial daquele tamanho, e olha que milito em questões sociais desde os 15 anos de idade quando fui detido ao fazer boca de urna para o então candidato da esquerda, Luis Inácio Lula da Silva. De lá para cá, já entrei em confronto com a policia em várias ocasiões, sobretudo nas greves da Universidade, mas nunca vi tanto policiais armados. A marcha seguiria até o parlamento português.

A primeira parada foi no Largo do Rossio. Foi ai que deu para avaliar o tamanho da manifestação: tomou todo o largo. Conversei com várias pessoas e demonstravam preocupação com o futuro de Portugal.

Conheci Gabriela, da Galícia, e Thomas, de Milão. Gabriela me reportou a situação espanhola: privatização da saúde e da educação, demissões em massa, o fim do seguro desemprego. Já Thomas me relatou que na Itália a "novidade", além das mencionadas por Gabriela, é a demissão sumária, ou seja, empresas demitem sem justa causa, sem aviso prévio como estratégia de contratação de outros empregados com salários mais baixos.

Essa crise revela a face mais sangrenta da crise capitalista européia. As conquistas históricas da classe trabalhadora foram e estão sendo suprimidas, o cognominado bem-estar social já não existe mais, a condição minima de igualdade social começa a ruir.

Existe um paradoxo nessa crise: o consumo de luxo aumentou, consequentemente, o foço entre ricos e pobres também. A taxa de desemprego em Portugal bateu a casa dos 15,8% . A taxa de pobreza já está em 19%. O governo já aprovou, falta ser votado no Congresso, o aumento de impostos para 2013, a votação será no dia 27 de novembro, além da aprovação de uma lei de incentivo fiscal para captação de empresas que queiram investir no país pagando apenas 10% de impostos.

A insatisfação com o capitalismo estava estampado nas palavras de ordem: "capitalismo humanitário essa é a tanga internacional"; Espanha, Itália, Grécia e Portugal, essa crise é internacional; Fora, fora daqui a miséria, a fome e o FMI; Passos e Cavaco vão ver se chove, não queremos voltar ao século XIX".

A manifestação contou com o apoio de vários sindicatos, coordenado pela CGTP (Comando Geral dos Trabalhadores Portugueses) e terminou em frente ao Parlamento conclamando a dignidade do povo português, solidarizando-se com trabalhadores gregos, espanhóis e italianos presentes, cantando a música da Internacional Socialista. Foi uma das maiores manifestações trabalhista que já vi.

Durante a passeata as lojas cerravam as portas e as pessoas demonstravam apoio e solidariedade aplaudindo a manifestação.

O triste episódio ficou para o final. Após o ato político ficamos concentrados, cantando e bradando palavras de ordem contra a recessão e a crise. De fato alguns manifestantes atiraram pedras na policia que pediu para dispersarmo-nos. Então, de forma violenta, lembrando as ações da policia militar brasileira; truculenta; violenta e corrupta, desceram correndo as escadarias do parlamento na nossa direção e partiram para o ataque de forma covarde, afinal, eramos trabalhadores, estudantes, intelectuais no exercício do direito de livre expressão contra cacetetes, escudos, capacetes e homens fortemente armados.

Agrediram indiscriminadamente quem encontravam pela frente: mulheres, idosos, adolescentes. Foi um ato de extrema violência física e simbólica. Simbólica porque a única justificativa para aquele ato insano que encontrei foi o fato de estarmos há mais de 4 horas nas ruas de Lisboa e em frente ao parlamento português, ou seja, o símbolo do poder em Portugal. Várias pessoas ficaram feridas. Foi muito chocante aquelas cenas.

Essa ação só revela o estado de gravidade da crise. Há um problema de legitimidade de poder em questão. A comunidade européia manda nos países, logo, a discussão perpassa a soberania dos povos, suas identidades e perfis, consequentemente, a forma como cada povo lida com suas crises. O problema é que essa crise não é portuguesa sendo ao mesmo tempo.

Como disse, no dia 27 haverá a votação nesse mesmo parlamento sobre o aumento ou não dos impostos. Ainda que o congresso não aprove, duvido muito, a crise perpassará, afinal, o que está no horizonte é o avanço do capital suprimindo conquistas históricas da classe trabalhadora, o padrão de vida, os investimentos públicos em educação, saúde, habitação.

Eu sou brasileiro, estou acostumado a ir para as ruas lutar para o que o estado invista na melhoria de vida da nossa população, não roube, trate a questão social como de fato dever ser e temos conseguido muito pouco ao longo desses anos, afinal, o Brasil tem um dos piores IDH's do mundo. Estamos muito longe da diminuição da disparidade entre ricos e pobres.

Aqui, se dá o contrário, portugueses, espanhóis, italianos e gregos estão indo às ruas para não perderem garantias mínimas de dignidade.

Aonde isso vai parar? Até onde o capital é capaz de avançar? O que é necessário para a sociedade global se despertar?                   
   

3 comentários:

  1. Ah! a Europa, muitos tem uma visao romantica, que todos sao ricos, nao, nao sao, mas nao chegam a ser tao pobres ou miseraveis e outra a qualidade de vida existe, tranporte, educacao, saude, saneamento, etc., etc.,
    Ah! a Europa e o capitalismo e Portugal, Espanha e Grécia, o que dizem deles os ricos da Alemanha por exemplo que nao produzem nada, que nao tem fábricas, que trabalham pouco e se aposentam cedo e que acham que só o turismo sustenta, entao nao estao alinhados com o capitalismo e outros pagam o pato.
    Ah! a Europa, a Itália ainda se diz que produz alguma coisinha, um exemplo Ferrari ou a Moda produzida em Milao.
    Ah! a Europa, a Franca, estao perto da crise, mas produzem avioes e sao referencia na Moda e em outros quesitos de comportamento.
    Ah! a Europa, a Alemanha é a dona de fato do pedaco, produz quase tudo, palco de cientistas, de escritores, de músicos, nao que os outros países citados nao os tenham tb e como sao orgulhosos da sua língua, mas falam inglês e estudam frances, espanhol, russo e ate latim (estudo dado na educacao basica). Sao capitalistas, sao, e sofrem com a producao barata da China, sim e tem uma assistencia social incrivel no país aos seus e aos estrangeiros legais, qual o defeito? Um resquicio de racismo, nao sao todos, mas nao gostam de estrangeiros, principalmente de turcos e isso se estende a outros países europeus, por exemplo os portugueses nao gostam de brasileiros, na Espanha nao gostam dos sulamericanos de lingua espanhola e por aí vai.
    Ah! a Europa e seu passado de exploracao nas colonias e seu presente de deportacao de estrangeiros.
    Ah! a Europa e outros países nao citados e seu engajamento Henrique interessante, superior de nao fazer como os antigos "olho por olho, dente por dente", como os brasileiros sao sensíveis...

    ResponderExcluir
  2. Oi Henrique,

    Obrigada por partilhar a sua análise!
    Está a ser citada neste artigo do Global Voices:
    http://globalvoicesonline.org/2012/11/16/portugal-general-strike-clashes/

    Abraço,
    Sara

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Sara, tudo bem? obrigado pela postagem. acabei de ver no global voice. gostei do jornal.

      abraços do Henrique

      Excluir

Entrevista com Arton, de Sirius. Parte II

  Entrevista realizada no dia 14 de fevereiro de 2024, às 20:00, com duração de 1': 32'', gravada em um aparelho Motorola one zo...