Acontece sempre nos meses de
julho quando se dão as férias escolares, boa parte dos professores igualmente
gozam de repouso, inicia – se o período da alta estação turística, a cidade
fica cheia de gente de toda a parte do país e do mundo, as temperaturas são
gélidas atraindo ainda mais gente para a festa da literatura. Um bom período
para escritores profissionais, amadores, apenas amantes da escrita, fazedores
de fanzines, de literatura de cordel, artistas mambembes, saltimbancos, de
comerciante de todo o tipo em busca de uma grande oportunidade de fazer negócio
e de hippies, artistas de rua, exporem seus trabalhos criativos, já que a
atmosfera assim o permite.
Caetano saiu de sua provinciana
e pacata cidade em busca de uma vida menos miserável, sem controle por parte
dos pais há quatro anos atrás vivendo em cada lugar, cada um de cada vez sem
rumo definido, sem teto, abrigo, tendo apenas e tão somente o céu por companhia,
sua mochila com poucas peças de roupa, seu alicate para fazer suas peças
artesanais, sua faquinha amolada e um feixe de palhas de coqueiro embaixo dos
braços. Aprendeu na rua e com outros artesãos o oficio de confeccionar arte a partir
das palhas de coqueiro. Rapidamente, enquanto se aproxima das mesas de bar faze
uma flor, um besouro, um beija-flor. Assim, de bar em bar, de besouro em
besouro consegue o sustento do dia acreditando que a liberdade não imposta da moral
e dos bons costumes é um preço que poucos estão dispostos a pagar, consequentemente,
a comprarem suas próprias liberdades, ainda que em função do outro, já que sem
troca da arte pelo casual de uma mesa de bar não há como contrapor liberdade e fruição
corriqueira.
Naquele ano Caetano decidiu
conhecer a cidade da festa literária. Ouvira dizer que gente descolada de toda
a parte do país e até de outros lugares do mundo para lá vão em busca de troca
de informações, cultura, respirar um ar diferente de gente disposta a se
colocar nas páginas dos livros, tanto autobiográfica quanto escrevendo biografias.
Na segunda noite de festa,
depois do estômago bater-lhe as entranhas, de apertar mais o cinto da calça já esquálida,
decidiu se aproximar de um grupo de pessoas bebendo cachaça ouvindo uma
apresentação de Jongo, exatamente nas pedras daquela cidade histórica que outrora
viu os calos dos escravos e suas costas sofrerem os açoites para as gentes
brancas passarem por sobre seus suores e sangues se misturando à argamassa de
areia, óleo de baleia, conchas trituradas do mar, logo ali, no caís do porto
guardado pela igrejinha e pelos barcos atracados na rampa de acesso, donde
também se pode avistar a curvatura das montanhas repletas de relva da floresta
da mata atlântica que, de tão verde, se mistura à esmeraldina cor da água do
mar.
Fazia frio. Muito frio. À medida
que se aproxima das pessoas em volta da roda de Jongo procurava feito um
telescópio a quem se aprumar. Viu de longe uma linda mulher, tímida, vestida num
longo colorido, brioso, de contorno de sua silhueta magra, esguia, lânguida,
fendida à altura da panturrilha mostrando parte de suas pernas grossas, encostando
na sandália de couro, trançando uma fitilha colorida por entre o dedo maior separando-o
dos demais dedos do pé. Seu cabelo meio encaracolado vinha até a altura dos
ombros e do meio da cabeça uma tiara também colorida estampada deixava à vista seu
rosto simétrico, lindo, coberto por um sorriso tímido e um olhar de soslaio,
envergonhado, ainda que não parasse de olhar para ele. Ele, inerte, sem saber o
que fazer, pela primeira vez ficou atônito e com medo de qualquer aproximação.
