Dentro da Matrix
Quando o ex-agente da C.I.A. (Companhia de Inteligência
Estadunidense), Edward Snowden,
revelou, momentos antes de ter seu visto de
entrada na Rússia autorizado por um ano, desde que não faça mais revelações
sobre o governo dos Estados Unidos, de que tal país possui uma máquina capaz de
rastrear qualquer troca de informações entre e-mails e celulares em qualquer
lugar do mundo, a percepção de que vivemos numa matrix deixou de ser uma mera
alegoria cinemática para ser realidade.
O filme Matrix, dirigido pelos irmãos Wachowski, de 1999,
correlato de outra película, Avalon, de 2001, do diretor Mamoru Oshii, depois
influenciando o anime Animatrix, 2003, tendo como mentor os
textos de Jean Baudrillard (embora tenha dito que o que mais se aproximava de
seu pensamento tenha sido o filme Show de Truman, de 1998, de
Peter Weir), narra a saga humana encapsulada pelo controle ciberpanóptico
contado em três perspectivas: a ilusão, a descoberta e a redenção, a partir de
metáforas como os arquétipos humanos, também encontradas no cristianismo e em
obras como de Lewis Carrol, Alice no país das maravilhas.
O filme conta como a terra foi sucumbida pela disputa entre
máquinas e homens, tendo sido derrotados esses últimos, sendo escravizados
desde então, servindo como fonte de energia para as primeiras. O elemento
ficcional, ou seja, a criação de um mundo virtual onde as pessoas vivem nas
sombras não sabendo da realidade para além da escuridão, não é em nenhuma
instância mais um elemento de verossimilhança.
O que distinguia o elemento da ficcionalidade da cognominada
realidade era exatamente a inverossimilhança. As pessoas diante das telonas
sabiam, elemento da reflexividade, que somente através dos pixels poderia se
criar um mundo absurdamente distante e diferente do real. Não mais, aliás, esse
é um dos componentes da difícil conjugação e composição do que vem a ser
literatura nos dias de hoje.
Noam Chomski, em recente
entrevista, bradou que as pessoas estão sendo
enganadas o tempo todo e nem sequer sabem que estão. As estratégias da mídia de
entretenimento e convencimento criaram elementos de dispersão e alienação cujos
expectadores vivem as sensações apreendidas pela mídia de forma mais real que
as representações de suas próprias vidas. Esse elemento já havia sido
denunciado por Walter Benjamin em A obra de arte na era de sua
reprodutibilidade técnica.
Que a distância e os interesses pela vida já de algum tempo têm sido solapadas pelas
estratégias de persuasão do capital, via os seus componentes de alienação e
entretenimento investidos na cultura massificada, quer na arte visual,
pictórica, literária e afins desde o início do século XX, inclusive apropriadas
por governos autoritários, não é nenhuma novidade. Agora, controle sobre aquilo
que de mais íntimo um ser humano pode ter, do ponto de vista da privacidade, ao
controlar o que as pessoas falam, ouvem e escrevem em suas caixas postais,
celulares, é a própria confirmação do desejo do controle panóptico do estado
sobre a vida, engabelada e ultrajada pela falsidade democrática de uma nação
que, se julgando a polícia do mundo, fere os princípios irredutíveis e
alienáveis da defesa da vida.
Aliás, sob esse aspecto, a
democracia dos Estados Unidos é
a máxima expressão perversa da tirania, pois
que sob os auspícios de defesa de sua liberdade fere todas as outras. O pior,
com a anuência da sociedade civil estadunidense absorta e alienada na sua
cegueira em considerar legítima
a tirania de seu país.
Quando as coisas atingem esse patamar nada é verdadeiro, legítimo, justificado. Tudo é
matéria da cegueira insana da tentativa de controle político, já que a própria política
virou simulacro da desfaçatez democrática, do combinado binário Republicanos X
Democratas, em que os presidentes desse país são meros fantoches da política de
segurança pré-estabelecida independentemente de quem vencer as eleições para a Casa Branca. Isso explica por que todo ex-presidente dos
Estados Unidos tem o direito de ter acesso a informações secretas, corroborando
a ideia de que são apenas peças de um imenso quebra-cabeças.
O ex-agente aceitou um acordo mesmo sabendo da condição de
sua vida, não poderia passar o resto da sua vida encarcerado
num aeroporto. Aliás, dias antes da concessão de seu visto, E.U.A. e Rússia assinaram um acordo de livre
cooperação sobre informações sigilosas, antecipando e anunciando o que
aconteceria com o ex-agente. Não nos enganemos, ele corre risco de vida.
Dessa forma, a maior
democracia do mundo trata a todos que interpelam seus propósitos; Julian
Assange, do Wikileaks;
vigiando a América do Sul, em especial o Brasil; proibindo o jatinho do
presidente da Bolívia, Evo Morales, de pousar em Portugal, Espanha, Itália e
França.
O que é real nesse mundo de ilusões? Não queremos a tirania,
tampouco o autoritarismo, como também a pseudoliberdade de se viver controlado
pelo aparato do estado, quer dentro de seu próprio país, quer por outro. Sob esse aspecto, viver enganado pelas instituições democráticas
ressoando a barbárie é tão ruim como acordar todos os dias sabendo da existência de restrição de sua
liberdade. Aliás, o que é liberdade? Quais os limites dela?
Snowden tomou a pílula azul, entendeu a matrix, abandonou-a,
luta contra ela, abriu mão de um salário e uma vida mais que confortável em
nome da verdade, da esposa, ele é o nosso Neo e sofre
as consequências disso enquanto boa parte do planeta permanece na
ilusão de viver... Na mais pura ilusão.
O que é verdade e ilusão?
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