Uma puxada numa cadeira de um restaurante. Pessoas dispostas
em seus lugares. Sentei-me à cabeceira da esquerda, Márcia ao meu lado,
Protásio na cabeceira à direita, Nauk ao seu, e ao lado dela, Eudes. Pedimos
cervejas, quando uma velha canção começou a tocar ao fundo. Uma boa e velha
lembrança me sobressaltou. Pedi ao garçom que registrasse aquele momento. Ao
olhar a fotografia pelo ecrã do meu celular, dei-me conta de que
aquela cena, a disposição de como estávamos sentados à mesa, eu, Protásio e
Eudes, era uma cena repetida da vida, uma vontade de ser novamente, a reunião
de afetos de um passado justapondo-se naquele momento, acrescida de duas novas
amizades, Nauk e Márcia, a extensão de elos que como ciclos se repetem sem se
quebrarem, apenas aumentando o diâmetro.
15 anos depois, cabelos mais escassos, sobressalência na
barriga, rugas a mais, o peso e a responsabilidade nas costas, estávamos
reunidos numa disposição do que acontecera quando em 1998, no restaurante
Varanda, Eu, Protásio, Eudes e Marcelo, numa fotografia hoje amarelada tirada
por um garçom a pedido meu, sentamos para falar de sonhos e projetos de vida,
das incertezas e auguras, mas, sobretudo, de nossas paixões pelo que fazíamos
ali.
Eram os tempos de nossas pós-graduações no Programa de
História na cidade de Assis, interior de São Paulo. Tempos que a vida suspensa
no ar arrumava os encontros fortuitos de retirantes vindos de todas as partes
do Brasil para ali naquela cidade sorver o que de melhor poderíamos aproveitar.
Tempos difíceis, uns com bolsas de estudos, outros sem, uns com empregos
públicos de professores universitários, outros ainda à procura. Tempos que os
rabiscos de nossas teses e dissertações não passavam de solfejos delirantes de
possíveis hipóteses. A única certeza era o prazer que gozávamos pelas amizades
recém-construídas.
Todas as tardes tomávamos tererê e as noites chimarrão na
casa de Eudes e Protásio. O primeiro, mato-grossense de Aquidauana, o segundo,
um gaúcho de Santa Rosa. Um verdadeiro mosaico, um atlas geográfico de um país
de dimensões continentais. Falávamos de tudo, do que nos separava
culturalmente, do que nos aproximava.
Era como se a vida nos beijasse a boca e tudo se abria como
um leque. Tudo era novo, sobretudo para mim, tão longe e distante do meu torrão
maranhense. Tudo era desafio, instigante, culturalmente estranho,
apaixonadamente fascinante. A cada dia novas pessoas, elos aumentando, vidas
entrelaçando-se, até hoje, para nunca mais soltarem-se.
Cada um tomou seu rumo, fomos nos acomodando nas poltronas
de nossas empreitadas, nos birôs de nossos gabinetes, nas falas enunciantes de
nossas aulas, nas arguições de bancas, em outras funções desempenhadas. Mas a
vida sempre dá um jeito de aproximar aquilo que um dia reuniu.
Ao sentarmos na varanda de um restaurante na cidade de
Dourados, Mato Grosso do Sul, por ocasião de trabalhos acadêmicos,
reencontrei-me com dois grandes amigos que levo para a vida toda, recobrando os
afetos que sempre nos enlaçaram, agradecendo por tudo que fizeram por mim em
momentos tão difíceis e mágicos naquele inesquecível ano de 1998.
Quem me dera poder reunir todos os que entravam na minha
vida para nunca mais saírem, mas todos estavam nas bocas falantes de um passado
presentificado naquele momento, nas memórias vividas e nada embotadas pela
distância e ausência, no desejo de que essa cena se repita como fora a
repetição de outra em outra varanda.
A música que tocou quando começamos a conversar foi VIDA
CIGANA (de César Menotti e Fabiano):
Oh meu amor!\não fique triste\saudade existe para quem sabe
ter\minha vida cigana me afastou de você\por algum tempo vou ter que viver por
aí\longe de você\e do seu carinho\e do seu olhar....
A mesma que tocou há treze anos quando chegamos ao
restaurante Varanda, em Assis, e dali contemplávamos o que nos ofertaria a
vida.
Eu acredito em sincronicidade !! A amizade verdadeira permanece independente do tempo e do espaço. Ainda que os amigos vivam longe dos olhos, de certo eles vivem muito próximos do coração, já dizia a velha canção... Compartilhar esse momento foi muito especial. Inspiração que veio como um raio..záz tráz...rsrs abs
ResponderExcluirQuerida Marcia Mello. Também acredito nisso, aliás, o que torna nossa vida singular, senão os afetos?
Excluirabraços
Canalha, cachorro, bolhão... amo você para sempre!
ResponderExcluirtambém te amo toda vida. fazes muita parte dessa história. és um grande presente da vida pra mim
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