quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Adeus não, até logo Minas Gerais!


E agora, José? A festa acabou? Por hora sim. 

Sempre me quedei perscrutando o que motivou Carlos Drummond a compor versos como os de José? Para onde José quereria ir quando tudo acabasse? Para Minas Gerais? Mas Minas não há mar, mas tem outras coisas.

A ausência de um mar salgado pode explicar em parte o “jeito desconfiado dos mineiros”, supostamente guarnecendo-se das invasões quais eram submetidos por não saberem quem se escondia atrás das montanhas. Isso mesmo.... Sobretudo na época áurea da mineração havia o medo constante das invasões em decorrência da riqueza que a região produzia, portanto, o jeito desconfiado, um pensamento que não se apresenta de pronto pode estar atrelado a este período. Mas isto é apenas mais um estereótipo, aliás, como qualquer julgamento e tentativa de classificação e definição das pessoas.

Outro estereótipo sobre os mineiros foi vinculado por Otto Lara e reverberado pelo dramaturgo Nelson Rodrigues, o de que “mineiro não é solidário nem no câncer”. Outro equívoco, pessoas são pessoas, rótulos são rótulos. 

Talvez o que demarque uma certa resistência e desconfiança em relação aos mineiros deve-se ao fato de que saíram de Minas Gerais, mais precisamente de Juiz de Fora - cidade onde moramos até o dia de hoje, temos muito carinho e fomos muito felizes -, os tanques de guerra, as tropas do exército que deram o golpe militar em 31 de março de 1964 no Rio de Janeiro. Acontece que o golpe foi tramado pela cúpula das Forças Armadas, apoiado pelos E.U.A, pela família tradicional, pelo empresariado e amplos setores burgueses, no que hoje é mais correto cognominar de golpe civil-empresarial-militar, e não apenas Golpe Militar. Logo, Minas Gerais não é responsável pelo golpe, a sociedade civil-militar-empresarial brasileira o é. 

Para além dos estereótipos, toda impressão é singular, digo, pessoal. Cada um capta o mundo por suas lentes, filtra as informações e resignifica. Minas Gerais sempre povoou meu imaginário.

A primeira imagem que povoou o meu foi um LP de Milton Nascimento, de minha irmã Nelza, quando na minha tenra infância me mostrou uma capa dourada com desenhos de montanhas e um trem soltando fumaça feito pelo próprio Milton, era o disco “Geraes”. Sei de cor todas as faixas.

Montanhas.... Essa é uma imagem forte de Minas. E quando aqui chegamos foi de súbito o que nos chamou a atenção. As grafofagias das montanhas, hoje desnudas pelo desmatamento e pela terrível devastação da atividade mineradora, responsável por uma das maiores tragédias ecológicas do planeta: o vazamento do tanque de resíduos minerais em Mariana, logo a primeira capital do estado, onde tudo começou, já não são mais as mesmas, dizem os mais velhos moradores. Tudo mudou.

Era possível ver ao longe cruzando as sempre perigosas e sinuosas estradas, cachoeiras, uma relva abundante, belas cidades e uma paisagem sem igual. Para nós que somos do litoral, São Luís, cruzar esse estado, quase todo, cada viagem foi um convite a desfrutar de uma paisagem, para nós, inusitada. Aí entendi porque o falar mineiro é sempre mínimo, entrecortado de palavras curtas e imagens cheias de "trens": as montanhas evitam o olhar dos horizontes, ao contrário dos litorâneos com suas metáforas longas e sem fim... Mas isso também é mais um estereótipo.

Ainda assim foram atrás dessas imagens que viemos buscar. Viemos em busca da gastronomia, para muitos a melhor do Brasil, da cachaça que disputa o mesmo título, das cidades históricas - essas sim sem equivalentes -, da musicalidade, dos queijos, doces, do artesanato, das panelas de ferro, cobre, pedra, das cachoeiras, cervejas artesanais e acabamos encontrando um povo fantástico, hospitaleiro, amigo e, contrariando tanto Otto Lara quanto Nelson Rodrigues, solidário até a alma.

O que melhor se leva de um lugar são as experiências com as pessoas. Nada em Minas Gerais teria nos tocado tanto (paisagem, gastronomia, cidades históricas, natureza, cachaça, musicalidade, etc) se o conotativo de tudo isso, as pessoas, não correspondesse a tal singularidade. 

É difícil deixar um lugar com suas relações afetivas porque cada parte da gente fica no lugar como se faltasse algo em nós. Acrescentam-se as vivências, deixa-se uma parte do que somos.

Como é difícil pegar as mesmas estradas que nos trouxeram se despedindo de tudo o que viemos buscar olhando as montanhas que guardo na memória da infância de uma capa dourada, só que agora vista pelo sol que se esconde atrás das montanhas ouvindo as músicas dos LP’s “Minas”, “Geraes” e outras, num pen-drive carinhosamente dado por nosso amigo André Monteiro, poeta. O brilho do sol visto pessoalmente é mais luminoso do que o da capa, as montanhas são maiores e dá para sentir o cheiro desse lugar qual o LP não conseguia transmitir na minha infância. Hoje o sei, sabemos.

Sentiremos saudades até mesmo das vezes engraçada, anedótica disputa entre cruzeirenses e atleticanos e a tentativa de nossos amigos de nos fazer torcer por um dos dois times. Todas as vezes que chegávamos na casa de um cruzeirense eu me assumia como atleticano, na casa de um atleticano, como cruzeirense, quando não retrucava gritando: carijoooooooó, sempre que um atleticano em altíssono bradava:  galoooooooooooo!!!!! Risos...  Galo carijó é o apelido do Tupi, time de Juiz de Fora, ascenso para a segunda divisão do campeonato brasileiro.
 
Agradecemos muitíssimo a Deus por tudo, pelo convívio familiar com Bete, Bira, Júnior, Dedeco e Leleca, aos amigos que deixaremos e levaremos conosco, pelos aprendizados, pelos sabores, cheiros e gostos, pelo futebol aos sábados e os campeonatos pelo glorioso Futebol Clube Amigos do Botti, sempre ficando em último lugar, pelos ensinamentos as nossas filhas na escola Equipe, pelo grupo das poderosas, pelas caminhadas matinais no belíssimo bosque da Universidade Federal de Juiz de Fora, pelas aulas de motociclismo (inclusive pela carteira - Auto Escola Rosana), e, não poderia deixar de mencionar e agradecer, a Pucheu, o Puxa e ao grupo de Estudos de Poesia Brasileira Contemporânea, da UFRJ, qual faço parte e proporcionou tal jornada, pela poesia, enfim, por tudo o que significou essa experiência.

Todas as canções eternamente,
são viagens de ventania,
sede de viver tudo,
Por que sonhos não envelhecem,
coisas dessa vida.
Eu era criança,
e na despedida,
tios na varanda, jipe na estrada
E o coração lá
mandaremos noticias do mundo de lá,
porque chegar e partir são os dois lados da minha viagem
a hora do encontro é também da despedida.

Quando estava terminado esta crônica, nosso amigo Marcionilio me trouxe de presente uma camisa oficial do Cruzeiro....Agora sou mais cruzeiro que atleticano... risos...                      


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