Mau Presságio
Ligação àquela hora da madrugada é sempre é um mal sinal: ou
alguém morreu ou um vizinho avistou um ladrão assaltando sua casa. Com
problemas de insônia Bernardo já acordou, se é que assim é possível dizer,
sobressaltado com o trim trim do seu
celular. Deu um pulo e na pirueta segurou o coração com a mão. Era Bernadete
chorosa ao telefone pedindo que fosse à sua casa o mais depressa possível.
Agitado e esbaforido deu-lhe um desarranjo intestinal, fruto possivelmente do
nervosismo do trim trim àquela hora,
ou em decorrência das cervejas que tomara na noite passada, noite não, já que
Morfeu não dormiu às voltas do longo papo na noite que avançou no bar dos
poetas, com aquele camarão seco à mesa, aquele espumosa cu de foca, falando
sobre mulheres e machismos.
O fato de se delongar no banheiro só aumentava a angustia de
Bernadete. Era ela de novo perguntando onde estava, se já próximo de sua casa
ou não. Resposta mais plausível só havia uma:
_ Sim, já sai de casa e estou dirigindo... logo logo chego
ai.
Sonolento e sorumbático passa a mão no para-brisa do carro no
afã de retirar a fina camada gelosa de brisa. Liga o som com o espirito de
tentar acalmar os ânimos. Está tocando back to black, de Amy Winehouse.
Gelou!!!!. Suas pupilas se dilatam, seu coração acelera, o que aconteceu,
pensou Bernardo.
Mais agitado e nervoso enfia o pé no acelerador sem se
importar com as montanhas russas dos quebra-molas, ou melhor, quebra-carros.
Numa dessas descidas de um quebra-molas ligeiramente mal construído, daqueles
que os moradores da rua aproveitando a noite, quando não há fiscalização e os
vizinhos dormem, conseguem um punhado de picaretas, enxadas, instrumento,
enfim, começam a esburacar a rua, sem autorização da prefeitura, sem se
importarem com os defeitos na pista após o termino desse suposto redutor de
velocidade, pimba!!!! Atropelou um pombo, cuja carcaça foi arremessada no
para-brisa, espargindo um pouco de sangue, atrapalhando ainda mais a visão e
cujas penas ficaram marcadas no limpador.
O frio na barriga só aumentava. Dirigindo ainda mais nervoso
o telefone toca de novo, de novo Bernadete, mas sem poder atender com medo de
que uma hecatombe tivesse acontecido, lembrando-se de Back to black e do pombo
no para-brisa resolve não atender. A dor de barriga volta, só que com mais
força. Aperta o passo, mas se lembrou que quanto mais a dor de barriga aperta e você
tenta chegar ao local de destino mais são as chances de se borrar todo, então,
prefere manter a velocidade média, cruza as pernas pressionando o abdômen, só
soltando para pisar no freio, já que a outra perna continua no acelerador.
Ainda está distante da casa de Bernadete. Começa a suar frio.
Medo e dor de barriga.
Finalmente avista a casa. Para o carro, abre as portas sem
fechá-las e corre em direção ao primeiro banheiro que avista. Bernadete começa
a esmurrar a porta pedindo pelo amor de Deus que a abra e socorra Pistorius,
nome do seu cachorro que recebeu tal alcunha em deferência ao corredor
sul-africano acusado de assassinar sua namorada. Bernadete optou por esse nome
depois do seu cachorro ter matado Arali, uma galinha, na verdade namorada daquele que seria depois chamado de Pistorius.
Quando Bernardo sai do banheiro, encontra o algoz da namorada
deitado no chão, com febre, fraco e sem forças. Pergunta o que aconteceu e
Bernadete conta que tudo começou depois de um exame feito na clínica
veterinária em que o nada delicado médico-veterinário, na tentativa de combater
uma verminose, enfiou-lhe um supositório de elefante, trazendo sangramento e
deixando-o naquele estado.
Bernardo então carrega seu amigo Pistorius, leva-o até o
carro, deita-o no banco de trás, retira o pombo do para-brisa, joga uma água
lavando o sangue do vidro, passa a mão no porta-luvas, procura um mp3,
seleciona a pasta Roberto Carlos e vai até a música "O Portão". Olha
pelo retrovisor, vê seu amigo deitado no banco, tenta acalmá-lo e
tranquilamente leva-o até uma clínica.
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