quinta-feira, 14 de março de 2013

O fim da película, o fim do cinema?

O pedido de concordata da Kodak e a venda dos negócios de películas fotográficas e de filmes abre uma discussão sobre o conceito clássico de cinema. Com a entrada e produção de filmes digitais, gravados e documentados em HD, o mercado de películas se apequenou, perdeu espaço, continuou a ser custoso e mudou a concepção tradicional de cinema.

Desde este invento pelos irmãos Lumière, passando por Chaplin, Cinema Russo, Alemão, Orson Welles, a criação da poderosa indústria de Hollywood, até o debate na Escola de Frankfurt acerca da reprodutibilidade técnica produzida pelo cinema, esta arte-magia sempre se caracterizou pela reprodução de imagens em película, uma câmara escura, um projetor, uma sala, público. 

Muita coisa mudou desde a invenção dessa técnica. Monopólios de distribuição e produção de filmes, a criação de uma das maiores indústrias do mundo, isso mesmo, cinema virou indústria, passando por modificações técnicas, afetando e sendo afetada por novos meneios de modernismos, a sensibilidade humana foi profundamente atingida. 

Obrigou inclusive a se repensar o conceito de arte, já que é síntese a mistura/fusão das outras 6 artes. O cinema é tridimensionalidade, é movimento, é expansão, perspectiva, plano de fundo. Usando Marshall Berman como argumento, a arte é ao mesmo tempo receptora/promotora das novas sensibilidades humanas, sendo assim, nos fez sonhar ao mesmo tempo que captou os nossos desejos mais visionários.

O problema é a velha questão da tecnologia como caudatária da reprodução do capital. A promoção do cinema enquanto indústria, além de gerar bilhões de dólares, obrigou estúdios, produtores, cineastas, congêneres, a buscarem novas formas de confecção/distribuição de olho no mercado consumidor. Paralelamente a isso apareceu o fenômeno internet/digital, possibilitando as reduções de custo de produção e o surgimento de indústrias como a Bollywood, da Índia, a Nollywood, da Nigéria, quebrando o monopólio estadunidense.

Como toda transformação, toda mudança produz significativas alterações de rota, o fenômeno digital mudou, por conseguinte a própria concepção de cinema para vídeo. Pessoas nas suas próprias casas, com parcos recursos e algum conhecimento de técnica fílmica, linguagem/programa de computador, passaram a fazer filmes e exibi-los na rede mundial. Há vários sucessos e exemplos, inclusive de bilheteria (As bruxas de Blair é um deles).

Para atrair o público que deixou lentamente de frequentar as salas de cinema, a indústria cinematográfica teve que se reinventar, adaptar-se às mudanças, que no fundo são do capital. Passaram a filmar remakes, fazer filmes retrôs, filmar quadrinhos, usar recursos tecnológicos para prender a atenção do público. O cinema deslindou-se cada vez mais para espetáculo, para o entertainment. O caso da minissérie LOST é emblemático: foi a primeira vez que cinema/televisão, internet, pesquisa de opinião, foram utilizados na produção/confecção e forma de conceberem uma série. Os produtores acompanhavam passo a passo a recepção do público para conduzirem os capítulos, além de usarem de mensagens subliminares levando o público a decifrarem quase em tempo real o que iria acontecer nos episódios seguintes.    

A sedução dos filmes 3D (três dimensões) sinalizava que a morte da película era mais que anunciada. Só para se ter uma ideia, Avatar só pôde ser filmado quando enfim surgiu uma tecnologia compatível, possível para a megalomania do projeto. A mesma coisa aconteceu com a saga Star Wars. George Lucas filmou detrás para frente, ou seja, começou sem explicar como tudo havia começado pelo simples fato de que quando havia idealizado não existia tecnologia suficiente para os efeitos que desejara. 

O mundo é dinâmico, é fato. A mesma discussão surgiu quando do aparecimento da fotografia, do próprio cinema, da televisão, do disco vinil, da fita cassete, do VHS, do CD, DVD, do Blue ray, dos filmes 3D, agora 4D, e da polêmica sobre o futuro das películas.

Talvez a questão seja meramente conceitual, ou seja, o cinema passará a ser produção de vídeo, afinal, com a invenção das câmeras fotográficas digitais, o mercado de películas para fotografia praticamente desapareceu, no entanto, a fotografia deixou de existir?

O fim da película representa o fim do cinema? Com certeza não, mas um tipo de cinema fatalmente vai desaparecer para dar lugar a outro                   



6 comentários:

  1. EXCELENTE REFLEXÃO GRANDE HENRIQUE BORRALHO!!!

    MAS LEMBRANDO QUE TEMOS SEMPRE EM MOMENTOS HISTÓRICOS ONDAS DE REFLUXO, NOSTALGIA QUE PROPICIA UM RETORNO PARA OS AMANTES DA BOA QUALIDADE... É O QUE ESTÁ ACONTECENDO COM OS VINIS...

    MAS É ASSIM MESMO, AS CONTRADIÇÕES DE UM SISTEMA COMO O CAPITALISMO...

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    1. Artemio, tem gente até hoje que prefere os vinis, dizem que a qualidade do som é melhor. te confesso que com a câmara digital nunca mais se fez um album de fotografia. vai tudo para o hd. ai, quando ele queima, é o deus dos acuda.

      abraços e obrigado

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  2. A produção de vídeos em detrimento da produção em película está gerando muita discussão entre produtores. Eu acredito que a essência do cinema é o filme (película), o vídeo na verdade é um suporte que ganha espaço pela praticidade, preço e finalização. A estratégia que muitos utilizam é gravar em vídeo e fazer o transfer para película.

