terça-feira, 15 de maio de 2012

A história enquanto síntese

Estamos numa fase de difícil compreensão sobre os desdobramentos sociais e a aplicabilidade de uma teoria, ou teorias, de uma metanarrativa que explique a totalidade social, a bem da verdade, propaga-se muito a morte das metanarrativas. 

O capital muda seu eixo de direção e aponta suas perspectivas de regeneração para mares dantes nunca tão bem navegados, o chamado BRIC (Brasil, Rússia, India e China), o que não exclui também a África, mesmo pobre e miserável. É que não tardará para essa região pobre ser foco, já é, de interesses do grande capital, África do Sul e as regiões da África Central que a China comprou para extração de commodities, além da recuperação econômica de Angola. 

Do ponto de vista político, quem na década de 80 falava na morte do estado, dos nacionalismos, do protecionismo fiscal, tem agora que rever suas concepções desde a ascensão do governo Bush, sua política pós-neo-imperialista, a invasão ao Iraque, Afeganistão, o avanço da extrema direita na Europa, da esquerda na América Latina, das vitórias de Lula, agora Dilma, Evo Morales, Hugo Chaves, da crise e falência do modelo de desenvolvimento europeu, da eleição de Obama, dentre outras questões. 

A democracia, grande bandeira liberal dos Estados Unidos no século XIX e da Europa pós-primeira guerra mundial, já não é mais o encantamento do modelo civilizacional moderno, vide a descoberta das intrínsecas relações entre discurso democrático, o controle do aparato burocrático do estado pela classe dominante, o capital econômico e simbólico no controle das eleições majoritárias, a dependência e corrupção do judiciário, a falência do modelo representativo de estancias como congressos e senados, o avanço da monetarização do espaço político, o controle midiático por grandes corporações, enfim, de todas as instituições que sob o discurso da modernidade dão sinais claros da falência de suas políticas. 

Soma-se a tudo isso, também enquanto consequência disso, a hiper individuação dos sujeitos que, descrentes de qualquer projeto coletivo, não enxergam outra saída a não ser a busca pela felicidade no consumo, qualquer que seja a natureza desse consumo. 

Por que não somos capazes de aprender com o passado? Por que a história não nos ensina nada, uma vez que repetimos sempre os mesmos erros? Para autores como Henri Carr, isso se deve ao fato de que cada fenômeno histórico é singular, logo, como a experiencia faz no fazer-se, as futuras gerações ainda que tenham ciência do que se passou, jamais podem sentir o que se passou, precisam de suas próprias experiencias para tirarem suas conclusões. 

Isso é um desvirtuamento do sentido pedagógico da história. A história é sim a repetição do mesmo, só que em épocas, lugares e pessoas distintas, causando a sensação de que a cada nova experiencia abstrai-se uma nova percepção. De fato é uma nova percepção, porém daquilo já vivido em outras épocas. Sendo assim, a cada nova situação histórica as novas gerações ampliam a compreensão do real vivido a partir de suas experiencias, alargando a compreensão sobre a existência, logo, o nômeno é o mesmo, quando repetido transforma-se em fenômeno, dai porque quando o nômeno se repete temos a sensação de ser novo, pois as pessoas em lugares e posições distintas enxergam o mesmo acontecimento distintamente. Para cada época histórica singularizamos discursivamente todos os fenômenos. 

Isso explica em parte o porque de tantas teorias da história digladiando-se entre si, cada qual mais convicta de sua verdade. Todas elas falam do nômeno, só que de forma diferente. Ao falarem de formas diferentes   ampliam a percepção sobre o passado, sobre a condição humana, alargando a perspectiva analítica, no entanto, muitas das teorias negam contributo de suas apreensões nascidas em correntes antagônicas, como se falassem a partir do nada, algo absurdamente novo, inédito. Todas as correntes filosóficas, históricas ou de qualquer área, falam coisas distintas porque observam de ângulos distintos o fenômeno. O que move o mundo não são as respostas, e sim as perguntas, sendo assim, as teorias são antagônicas porque pautam suas problemáticas a partir de questões especificas, daquilo que as importam, interessam, chamam suas intenções e necessidades. O sentido da história é síntese.  

