Para minha amiga Martha Alckmim
“A
literatura retira do mundo seu material, mas devolve ao mundo aquilo que ele
não tem”. Com essa frase,
Martha Alckmin, Professora de Literatura da UFRJ, começou sua brilhante aula sobre
a relação entre literatura e história.
A literatura nasceu como uma das 9 musas gregas, cognominada
de Calíope, não à-toa era
uma das três musas que se relacionavam com a arte de lembrar, além da história,
Clio, e da que era por excelência da memória, Mnemosine.
Logo, história e literatura
seguiriam caminhos dísticos. A segunda tomaria o rumo da mimésis, da verossimilhança e
da representação, a primeira, se encarregaria da apropriação do mundo real,
levando a imaginação histórica a lugares cada vez mais distantes da ficção
literária. Essa distinção, por exemplo, condicionou a literatura a não ter
obrigação de explicar o real, embora o faça, mas quando tem a obrigação de fazê-lo
deixa de ser literatura.
Platão é um dos responsáveis pela configuração de uma nova paideia. A paideia homérica educava pelo
mito, sobretudo a partir das obras Ilíada, cujo personagem central é o
fogo, e a Odisseia, personagem a água. Já na Paideia Platônica, a busca pela
verdade, pela justiça e pelo belo era o grande mote, por esta razão o mito
estaria fora da República,
afinal, estava eivado das paixões, da ira, da fragilidade humana. Não à-toa, Nietzsche, ao
desconstruir o referencial da construção do mundo ocidental a partir de Platão, considerou que a verdadeira filosofia estava nos
pré-socráticos, que pensavam o mundo pelo caos
(combinação dos elementos terra, fogo, água e ar), desordem, e não pela
arquitetura de Platão e Sócrates.
A História seguiria este tipo de segmentação abastardando-se
cada vez mais de Calíope.
Com Heródoto ainda havia uma influência das lendas etiológicas de Homero, por
mais científico que
quisesse transformar este ramo do conhecimento, porém, depois de Tucídides, a segmentação entre essas percepções da vida se
agudizou. Depois vieram os romanos Políbio, Tácito,
Tito Lívio aprofundando a
percepção tucididiana da história corroborando a ideia de que a vida era
a dimensão prosaica e somente nela se encerraria a explicação do mundo e da
vida. Literatura era abstração.
Depois, com a Idade Média e com o advento da
modernidade, a história tomou a conotação
didático-pedagógica de explicação do real. Esse real para os medievais era a comutação da
separação entre Deus e os homens, ou seja, a história passava a ser a narrativa
da introdução do pecado original e como este ato fundava uma explicação de
todos os sofrimentos humanos, logo, a história era a trajetória de como os
homens haviam se distanciado do projeto divino e como seriam reabilitados
quando da segunda volta de Cristo. Já na época moderna, com o declínio do
ideário medieval, a história passava a ser o sentido da evolução humana, da
acumulação de experiências, do saber e aplicação instrumentalizada desta
experiência no plano prático e concreto das relações humanas. Como exemplos da
concepção medieval-teológica da História, temos Santo Agostinho, já da
concepção moderna, Herder, Bossuet, Vico.
A separação entre literatura e história teria seu capítulo mais radical no século
XIX, exatamente quando a concepção contemporânea de ciência tomou forma. A
história optou por distanciar-se ainda mais da literatura e se divorciou da
filosofia. A literatura definiu seu corpus conceitual como uma área à parte, a
saber, nem ciência, nem arte, somente literatura.
No entanto, nem sempre essa separação foi tão radical.
Segundo Martha Alckmim: “o barroco foi uma tentativa de equilíbrio entre
ficção e realidade. Todo discurso humano depende e está permeado de ficções. A
questão não é matar a ficção, mas sim, lidar com ele. Todas as vezes que o
pensamento encontra barreira ele encontra um atalho”.
Por que nestes últimos tempos literatos têm recorrido a explicações
históricas, e historiadores têm se debruçado sobre a
compreensão da narrativa literária? Porque ambas são facetas da mesma dimensão
humana, embora falem de formas diferentes sobre o que é viver. Prosa e poesia
se interpenetram e se complementam.
A literatura é mais que necessária porque a dimensão prosaica
da vida por si só é insuportável, ela retira a dor do mundo e a devolve
resignificada. Como não é possível viver apenas na dimensão literária, a vida
se encarrega de nos trazer de volta. Mas logo não conseguimos nos conter com a
concretude da vida, aí, recorremos de novo à literatura.
Essa relação história e literatura é tão "íntima" que, por isso mesmo sempre é permeada de conflitos e concordâncias, não é mesmo, Henrique?! Adorei o texto. É a partir da linguagem que conseguimos figurar mundos e a linguagem literária, assim como a histórica, constrói nossos prazeres e nossas verdades. Como tu bem escreveste, o real é insuportável. Ele não é e nunca será suficiente.
ResponderExcluirUm cheiro,
Adriana Araújo.
obrigado adriana. tenho cada vez mais me debruçado sobre o assunto. comprei um monte de livros e estou me preparando para me especializar nessa área. amo a literatura e preciso da história.
Excluirabraços