Umas
das questões mais intrigantes da humanidade é a ideia de finitude. Sim, porque
à medida que envelhecemos a noção de proximidade com a morte passa a ser uma
constante e por isso um tormento. A humanidade criou vários meneios para
eternizar a existência: obras de arquitetura, estátuas, esfinges, literatura,
artes em geral, religião.
Por
conta da morte, e a morte precisaria ser encarada não como fim, mas como a
outra face do existir, inclusive potencializando o sentido de se estar vivo, a
memória, quer através dos mitos, lendas, história, preconizou uma espécie de
salvo-conduto da existência, afinal, diante da morte física a memória livraria
o ser humano da verdadeira morte, o esquecimento.
Entre
os gregos antigos,
inventou-se até um termo, uma condição política para designar as pessoas que
foram esquecidas: o ostracismo. Ser exilado, ir para o ostracismo, equivalia à
condição mais aviltante da vida, uma espécie de limbo do esquecimento.
Ainda
que o problema da finitude aponte para o futuro, já que só se desaparece no
vir-a-ser ou não ser e não no presente, a questão atormentadora da existência é
o passado, afinal, é no futuro que o passado tem sua grande importância. É no
futuro que se faz o balanço de tudo o que foi vivido;
nisso reside uma dialética da existência: passado e futuro convivem no mesmo
espaço, inclusive presencialmente; no plano
vindouro as marcas daquilo que foi um dia estão presentificadas ocupando o
mesmo grau de importância que as questões vivenciais do momento. Sob esta ótica
o futuro só se torna um desejo se o passado for caracterizado como
significativo e relevante, pois até para se desejar um futuro melhor é
necessário se contrapor ao que já se viveu.
Escritores
como Jean Baudrillard diziam que um lugar sem o peso do passado é um lugar
feliz. Passado visto sob o ângulo
do fardo da história, da obrigação de carregar a tradição, os costumes que mais
pesam sobre os ombros dos indivíduos acorrentando-os de ser o que
quiserem.
Giorgio
Agambem afirmou, na obra O que é contemporâneo?, que o contemporâneo é a descontinuidade, a desconexão com o
ontem, a capacidade da sombra de se fazer ser qualquer coisa.
A
grande questão é que o deslocamento com o ontem é uma sensação, uma
constatação, uma necessidade de desprendimento daquilo que um dia foi.
Historiadores, por exemplo, ao correlacionarem memória e história, afirmam a importância dessas duas
percepções, pois sem elas os indivíduos perdem suas identidades, suas
referencialidades, seus elos com qualquer relação de sociabilidade, tornando-se
incapazes de vínculos familiares, nacionais, pátrios. O problema é quando esses
mesmos sentimentos também são usados para justificar, por exemplo, superioridade
etnocultural.
O
passado por vezes se constitui um problema quando encarado como peso,
fantasmagoria. Fomos educados a acreditar, sobretudo pela influência da física
newtoniana, que é impossível reverter o relógio do tempo, ademais, Bolt e sua
teoria da impossível máquina perfeita,
eternizou a preconização de que o tempo não volta, apenas anda para frente. Sob
uma ótica, sim, a da relação espaço/tempo, massa/aceleração. Do ponto de vista
da imaginação, não.
Filmes
como De volta ao Futuro, About Time, séries de TV
como Lost, por exemplo, brincam com a imaginação possibilitando
idas e vindas ao passado e até mesmo ao futuro. A literatura, por sua vez, não fica atrás, Ulisses, de James Joyce,
dentre tantos, usam o recurso estilístico de voltar ao passado. Tanto o cinema
como a literatura se permitem,
a partir da verossimilhança,
contrariar o que dizem as leis da Física. Nesses campos, o recuo ao passado não é
só possível como pode e deve
ser usado tantas vezes quantas forem
necessários. O problema é que,
quando se muda a engrenagem do passado, altera-se a ordem de fatores no
futuro.
Como
é possível se mudar o passado? Revisitando-o e alterando a ordem das coisas que
afetam a vivência no
presente. Como assim? Não existe uma sobredeterminação de que as coisas
necessariamente deveriam acontecer desta e não daquela forma, tudo é uma
questão de escolha, portanto, existem tendências, não destino. Sendo assim, as
atitudes cometidas no passado poderiam ter sido outras, caso as pessoas
fizessem outras escolhas. Se for possível escolher como as coisas acontecem,
tomar decisões e arcar com as consequências delas, é possível também escolher
como as coisas no passado vão influenciar no futuro, o que terá importância,
como vão nos
afetar.
Funciona
mais ou menos assim. Um filho, no presente, opta por enxergar a criação
rigorosa de um pai, acusando-o de ser o responsável pelo seu acanhamento, pela
timidez, pelos distúrbios comportamentais existentes. Um exercício de
alteridade o leva até ao passado fazendo-o enxergar não o rigor da educação do
pai, mas o amor para com o filho, sua preocupação, sua obstinação em
transformá-lo num grande homem, inclusive reconhecendo que o rigor na educação
o condicionou à disciplina, foco, determinação, firmeza, atitude, compromisso,
seriedade e que tais valores foram essenciais na constituição da pessoa ética e
séria que é no presente.
Ao
optar por enxergar o amor do pai em
vez do rigor da educação, ou melhor, o que havia de positivo no rigor,
ele muda o passado transmutando-o de negativo para positivo, alterando
consequentemente a ordem de fatores constituintes do futuro. O problema é que
alterando o passado altera-se também a ordem de fatores do futuro, ou seja, as
coisas no presente não serão mais
as mesmas.
No
plano da Física Quântica e da Mecânica Quântica,
as coisas estão ainda mais avançadas. Não só é possível alterar o passado como
a constituição de mundos paralelos enceta a multiplicidade da existência,
ampliando o plano da consciência, hoje supostamente limitado ao corpo material.
Sendo assim, vários passados são possíveis como vários futuros coexistindo
inclusive, e o que chamamos de
real, material, concretude, foi a opção que uma das consciências, a maior,
tomou.
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