Ainda assim, depois de tantas trocas de olhares sem nenhum esboço de ação por
parte dele decidiu puxar sua faquinha amolada, apanhar um punhado de palha de
coqueiro e, à medida que tecia sua arte olhava-a para não perder de vista e
continuar acreditando no que se passava. Tomou coragem, olhou para o céu e
disse consigo que aquela era a hora ou nunca. Se aproximou dela e deu-lhe uma
rosa. Ela sorriu e envergonhada olhou para baixo dando para perceber seu rosto
ruborizado. Silêncio. Nem mesmo os batuques dos tambores quebrava a afonia angustiante
daquele momento. Ela então se aproximou dele e num sotaque desconcertante
disse-lhe:
_ “bamos fumar una marijuana”?
Caetano então tomou-lhe pelo
braço e a levou para um lugar reservado. Ela que possuía uns “beques”, uns
cigarrinhos de maconha enrolados na bolsinha de tirinha que carregava, acendeu
um e começaram a fumar vendo a festa ao longe, a lua por testemunha, o reflexo
da luz na água, o som dos tambores e sorveram o delírio daquele momento.
Logo 大麻, que os chineses
chamavam de Má (caminho da produção de fumo) de origem variada e difusa, ilava
aqueles dois estranhos numa situação no mínimo inusitada. Talvez inebriados
pelo efeito da cannabis, talvez pelo
inusitado do momento, ela decidiu perguntar pelo nome dele:
_ Su nombre?
_ Matraca, ele respondeu, em referência
à sua alcunha recebido exatamente por falar demais.
_. No, no, su nombre miesmo?
_ Caetano.
Começaram a se beijar
ardentemente, ele então passou as mãos nas suas costas, sentir seu hálito,
passou as mãos na cabeça, nos seus cabelos, agarrando seu rosto e olhando pelo
reflexo da luz da lua o fundo dos seus olhos. Ficaram muito tempo assim. Ela
então perguntou se ele tinha fome fazendo mimica com as mãos contraindo os
dedos contra a palma na altura da boca e acenando para o estômago. Ele
respondeu que sim. Ela o tomou pelas mãos e o arrastou até o centro da cidade
pedindo que ele escolhesse em qual restaurante queria comer. Andando de mãos
dadas com aquela beldade se lembrara dos augúrios que passou na vida e até
mesmo das humilhações porque passou naquela mesma cidade semanas antes da festa
literária, quando, pedindo um prato de comida foi enxotado como um cachorro
vira lata sem dono. Andando de mãos dadas com ela, estufando o peito,
altaneiro, sorridente, se sentiu valorizado e respeitado. Escolheu exatamente o
mesmo restaurante que na semana anterior tinha sido expulso, na verdade enxotado
rua afora. Comeu feito um rei. Bebeu vinho, riu de suas não palavras, da falta
de comunicação, de não saber dizer alguma palavra que expressasse o que sentia.
Só sabiam se olhar e rir despudoradamente.
Depois de um jantar à luz de
velas, vinho, um peixe ligeiramente temperado com ervas mediterrânicas,
resolverem absortamente de mãos dadas andarem a esmo pela cidade apenas se
entreolhando. Ele; com um sorriso incontido não cabendo em si; Ela, feliz,
leve, apreciando cada minuto sem a preocupação de explicar nada a ninguém e nem
de dar satisfação a quem quer que seja. Resolverem se refugiar no mesmo local
onde, ele, todas as noites, se aninha, mesmo com o frio, dormir. Não dormiram. Caetano
delicadamente tirou a alça do vestido que cobria seus seios rosados, pequenos e
pontiagudos, passou as mãos com quem acaricia um bibelô pela primeira vez.
Despiu-a toda, viu a barriga delgada, arrancou-lhe a calcinha vendo o monte de
Vênus raspado, lindo, passando ligeiramente os dedos no seu sexo quente e molhado.
