domingo, 7 de agosto de 2011

Por uma ciência anti-produtivista

Meus Caros e caras!

Acaba de ser publicado em francês o movimento chamado de Slow Sciencie, nos mesmos moldes dos movimentos slow food, slow city ou slow travel, todos contra a dinâmica do consumismo das relações sociais, das viagens, da cidade, da comida fast-food, que versam sobre a pressa, a velocidade e aceleração do tempo, a urgência de tudo como se tudo tivesse um tempo definido ou que não pudesse ser sorvido de outra forma.

Assinado por Joel Candau, escrito em 29 de outubro de 2010, mas só publicado em 17 de julho deste ano, o movimento trata do produtivismo academicista, dessa insanidade de tratar o pensamento e a produção cientifica como consumo de qualquer outra coisa. É claro que a alta tecnologia e a ciência de ponta de fato estão nas mãos do capital privado, as grandes pesquisas são financiadas por órgãos e empresas que despejam vultosos capitais para seus interesses, no entanto, o manifesto não trata apenas da questão do financiamento privado em ciência, mas do que aconteceu com o capital intelectual mesmo em universidades públicas em várias partes do mundo que se renderam à escala de produção cientifica aos moldes industriais.

Essa lógica de tratar os pesquisadores por um "ranqueamento" (vou aportuguesar a palavra) a partir dos seus currículos deita raízes no sistema de produção fordista e no modelo americano de produção cientifica. Isso reforça uma cultura do imediatismo, de produção de textos científicos que não dizem nada de novo, são meras repetições do que já foi dito e pesquisado, requentado em congressos que servem muitas das vezes como caça-certificados.

É impossível se publicar tanto com qualidade e ao mesmo tempo dizer coisas novas e significativas. A academia que servia como contraponto à sociedade de consumo, era um lugar de reflexão e resistência à falta de criticidade, agora se tornou um lugar de inserção ao mercado, uma porta de entrada, um cartão de visita para angariar empregos e melhores salários, todo em nome do bem estar pessoal.

Karl Marx já havia dito que tudo no capitalismo pode virar mercadoria, até o pensamento intelectual, pois ele virou. No Brasil mede-se a capacidade e a condição dos professores pelo Curriculo Lattes, ou seja, o lattes é o habitus, no sentido "bourdieniano", a regra de jogo introjetada para demarcar a posição dos pesquisadores dentro do campo cientifico, tudo avaliado e balizado pela toda poderosa CAPES.

Quer financiamento para projeto? Passagem para congressos? Recursos para publicação? Vejamos primeiro o lattes. Se você for bolsista produtividade ou se tiver artigos com qualis A1, A2, A3, tudo bem, senão....

A Pós-Graduação, por excelência, virou lugar de encenação máxima dessa competitividade. O Homus Lattes passa a ser controlado e auferido por uma escala de produção que necessariamente não diz respeito a qualidade do que ele faz, produz, escreve, mas sim, por sua condição de inserção na escala produtivista academicista.

Não estou propondo o fim de critérios de avaliação, nem da meritocracia, em algum nível elas devem existir, mas o processo de classificação baseado nessa escala produtiva não pode ser a única de definição do que é bom ou ruim, ou quem pode estar ou não, contribuir ou não para o desenvolvimento da ciência e do pensamento. E mais, as universidades, quer dizer, os professores, alunos, etc, não podem perder de vista o perigo dessa lógica produtivista, encarar como se fosse um processo de seleção natural das espécies, no caso, os cientistas.

A explicação para isso, além é claro da interconexão entre capital financeiro e intelectual, para mim está relacionado ao fato de alguns professores que assumem lugares de mando e de definições em estancias de legitimação, como agencias de fomento, por exemplo, ao assumirem determinados cargos, envaidecem com a possibilidade do poder real e simbólico ao decidirem a vida de outras pessoas, no caso, seus pares, além de serem oriundos de extratos de classe média e baixa e vêem na escala e hierarquia acadêmica uma estancia de representação de poder social que no fundo gostariam de exercer na vida pública.

Que fique bem claro que aqui não assumo uma posição de outsider, estou enfiado até a jaca na vida acadêmica; sou professor de um mestrado e coordenador operacional de um doutorado interinstitucional, ambos financiado pela CAPES, mas isso não quer dizer que defendo a falta de criticidade a essa lógica produtivista. Participo da vida acadêmica, mesmo burocraticamente, pois acredito que seja um lugar de reflexão.

O movimento slow science propõe a redução e diminuição dos critérios de avaliação, a diminuição do número de projetos de pesquisa, muitos dos quais não dizem nada, a redução do número de publicação sem sentido. Publique-se com qualidade, tudo em nome do tempo que temos e que deveria ser aproveitado com mais qualidade.

O Brasil mais que quadruplicou o numero de doutores nos últimos 5 anos. Pergunto: quantas teses de fato são teses? Qual a lógica da aceleração da formação profissional acadêmica? Vem ai proposta de se acabar com mestrado, ou emendar com a graduação, retirar a pesquisa do mestrado e considerar apenas o trabalho de pesquisa bibliográfica, entre outras coisas.... Em algumas universidades já não existe mais monografia e o nível dos alunos só piora ano após ano...

