Para José, Mari e Andrés
O exercício de cronicar é o do olhar. Em italiano Cronaca. A Crônica é uma rapsódia, uma
desventura da marcação, da pontuação de uma impressão ou de várias. Em italiano
se diz cronaca para se diferenciar de crônica, em
estado crônico, grave. A atividade da crônica é um estado crônico, terminal em
olhar os lugares como textos.
Em tudo o cronista olha um texto. Ao desembarcar em Caracas,
subi num micro-ônibus da década de 70, todo acolchoado, reformado várias vezes,
luzes internas verdes, som alto, malas entulhadas em todos os lugares, gente
feliz, hospitaleira e o fundo musical de Michael Jackson. Melhor
recepção impossível.
À medida que o micro-ônibus subia a serra que separa o
aeroporto da cidade de Caracas, vi as favelas, as gentes nas ruas, os carros
antigos, as placas da revolução bolivariana, fotos de Hugo Chávez e embora não
tenha tocado, tal cenário era compatível com a música de Michael
Jackson: They Don't Care About Us, mas confesso que só me vinha à mente o grupo Calle13 - Latinoamerica,
tal canção se adequava mais.
No outro dia ao andar lépido pelas ruas,
vi uma frase poética: sólo los originales legan lejos. Todos os dias eu passava pelo
mesmo lugar atinente às lindas venezuelanas com seus inconfundíveis e
desejantes seios épicos turbinados – finalmente entendi por que a Venezuela
possui tantas misses universo e o efeito que isso causou no imaginário feminino
–, quando me dei conta de que tal frase não estava solta, fazia parte de uma
campanha publicitária de peças de carro. Claro, somente as originais, as peças
de carro, te levam mais longe. Para mim já pouco importava, já havia fixado a
frase solta desprendida de seu sentido mercantil, do merchandising da loja de automóveis, enxerguei
apenas o sentido poético. Percebi que o cronista lê o que o apraz.
Tanto assim, me chamaram atenção os
inúmeros painéis nos muros da cidade sobre a história da Venezuela.
Não conheço cidades que contam suas histórias nas paredes dos monumentos e
casas, pelo menos daquela forma. Conta-se a vida das cidades sob outras formas
e óticas, já que a história não é linear e existem múltiplas temporalidades e
não apenas a cronológica. Um painel me chamou a atenção: não está apenas
pintado como também desenhado em alto relevo. Que
rico!!!!! Como diriam os venezuelanos!!!.
As outras formas de leitura estão na
compreensão da doçura, sensibilidade e solidariedade daquele povo. A
Venezuela guarda um Q de latinoamericanidade misturada com sua influência
caribenha. Aquele povo é altamente musical e por toda parte ouve-se sua
sonoridade sinestésica, rica, multifacetada com seus ritmos de rumba, merengue,
salsa, lambada, todas guardadas de afetividade romântica.
Além de musicais são altamente espirituosos. Tive o prazer de assistir em Ávila, montanha de onde pode se ver a cidade de Caracas, a um povoado indígena entre o mar do Caribe e a capital venezuelana, o grande artista de circo, malabarista e palhaço, Ernesto Alves, com sua maestria, destreza em levar sorrisos a todos que, mesmo espantados pela retumbante beleza do lugar, preferiam prestar atenção nele, levando as gargalhadas a partir de situações hilárias do cotidiano. Na verdade, ele compôs a beleza do cenário.
Um cena fílmica guardo no
translado entre Puerto La Cruz e Caracas. Também num micro-ônibus da década de
70, depois de 3 horas de viagem, ainda faltavam 2 até Caracas, paramos num
restaurante de beira de estrada pequeno. Ao descer, cenas parecidas com as do
interior do Brasil, muita gentileza, sorriso fácil, gente alegre e a musicalidade
inconfundível. Já era noite. A música me soprou tão ardentemente pelos ouvidos,
de uma forma tão sonora, tão latina e caribenhamente
que preferiria não seguir viagem e quedar-me ali mesmo, pedir uma
cerveja e saborear aquela cena. Guardei-a comigo. Tenho saudades.
Mas saudade é uma palavra que só existe em
português, foi difícil explicar para Marlyus o que aquela cena
significava, a extensão e por que sentiria falta.
Tudo bem, pois lunar é uma expressão que só existe em
espanhol e se refere a lua cheia, luna
llena, exatamente como naquela
noite em que no meio da viagem, num lugar desconhecido, singelo, bonito,
pequeno, numa parada de ônibus, ouvindo música venezuelana, ao olhar para a lua
cheia eu entendi por que sentiria saudade, como agora estou.
Assim como sinto saudades de José, Mari,
Andrés, Jorge Palomo, Juan Berrizbeitia, Ingrid, Marlyus e a todos que deixavam
seus afazeres para me levar educadamente a algum lugar, numa demonstração de
solidariedade tão rara hoje em dia, isto quando não pagavam meus táxis, casos
como os de Jorge e Juan.
Assim, compreendi que tudo é uma parte do todo.
já tem alguma data especifica do programa darcy ribeiro,
ResponderExcluir18 de marco
Excluirhenrique,desculpa em não comentar suas postagens, pois acredito ate que não precisa a não ser para elogiar, minha ânsia é pelo darcy.
ResponderExcluireu te entendo. as aulas começam dia 18 de março
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