Ela estava encharcada de tanto prazer. Passando a língua em todo o seu corpo
imaginou como nos dias em que sentado à beira da praia vê os ricos deslizarem
com suas pranchas amarradas por uma corda sendo puxados por barcos brancos e
caros, assim, era a língua de Caetano a roçar no mar daquela linda mulher. Seu
sexo duro e riste a penetrou lentamente. Ela deu um gemido frêmito de prazer
e começou a arranhar as costas dele sem dizer uma única palavra. Ele queria
ficar horas dentro dela, e ficou. Depois de tanto sexo ela se virou de lado e
dormiu. Ele, com as mãos embaixo da cabeça olhava o céu estrelado e as pequenas
nuvens de frio por sobre eles carregando os ventos da noite nada veloz. Começou
a indagar o sentido de tudo aquilo. Ao perceber que caíra num profundo sono,
abriu a carteira dela a procura dos seus documentos. Com a escuridão da noite,
mesmo com o reflexo da luz viu apenas o primeiro nome e não consegui ler os
demais: Marie.... Não consegue ver o local de nascimento. Pensara não se tratar
de uma assassina, de uma serial killer
ou de alguém que, aproveitando-se de sua condição econômica queria tão somente
se aproveitar. Se deu conta de que pessoas que querem apenas se aproveitar não
tratam o outro tão bem, com tanto carinho, desprendimento, sem pedir nada em
troca, a não ser a companhia. É que ao longo de sua jornada nunca havia sido tratado
com tanta delicadeza. De tanta felicidade, dormiu. E sonhou.
Ao amanhecer percebeu que
Marie não estava ao seu lado, havia saído e deixado apenas a canga onde dormiram.
O peso dos corpos ainda desenhava as silhuetas na canga por sobre a areia, era
ali, um corpo ausente demarcando um corpo que queria se fazer presente, era a
ausência do presente, um olhar para o peso sobre a canga que não queria ver, e
sim, o corpo que havia desenhado tal silhueta na areia. Se levantou e em pé
começou a procurá-la achando que estivesse à beira-mar. Nada. Esperou por horas
na esperança de que ela voltasse, achando que havia se perdido no caminho da
padaria para comprar um pouco de café, pão e leite... Mas nada. Nenhum sinal
dela. Esperou por ela até a tarde quanto enfim se deu conta de que havia ido embora
sem nenhum adeus. A noite anterior havia sido a mais feliz de toda a sua vida, dia
do seu 23º aniversário.
Se levantou, pegou sua mochila
e decidiu ir embora daquela carregando a única coisa dela que a possuía, a
canga, além das lembranças.
No ano seguinte, exatamente
uma semana antes da festa da literatura, Caetano estava de volta aquela mesma
cidade. Durante todas as noites a procurou insistentemente, seu vestido, sua
sandália, sua silhueta. Todas às vezes que via alguém parecido seu coração
acelerava, saia em disparada na esperança de a encontrar. Em vão. A festa
terminou e ele andava com a canga na mão. Decidiu voltar ao lugar onde havia
feito amor, deitou a canga, olhou para o céu e jurou nunca mais voltar ali.
Retornei à Paraty... depois de 10 anos... mas lá estávamos eu...você e nossas meninas.
ResponderExcluirAmei o conto meu amor!
Lúcia Tugeiro
Por curiosidade, esse conto é verdadeiro,e faz parte da vida de vocês? PORRA, UMA LINDA HISTÓRIA.
ResponderExcluirCaro (a) anonimo (a). sou um escritor, um mentiroso, um poeta, um fingidor
ExcluirAaaaaaaaa, que maravilhoso, prof. A riqueza de detalhes deixa a gente extasiado e ao final vc quebra nossas expectativas de finais felizes sempre, quando, por vezes o momento de se estar em gozo da felicidade é o melhor. Eu adorei, mas sei que há muito do eu poético em vc. Abraço
ExcluirMacksa.
Que bom que gostaste Maksa. É do tempo que eu ainda escrevia. Compartilha. Abraços
ExcluirAai
ResponderExcluirPor que o suspiro?
ExcluirAchei hot
ExcluirÉ hot mesmo, mas delicado. Uma aventura que da vontade de viver. Você seria muito bom com contos eróticos.
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