Autor: JOSÉ ANTONIO BASTO
“Quem
vai escutar, quem vai entender/ Ninguém pode mais sofrer / Amor é pra dar/
Viver pra viver / Ninguém pode mais sofrer. [...]” Estes são alguns dos primeiros versos dessa
magnifica canção do imortal artista da Bossa Nova Geraldo Vandré, exilado na Argentina no período ditatorial de 1964,
o mesmo autor de: “Pra não dizer que não
falei das flores”. Vandré na música acima citada relembra o Prólogo do
livro “Espuma Flutuantes”, do Poeta Castro Alves, onde este deixa bem claro
sua viuvez com o mundo, com os amigos, com as moças que passara pelos seus
braços... bate mais forte ali o sopro servil do coração, o pélago da alma mais
sofrida.
A música diz que “amor é pra dar e o mundo inteiro um dia vai
cantar que ninguém pode mais sofrer.” Um cenário recheado de esperanças
onde o “Eu lírico” implora pra não
mais sofrer, talvez por já ter sofrido tanto. Às vezes o sofrimento observado
pelo avesso da arte faz com que a vontade de vencer supra todos os obstáculos
interior da pessoa. O pessimismo exacerbado nem sempre é tão ruim e,
transformado em poesia com certeza fica mais bonito e admirável.
A tragédia, a
desgraça e a solidão enxergada com os olhos da lírica individual, da arte em
geral, percebe-se então um tom especial. Muitas obras de grandes artistas
nasceram da experiência do próprio sofrer e das decepções amorosas, do extinto,
do coração e do exílio.
O jovem poeta Alvares
de Azevedo, maior expoente da terceira geração do romantismo brasileiro, em
sua “Lira dos vinte anos” em
diversos dos seus poemas pode-se perceber a desgraça e o insucesso de amar...ele
não consegue achar o remédio para os condenados criarem e recriarem sua arte,
pois a poesia romântica não é somente pra falar de flores, de amor, do belo...
do positivo em fim...mas do obscuro e da negatividade da vida que ao mesmo
tempo a partir de então se torna
expressivo o interesse de ver e viver. Experiências de amor frustrado como o
poeta Gonçalves Dias viveu desabafando em sua tragédia de amor “Ainda uma vez, adeus”, ele narra o seu
último encontro casual com a jovem Ana Amélia do Vale aquela que os pais o
negaram sua mão num jantar entre amigos, a partir desse momento o poeta envergonha-se...
e auto se exila por amor, vive, sonha, sofre e morre tragado pelo mar num
naufrágio inesperado. Nos versos o poeta declara seu sentimento de culpa por
não ter lutado pela mulher amada de seus sonhos, de sua vida, poderia ele e
tinha força suficiente para desafiar o pai, a família, a sociedade e
preconceito da época para viver eternamente com Ana Amélia do Vale.
Esses são casos que comparadamente
com a música de Vandré prima-se por uma coisa fundamental da produção artística
– “mostrar de fato aquilo que o coração
pede,” isso sim é a verdadeira arte e nem sempre tudo o que está sendo
exposto no momento.
Isso aconteceu muito durante a história e foi comum em
trabalhos feitos por encomendas: O artista plástico espanhol Francisco de Goya foi um desses grandes
exemplos, Goya durante sua vida como artista ganhava seu pão de cada dia
pitando caricaturas de pessoas da nobreza, reis e rainhas... Ele pintava por
encomenda e viveu desse ofício por muito tempo. Com o passar dos anos Goya
descobre uma doença que lhe deixa muito triste e isso então se reflete em sua
arte, ele começa a dar um outro tema para suas criações já não mais por
encomenda; a alegria desapareceu lentamente de suas pinturas, as cores se
tornaram mais escuras e seu modo de pintar ficou mais livre e expressivo.
Sabendo que não iria mais pintar por muito tempo, o artista deixa falar o
coração: telas assombrosas como por exemplo:”El
sueño de larazonproducemonstruos” – onde ele expressa sua força e forma gótica e vivacidade, corujas e
monstros rodeiam um jovem poeta atordoado que dorme lentamente sobre uma
escrivaninha.
Sua obra a partir de então deixa mais exposto o escuro, o negativo...
o seu sofrimento. Foi com esse tema que Goya ganhou popularidade e fama até os
dias de hoje. Viver já é a mais importante coisa que a pessoa deve fazer e
sobretudo a mais célebres das artes. O ser humano é cheio de paradoxos...
contradições; hora para a alegria; hora para o pranto sem controle. Geraldo
Vandré foi um artista desse tipo não apenas em “Ninguém pode mais sofrer”, mas em muitas outras de suas admiráveis
obras. Gandhi estava certo quando afirmou que a vida só tem sentido se não
temos medo dela, pois o coração nem sempre consegue separar as pressões do
dia-a-dia, da carne, da alma e do destino.
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