Adonay Ramos Moreira
Talvez, senhores, o maior desafio de
estarmos vivos não seja somente viver, pois, além de nós, há outros seres que
conosco compartilham esse grande Bem e essa grande Dádiva. Os pássaros, os
animais, as flores, todos eles, na medida de sua existência, gozam a vida e, ao
que parece, sabem viver.
Respirar, movimentar-se ou sentir, nada
disso responde ao grande apelo que é-nos colocado ante o fato de estarmos
vivos. O amor, a falta, os sentidos, até mesmo o vazio, às vezes, comunica-nos
que há sempre algo a mais, há sempre uma ausência, um apelo, algo a cumprir-se.
Assim como as flores, além de belas, buscam
perfume e revelam que, na vida, algo sempre além de nós mesmos deve ser buscado,
vivido, assim também nós buscamos um sentido, uma razão, uma maneira de ser.
Ainda que a busca seja, para alguns, árdua,
ela é extremamente precisa, necessária, pois nos comunica com essa parte de nós
que aspira à eternidade, ao infinito, que não se conforma com o fato de
simplesmente existirmos, de vivermos passivos e entregues por entre as
coisas.
Essa falta de sentido, esse medo, é
justamente isso que deve ser superado, vencido, para depois ser esquecido, como
uma sombra.
E como, senhores, saber, em meio a esse
grande turbilhão que é a vida, o que buscamos, o que nos é preciso, o que
devemos ter? Embora o caminho seja longo e às vezes mesmo difícil, a resposta é
simples: o que buscamos, o que dá sentido para nossa vida é o outro. O outro e
o seu medo, a sua fraqueza, a sua culpa. O outro e o seu amor, sua compreensão,
seu carinho, sua forma de ser. O outro e sua falta, a sua busca, o seu
silêncio, o seu riso, a sua voz. Sim, é o outro que dá sentido às nossas vidas,
pois, na nossa solidão de indivíduo, há sempre algo que deve ser preenchido,
vencido, superado.
Ter os outros como o sentido da vida não
significa esquecermos de nós mesmos. Pelo contrário. O outro também nos ensina
a nos querer a nós mesmos, a nos amar, pois é verdade que, quanto mais seguros
estamos de nosso ser, mais rápido temos acesso ao outro, mais compreendemos,
mais amamos, mais sentimos.
E para aqueles que dizem que a verdadeira
felicidade, o verdadeiro sentido da vida só é encontrado em nós mesmos,
afirmando, assim, que só somos felizes na solidão, devemos dizer, com a mais
plena certeza, que, em verdade, a solidão não existe, que é apenas uma ilusão
de nosso ser, uma quimera.
Para alguns, os mais incrédulos, isso pode
parecer sem sentido, mas sabemos que, como homens, temos o direito de não
compreender. Contudo, é preciso que se afirme: nunca, sob nenhuma hipótese,
jamais estamos sozinhos, pois mesmo quando não há ninguém ao nosso lado, mesmo
quando, trancados em um quarto escuro, exilados de todo e qualquer contato
humano, mesmo assim a solidão não nos toma, pois sempre temos nós mesmos, os
nossos sonhos, a nossa memória, os nossos desejos, a nossa fé. Sempre nos
segredamos baixinho, em conversa com nossa alma. Onde, já então fracassados,
vamos buscar forças para podermos continuar a viver? Em nós, é apenas em nós
mesmos que se encontra esse manancial que, mesmo já vencidos, nos pega pela mão
e nos coloca de volta à viagem. E como, então, podemos dizer que a solidão
existe? Não, ela não é real, pois, mesmo exilados, ainda temos nossa alma para,
junto conosco, continuar a seguir. Isso sobretudo, e, nessa relação, nada, nem
mesmo a solidão, penetra.
Assim, percebemos que é no outro, em nossa
relação com os outros seres, que vamos buscar sentido para nossas vidas, pois,
como acontece a uma flor que, solitária, pode ainda ser bela, mas não gloriosa,
por não ter jardim, assim acontece ao homem que, mesmo podendo viver afastado
dos outros, é-lhe vedado desenvolver todo o seu ser, pois é somente em
comunidade que pode dar tudo de si. Os artistas, os poetas, os homens comuns,
todos eles só se tornam plenos quando convivem com os outros, quando aprendem
que é no outro que preenchemos a nossa falta, é na alegria do outro que
suportamos a nossa tristeza, é na vida do outro que ultrapassamos a nossa
própria morte.
Quem quer que seja que nos tenha feito
existir, se foi Deus ou o simples acaso, o fato é que, em nossa existência, lá
no fundo, foi colocada essa grande necessidade de companhia, essa falta, essa
vontade.
É apenas no outro que me afirmo. É por não
ser ele que sei quem sou. É nele que vou buscar a palavra amiga, o abraço
sincero, o conselho. É por ele que acordamos a cada manhã e cremos ser possível
o dia, mesmo que a realidade nos maltrate. O outro continua a minha obra, me
faz mais forte, me ensina a viver, me ensina a sofrer, me ensina a amar. O
outro complementa a mim e ao mundo porque ele é capaz de fazer aquilo que não
faço, é ele que sabe o que não sei, é ele que sente o que eu não sei sentir. E
isso é recíproco, pois também o outro precisa de mim, é em mim que ele se
afirma, é em mim que ele confia, sou eu quem ele espera.
E essa relação nos fortalece, nos educa. Uma
vida solitária não é de fato uma vida. É, no fundo, uma morte camuflada, pois,
assim como os mortos, um homem solitário está sempre ausente, frio e
incomunicável. E mesmo que digam que o contato com os outros nos corrompe, nos
faz perder sempre alguma coisa, não é isso algo preciso, pois, depois dessa
falha, não nos ergueremos ainda mais fortes?
O outro é a medida de meu ser. É como um espelho
que, mesmo sendo diferente, na sua observação formo uma imagem de mim. Eu sei
que é difícil a tolerância, a compreensão, mas, como tudo na vida, a arte de
compreender e tolerar é também um exercício e, como tal, só pode ser
aperfeiçoada e chegar à excelência na prática, no cotidiano. No fundo, para
chegar ao outro é preciso humildade, mas sobretudo sabedoria, calma e amor.
Alguns poderiam dizer que, em nosso discurso,
esquecemos a morte, e então nos lembrar que, mesmo amando o outro, dela jamais
estaremos salvos; lembrando-nos que o outro da morte não nos livra. Ora, mas
por que deveria fazê-lo? Assim como todas as coisas que existem, a morte é
também necessária e nos impõe ainda mais a necessidade de saber viver.
Talvez seja mesmo esta a função da morte:
mostrar que estamos vivos, que necessitamos do outro, que devemos buscar nele,
durante o pouco tempo que nos concederam existir, o verdadeiro amor, a
verdadeira felicidade. Dizendo-
-nos que é o outro o sentido de nossa vida e que é com ele que
encontramos uma significação para ela. Sim, senhores, são os outros o sentido
de nossa vida e, junto com eles, formamos uma chama finita, mas poderosa,
intensa, que deve ser consumida segundo a segundo, hora a hora, dia a dia, com
amor, com fé e sem pressa.
Adonay
Ramos Moreira é
estudante do Curso de Filosofia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e
autor dos livros Sentimentos e Poemas, ambos de poesia.
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