Quando os hominídeos começaram a fazer desenhos, rabiscos, pinturas rupestres no interior das cavernas, esse movimento foi ao mesmo tempo o nascimento do registro de suas atividades cotidianas, necessidade de controle do que se passava ao redor, o nascimento da arte enquanto sublimação e ascensão sensível e, do pensamento ascético. Nascia a partir daquele momento a humanidade, pois começavam a enxergar sua condição existencial, não apenas biológica. Ser humano é pensar sua condição ontológica e ôntica. 

Quando Heródoto, alavancado como pai da história, enquanto estratégia subrepticia da Europa em inventar o mundo ocidental a partir dos gregos, viaja até o Egito para descobrir o modus vivendis daquela civilização, sua preocupação não era apenas entender o diferente, o outro, como também, constatar em que medida os gregos eram superiores aos egípcios. A identidade é um processo que se faz a partir de si em comparação com o outro. 

Na época moderna, seus impactos radicais na concepção sobre o que era o homem trouxe mudanças sensíveis na forma de enxergar a vida e o passado. Grandes navegações, universidades, epicurismo, estoicismo, hedonismo, capitalismo comercial, burguesia, revolução científica, renascimento, reforma protestante, contra-reforma, imprensa, revoluções, guerras, descoberta da América, teorias filosóficas, Iluminismo, enfim, a cada novo acontecimento histórico diminuía-se a compreensão existente até então sobre a vida e postulava-se uma nova verdade, basta relembrar as teorias existentes até o século XIX; História Narrativa com Heródoto; História Pragmática com Tucídides e a escola romana; História Pedagógica com Santo Agostinho; História Evolutiva com Bossuet, Herder, Vico; História Sociológica com o positivismo.

No século XIX pulularam teorias interpretativas advindas de várias acepções; do romantismo desembocando em Humboldt e Ranke, a escola alemã, em contraposição à concepção francesa, oriunda do radicalismo empiricista e cientifico do iluminismo, além do idealismo, do marxismo, do positivismo e do anarquismo. 

Ranke, romântico e idealista, foi duramente criticado por considerarem seus críticos enquanto ingênuo, infantil, apenas um colecionador de fatos. Ledo engano. Ranke era sim um idealista, portanto, acreditava numa historia fruto de uma composição cosmológica cuja a história era apenas a substanciação, comprovação da existência de um sentido para a vida. Seus críticos, obviamente, por não concordarem com essas postulações, negam seu contributo, invalidaram sua tentativa de explicação sobre a história. Assim avança o conhecimento, negando as perspectivas anteriores e "criando" algo supostamente novo, como se no fundo todas as correntes não transitassem entre si.

Depois no século XX vieram a Escola dos Annales, o neo-positivismo, o estruturalismo, o pós-estruturalismo, a pós-modernidade, o neo-marxismo, esse último calcado na escola russa em meados do século XX, nos trabalhos de Gramsci, da escola de Frankfurt, Rosa Luxemburgo, na escola histórica inglesa, Thompson, por exemplo, em Ginzburg, Chartier, Bourdieu, e que ganha agora novo folego ante o fracasso de premissas como as de Francis Fukuyama e o seu "fim da história", além é claro, na reordenação geopolítica do mundo com o gigante chamado China e no avanço do neo-militarismo estadunidense na era Bush.

Estamos muito longe de entendermos quem somos, o que nos move, para onde vamos. Desde a primeira humanidade, já que alteramos radicalmente a condição humana segundo Hannah Arendt, a busca por sentido  tem sido nosso mote. Essa busca não vai cessar, essa é a nossa condição, premissa existencial. A história  auxilia entendermos como nossos antepassados tomaram determinadas decisões em situações análogas ao presente. 

Não estamos sós, o primeiro homem está em nós.     



                             
                                      

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