(Henrique Borralho e Patrícia Luzio)
Conforme eu avançava, a calçada encurtava. E lá
longe, um céu azul varrido de laranja-ocaso.
Transeuntes, andarilhos, uma bicicleta-cinema projetava um
desenho rabiscado de meninice no vidro da minhoca de metal que corta a
cidade.
Escadas que sobem e descem, gente que vem e vai sem se dar
conta de que talvez suas vidas estivessem projetadas naquela tela-improviso.
E de repente, avisto aquela anca, talvez a mais fascinate
que já vi, pelo volume e cadência num molejo musical – nem precisava ver o
resto que a portava, só ela me chamava os olhos, indo e vindo.
Do outro lado, pari
passu à anca, um morador de rua arrumava sua cama, embolando pilhas de
papelão para suportar o frio do dia e das pessoas que não lhe aqueciam a alma,
nem a pele.
E a menos de cem metros, outro faminto – menos de comida do
que de olhar – chafurdando o lixo. E vi que ali havia restos consideráveis, mas
não para ele que os lançava pelos ares como quem diz “não é deste alimento que
meu corpo tem fome”.
Quem se importa? O trânsito é frenético, as luzes se
acendem à noite, e a pressa não é menos veloz.
Os afazeres dão a tônica do caminhar. Os passos rápidos não
permitem saber quem tem ou não fome. A fome é interna; o frenesi, externo.
Um chamado me acorda: "volta pra casa?".
Estranho: ninguém me espera onde lá, também chafurdo meu lixo, em busca de uma
calma impossível de existir ali.
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