Por essas e outras defendo o movimento slow science. Não se trata de se acabar com a pesquisa, com a pós-graduação, com critérios e méritos, mas com a lógica do produtivismo em escala industrial do pensamento, afinal, para que essa pressa toda mesmo??????

                                  

5 comentários:

  1. Esses caras têm razão! Gostei da temática. A Nova Ordem Mundia não envelhece nunca. É auto-renovável por nós (?) e moto-contínua? Mandou a gente estudar inglês, comprar uma calça jeans, um tênis legal, um automóvel, um imóvel, ter pressa. Mandou a gente fazer cooper, fazer caminhada (?). Não, caminhar é algo que sugere o ato de pensar, é poético, paisagístico, imaginativo... Mandaram foi a gente andar rápido. E o último decreto saiu ontem. Manda a gente ser corretor de imóvel. Bem ali há um terreno com uma cabaninha decorada estilo shopping que chamam de stand. Inaugurou semana passada e a porra da primeira placa que puseram anunciando venda de imóveis terminava assim: Últimas Unidades! Que lógica perversa, o marketing se movimenta dentro disto. É a lógica da pressa. Galera, corre que tá acabando! E a galera corre e o gerente de vendas sorri e diz: - Tá bombando!
    Quem nunca encarou uma daquelas promoções macdonaldianas que se o pedido não fica pronto em 3 minutos você não paga? Audacioso seria se fosse um risco, mas estes caras nunca jogam pra perder. Sabor? Hambúrguer não tem como ficar bom nem em 3 horas. Questão de gosto!
    Hoje é domingo e se alguém por descuido zapear e parar na Globo, deve ter algum cara tentando ser idiota em 30 segundos. Até pra ser idiota tem que ter pressa agora.
    Propus uma “rapidinha” e ela zombou inteligentemente: - Resolve primeiro teu problema de ejaculação precoce? [pausou, riu e continuou] - Eu só gozo com tempo, com calma! Só no dia seguinte me veio a réplica: - Que tal uma demoradinha? Mas aí ela estava apressada. Caramba, nem o sexo escapa da pressa?
    A Fórmula 1 não me faz muito sentido, a natação, a corrida de 100 metros e outras modalidades. Por que alguém é heroicizado por economizar milésimos de segundos? Diz-se que a Fórmula 1 testa peças, então o piloto de teste oficial é O Cara, mas o piloto de teste dele não?! Cesar Cielo é um dos caras mais rápidos do mundo por 1 ou 2 milésimos de segundos. Em caso de cerco de tubarão deve ser algo realmente útil.
    É inteligente economizar tempo quando temos uma finalidade nobre: ter tempo pra fazer o que a gente gosta. Senão, o tempo que sobra é só o tempo de ficar cansado e a gente não faz nada! Maravilha! Slow ciência, slow sexo, slow food, slow pressa!

    P.S.: Vá ao shopping apenas trocar aquela calça que mandaram a gente comprar, se você provar que é obediente e ser o suficientemente rápido ganha um bônus do sistema: Não paga estacionamento! Mas tem que ter pressa, pois você só tem 15 minutos!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. ocorreu um erro na minha primeira postagem...Ninguém é dono da verdade, nao existe verdade, basta ver o muro de repeticoes das citacoes nos ditos trabalhos acadêmicos, a descoberta, a pesquisa é antiga e agora a cópia é a atualidade... por aqui ninguém tá tao preocupado em consumir , pode parecer que sim, mas nao, a maioria nao tá nem aí p ostentacao, muito pelo contrário guardam costumes tao antigos, o novo e o velho convivem bem...a graduacao já é há muito tempo acoplada ao mestrado, vc pode decidir fazer ou nao, especializacao eles perguntam o que é isso? o lance mesmo é vc ser Doutor e sao poucos que buscam esse título, pq tem que ter dedicacao, nao é quitanda de exibicao... e Karl Marx na parte ocidental ninguém liga, pergunto sobre ele, pq na minha vida acadêmica ele foi muito citado, as pessoas tem o pé meio atrás, mas ele tem seu valor reconhecido na parte oriental, de qualquer forma o capitalismo nao é um leao devorador por estas terras, ele foi adequado dentro duma lógica democrático-social e o privado funciona bem, ninguém reclama, mas senao funcionar as pessoas vao às ruas mesmo, ninguém morre de apego pelo velho e nem de apego pelo novo...

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  4. Adoro a criticidade do seu texto e é muito conveniente à situação dos acadêmicos, pois vez ou outra se encontram as voltas com professores orientadores afim de fundamentar melhor suas produções ou simplesmente encontrarem uma solução para o grande problema de criar uma tese. Não há mais o espaço para a "inquietação"! Eu não posso mais parar e pensar , me questionar devidamente a respeito de alguma coisa que seja de meu profundo interesse e que me leve a uma busca incessante pelo conhecimento, ainda que seja apenas por parte dele. Por outro lado, a pressão acadêmica gera uma produtividade que não se pode negar a importância, apesar de uma preocupação quantitativa absurda.

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  5. http://www.unice.fr/lasmic/PDF/Appel%20pour%20la%20fondation%20du%20mouvement%20Slow%20Science.pdf

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