quarta-feira, 2 de outubro de 2013

O que dizer de uma sociedade que assassina seus professores?

Sabe, há muitas coisas que não gosto no Brasil: exclusão social, corrupção, injustiça, violência, etc, mas talvez as que mais me indignem sejam a hipocrisia, o falso moralismo, a desfaçatez, a pseudo-democracia racial, o falso cordialismo.

Há países com profundas fissuras e contradições, todos na verdade, mas pelo pouco que os conheço penso que as diferenças são mais nítidas e escancaradas, para o bem e o mal. O Peru, por exemplo, aquele país fantástico em sua formação étnica possui um Museu de La Nacion dedicado à memória dos povos pré-colombianos que deram origem ao povo peruano. No entanto, o último pavimento é dedicado a guerra civil porque passou o pais recentemente e cuja instalação e montagem do acervo foi feita contra a versão do Sendero Luminoso, ou seja, é uma memória a favor da versão militar e oficial deixando de lado outras possibilidades de interpretação. No minimo um escândalo!! Isso é ridículo, mas está exposto. 

No Chile, aquele país fendido pelas feridas da ditadura militar, há claramente um segmento, quase maioria, que apoia Pinochet, odeia Pablo Neruda e considera que o regime de exceção mudou a história do pais para melhor. Um absurdo!!! Mas as contradições estão claras e ninguém faz questão de disfarçar seus posicionamentos. 

Na Argentina, toda quinta-feira há o desfile das madres de la plaza de mayo em memória aos entes desaparecidos durante a ditadura militar. Muita gente não gosta, considera que tocar nesse assunto é deixar abertas as chagas de um tempo que não quer cessar, mas os argentinos fazem questão de pautar o debate abertamente, exigir condenação de torturadores, pedir punição e justiça. 

E no Brasil? A ditadura é um tabu, não há condenados pelas torturas, fala-se que somos um país democrático, mas todos os dias assistimos aos assassinatos de jovens pobres, negros nas periferias das grandes cidades sem prisões e/ou julgamentos justos, mera execução, sem falar no caráter autoritário da policia, despreparada para lidar com manifestações sociais. 

O caso mais recente, mais um, do assassinato da Professora Elisabete da Fonseca, de Artes, 67 anos, morta por infarto após injeção de gás lacrimogênio na cidade do Rio de Janeiro por defender seus direitos enquanto educadora, denota o quanto de autoritário, sangrento, violento é este país e como autoridades, instituições supostamente democráticas, tratam as questões sociais, sem falar no silêncio de uma grande maioria da sociedade que não se manifesta sobre o assunto. Isso é pior, assustador, covarde, inescrupuloso, hediondo que um país pode ter. O silêncio é conivente com qualquer prática arbitrária. 

Tudo isso começou quando em tempos imemoriais, no fundo todos sabemos que tempos são esses, as elites politicas e econômicas deste país implantaram um projeto de mando excluindo segmentos inteiros das decisões políticas, determinou a divisão econômica, estabeleceu as condições de perpetuação no poder. A educação, fator de ajuste e equilíbrio social, foi alijado do planejamento administrativo por saberem dos riscos de uma população politizada e alfabetizada. Posso arriscar que a elite brasileira é supostamente a mais eficiente e competente do mundo quando se trata de estratégia de mandonismo. 

Nem mesmo os dados sobre educação no mundo, os exemplos históricos da Coréia que erradicou o analfabetismo em apenas 10 anos, os exemplos sobre a relação entre educação e qualidade de vida, vide a Noruega, Canadá, são capazes de sensibilizar as classes dirigentes sobre o que significa investir em educação. 

Nem mesmo o crescimento econômico brasileiro nos últimos 20 anos, desde 1994, a redução da desigualdade, foram capazes de mudar a percepção sobre o papel do professor, vitima de violência nas escolas, péssimas estruturas de funcionamento, baixos salários, acometidos de uma série de distúrbios emocionais em decorrência do que sofrem no sistema educacional. Ministrar aulas no Brasil é, sem risco de hipérbole, ir para a guerra. 

O episódio recente da morte da professora Elisabete da Fonseca pela policia militar revela a face mais autoritária da sociedade brasileira que em silêncio consente com essas práticas. Não se indignar é consentir. E nisto o Brasil se torna ainda mais injusto. Vive-se aplacando as marcas de uma guerra civil mais que declarada, aberta em todos os segmentos: saúde, transporte, habitação, e claro, segurança publica. Matar professor, agredir, é colocar no mesmo nível aqueles que são formadores de opinião, formadores de toda a base da sociedade dos bandidos, facínoras, é tratar por baixo um problema de sistema educacional como se fosse de segurança pública. Dizer o que dessa sociedade rica, a 7ª economia do mundo que vai sediar a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas de 2016? 

Os países deveriam boicotar a participação tanto na Copa do Mundo e nas Olimpíadas por não apoiarem o Brasil nessa marcha sangrenta de assassinatos de jovens, adultos, trabalhadores, professores por uma politica excludente, essa máquina de destruir gentes e sonhos. 

Que país é esse que criminosos de colarinho brancos são inocentados, sequer julgados, ou quando vão a julgamento são inocentados, e professores por reivindicarem melhores condições de trabalhos enfrentam a truculências de nossas policias?

Até quando?  

Elisabete da Fonseca que tantas vezes ensinou aos seus alunos o sentido e importância da arte, morre de forma anti-artística, grotesca, brutal, horrenda, anti-bela, exatamente por mostrar nas ruas o quanto ensinar é também transformar, afinal, a arte é viver dignamente.                                

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