    Mas, na verdade, a questão é muito mais ampla. Muitos produtores e diretores locais se quer se dão ao trabalho de entender a diferença. Realizam vídeos e vendem como filmes. Exemplo mais recente é o Ai que vida!, Flor de Abril e a sequencia dessa produção.

    Não sou contra a captura do vídeo, mas a película é fundamental para uma produção cinematográfica. Qualquer grande festival do mundo só aceita inscrição em película, seja o filme que for e isso é importante para valorizar a produção cinematográfica.

    O mercado brasileiro, para variar, nesse quesito é uma bagunça. Henrique, sabes há quanto tempo não há uma produção de longa metragem em película no Maranhão? Nunca houve!

    Frederico machado está finalizando um longa, mas em vídeo, e vai fazer o transfer para película, pois, vai inscrever em festivais internacionais. O Festival Guarnicê, aqui do Maranhão, é exemplo maior da perda de qualidade de produção em função do vídeo. O Guarnicê ainda como Jornada Super 8MM na década de 60 foi pioneiro em produção no país. A partir dele vários festivais no Norte e Nordeste foram criados, destaque para o Ceará, Bahia e Rio Grande do Norte aonde cineastas vieram para o Maranhão para aprender a produzir. No entanto, estancou, parou no tempo e hoje o é Festival Guarnicê de Cinema e vídeo. Destaque para essa denominação, pois, com exceção dos Super 8MM, o Maranhão só ganhava premiações em vídeo com muito esforço, pois, os de melhor filme ficavam com os outros estados.

    Outro detalhe que reflete a falta de desenvolvimento técnico da produção local é que os cineastas e produtores maranhenses de fato nunca chegaram a produzir filmes em película 35mm. A escolha do recurso de gravação em vídeo demonstra que da década de 60 até a primeira década do século XXI não houve desenvolvimento técnico e estético do cinema no Estado a exemplo da história audiovisual brasileira. A película 35mm, por exemplo, consagrada por grandes produtores e fundamental na evolução do cinema presente nos mais avançados estúdios cinematográficos do mundo, nunca foi uma opção dos cineastas maranhenses.

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    1. po bruno, escreve sobre isso cara. vamos publicar aqui no versura?

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    2. esse é um tema interessantíssimo! Primeiro, porque discute um assunto bem delicado. Será que a industria influência o cinema, ou o cinema que influência a industria? No caso Kodak, empresa americana ligada aos avanços técnicos cinematográficos ao longo do século XX, pra se ter ideia do que isso representa, no início do século passado uma câmera kodak tinha um preço quase equivalente ao de um automóvel ford.no mesmo século, já na metade, é a kodak madrinha do Super 8, que virou febre entre os amadores nos estados unidos e no mundo.A concordata prova que a empresa não acompanhou o "boom" tecnológico dos anos 80, e muito mais, indica que hollywood não está mais interessada em películas e muito menos os exibidores.

      Ano passado em um grupo de discussão no Sesc recebemos a visita de um cara que tem uma produtora cinematográfica, Petrini Filmes ( acho!),no papo ele relatou que agora as produtoras e os exibidores recebem cópias digitais dos filmes e que inclusive Lume cinema estava se adaptando a tendencia.A era digital engoliu a película.
      Falando de Maranhão, o Alexandre já tinha tocado no assunto comigo. Acho que de uma maneira geral viver de arte no maranhão é complicado.Em se tratando de cinema, então! Acho que a falta de avanço técnico não é tão simples assim.Falta cursos de cinema,políticas públicas festivais de verdade(sem carta marcada),cineastas antigos que estejam dispostos a ensinar, enfim acho que vocês tem mais conhecimento que eu sobre isso.

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  3. Amigos, trabalho com cinema e afirmo com categoria, o fim das cópias 35mm para os cinemas 80% dos cinemas no Brasil irão fechar as portas.
    De imediato uns 30% irá encerrar as atividades.
    É muito simples entender isto. Os fabricantes de projetores digitais estão trabalhando as distribuidoras no sentido de convence-los da aconomia que os novos aparelhos irá proporcionar, é claro que será bem mais barato distribuir cópias digitais.
    Do outro lado está o exibidor que está sendo obrigado a engolir esta nova proposta e sem o direito do repasse desta economia, os filmes serão alugados pelo mesmo preço da pelicula. Acontece que para adaptar as salas para o novo formato não fica por menos de uns R$ 300.000,00, ai estão dizendo que o BNDS financia esta meleca. Por quantos anos seria esta divida para um pequeno exibidor ? Segundo eu sei a vida util de um projetor digital é de no maximo 10 anos, a manutenção é carissima. A pergunta é, o exibidor que tem uma pequena sala irá conseguir pagar este financiamento ? e quem tiver este dinheiro para investir, irá recuperar seu dinheiro em 10 anos? em 10 anos terá que trocar seus equipamentos e ai ? Não sou contra as mudanças desde que seja para melhor, e o que isto melhora em um Pais que se diz rico mas a maioria de sua população vive na miséria. No brasil muitos adultos, não vou dizer crianças, mas adultos nunca foram assistir a um filme em um cinema por motivos óbvios, o valor do ingresso.
    Será que estes inteligentes não tem uma idéia mais simples de continuar distribuindo cópias 35mm para os cinemas que deseja continuar com este formato e se manter vivo no ramo?
    Paulo Roberto - Cine Tupy

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