Quando o século XX abriu suas portas, ainda que sob os
auspícios do período vitoriano – a belle époque –, o mundo não se deu
conta da grande catástrofe que se anunciava, exceção de duas vozes: Marx e
Nietzsche. Ambos apregoaram, cada um à sua maneira, que o modelo de vida
preconizado pelo capital, ao contrário dos que o defendiam como a redenção e
salvação do mundo, se tratava na verdade de um aprisionamento e destruição das
relações entre homem-mulher-natureza.
Alguns prelúdios também já demarcavam posição, como os poemas
de Baudelaire criticando a ambiência e a paixão moderna, pletora conspiradora
de que o passado, cada vez mais distante, se tratava da época de um mundo hostil e que deveria ser
esquecido, tanto quanto apagado.
Baudelaire não foi o único; Edgar Allan Poe; Mallarmé;
Fernando Pessoa, e tantos outros, a partir da captação do mundo sensível,
sentiam que algo de fato extraordinário se anunciava com a explosão das
máquinas a vapor, do trem, da invenção do bólido (automóvel), da fotografia,
cinema, moda, telegrafo. No entanto, por detrás destas inovações se escondia um
discurso sobre o modo de vida, que
não poderia até aquele momento ser abastardo de uma grande capacidade de
destruição dos recursos naturais, ou seja, a ideia de desenvolvimento,
progresso, está mais que ladeada com estes princípios, no fundo, se confundiam.
Era como se a explosão da técnica contivesse em si inexoravelmente a degradação
dos recursos naturais, claro, catapultada pela expansão do consumismo.
Há autores que defendem que o problema da terra é a exclusão
social e que nos últimos 300 anos incorporamos 1/3 da população global
completamente separadas do modelo de qualidade de vida. Absolutamente verdade,
já incorporamos setores que dantes jamais imaginariam um dia ter acesso aos
bens de consumo. É bem verdade que também necessitamos incorporar a outra parte
da terra ainda excluída. O problema é que a incorporação não muda o padrão de
consumo, ao contrário, aumenta e não altera a distribuição da riqueza da terra.
O consumo é um problema, o consumismo, ainda mais.
Consumo é uma necessidade. A questão é que há muito tempo,
mesmo antes do American way of life, a noção do consumismo, além de
estar associado à noção de bem-estar, poder, também se relacionou com o
princípio de felicidade, já largamente estudado pela psicanálise desde a década
de 60 do século XX. A psicanálise mostrou como a noção de consumismo se equipou
com o princípio existencial de vida, de cidadania, logo, todos os que estavam
fora desta órbita automaticamente se sentiram excluídos de qualquer noção
razoável de existência.
Hoje, estudos psicanalíticos apontam que o consumismo
fracassou no que tange à noção de felicidade, não é capaz de manter o padrão de
conforto emocional durante muito tempo porque logo conquistado o desejo, ele se
replica e vai em busca de novas conquistas.
A questão é que o consumismo traz consigo uma desgraça: o
esgotamento de recursos naturais. Ao contrário do que se acreditava nos
primórdios da modernidade, a natureza está perdendo a capacidade de manter o
equilíbrio global porque sua reprodução e autorrecuperação são
menores do que a lógica da produção global. Resultado: a equação não
fecha, aliás, bem frisou Althusser.
Tudo o que está ao nosso redor e que foi produzido
artificialmente necessitou de água, a cognominada água virtual. Para se
produzir uma calça jeans são necessários 11.000 litros. Imagina o quanto não é
gasto para se produzir um carro? 400.000 litros.
A substituição das fontes energéticas não renováveis pelas
renováveis e ecologicamente corretas amenizam o problema, mas não resolve a
lógica do consumismo. O problema não está no consumo, mas no consumismo.
Consumismo é excesso, desperdício, extravagância.
O consumismo é fruto de uma longa concepção cultural
alicerçada no capitalismo, alimentada desde o período feudal pelas práticas
cotidianas da aristocracia, alimentada e aperfeiçoada pela burguesia. A bem da
verdade, o consumismo existe desde que as técnicas de reprodução e produção
foram inventadas, o que muda a relação é a amplitude. Técnica, inovação,
produção em larga escala e ideologia capitalista equacionaram uma bomba relógio
pronta para explodir.
A crise hídrica em São Paulo e Rio de Janeiro é apenas a ponta do iceberg de
uma guerra planetária anunciada. A possibilidade de extração de água do Paraíba
do Sul, que abastece a cidade do Rio de Janeiro, já acendeu os ânimos entre os
dois estados e aponta para uma disputa em busca deste recurso natural. Em
vários lugares do mundo já existem guerras por conta do acesso e uso da água.
Ou seja, nosso modelo existencial, se não for mudado radicalmente, levará à
nossa destruição.
Karl Marx profetizou que o capitalismo com sua lógica predatória
levaria à exaustão dos
recursos naturais e sua autodestruição. A primeira parte da profecia já se
cumpriu, veremos a segunda.
Nao se preocupe, Jesus está voltando para salvar todos nós!
ResponderExcluirDe fato, a leitura dos textos de Poe e Baudelaire refletem uma inquietação constante, às vezes até inexplicável, ainda não tinha relacionado isso aos novos dilemas que acompanhavam a virada do século XIX para o século XX, principalmente no que tange a esse novo modelo de vida difundido pela burguesia.
ResponderExcluirExcelente texto, Henrique!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirBrilhante professor !
ResponderExcluirA questão é esperar que um dia a lógica marxista faça sentido na vida das pessoas que não conseguem abrir os olhos pra essas práticas ferozes.Como já dizia Hobbes :"O homem é lobo do próprio homem",sendo assim propenso a autodestruição.
Saudade de suas aulas :)