sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Perder e Ganhar



Como é difícil viver em tempos de acumulação consumista e abrir mão de certos “princípios” da propaganda capitalista, tais como: “acontecer”, “se dar bem”, “ser famoso”, “ter” (o que quer que seja), “esbanjar”, “ostentar”. 

Isso não nasceu agora, é fruto de um longo processo histórico de solapamento das antigas relações de sociabilidade; pautadas na confiança mútua, na credibilidade da palavra oral, substituídas pela crescente vitória da competitividade, da burocratização dos espaços e instituições sociais, calcadas na jurisdição da sociedade reflexiva burguesa. 

Os estandartes burgueses assumiram uma espécie de segunda natureza humana, tornando-se hoje, a primeira. É como se a cada nova geração, distante de antigos processos de lutas e sonhos, o único horizonte possível fosse acumular, se dar bem, não construir qualquer projeto de solidariedade ou mesmo utopias.

É cada vez mais comum a lógica do consumo espraiar-se a todos os segmentos humanos: do afetivo ao intelectual. Estamos perdendo a capacidade sensitiva de ter sensibilidade. Tudo se relaciona a uma ideia canhestra de que lutar é perda de tempo, de que as pessoas não mudam, de que qualquer sonho de igualdade é antiquado, que pessoas que ainda empunham bandeiras de fraternidade são chatas e ultrapassadas.

Construímos projetos de vida como se fossem nossos, ainda que muitos não saibam ao certo quando e como tais projetos nascem e como são reproduzidos de forma naturalizada, acreditando piamente que tais modelos são os únicos possíveis, de que não há outra saída.

Ainda assim, notícias e exemplos de angústias, depressões, neuroses, escleroses, obsessões, só se avolumam. O capitalismo, via consumo, não foi capaz de apascentar nossos espíritos, tampouco de nos tornar mais felizes, muito pelo contrário. O físico brasileiro Marcelo Gleiser disse que quando ele pensa na ultramodernidade (atual contemporaneidade) o que lhe vem à cabeça é: velocidade e dispersão. 

Velocidade para quê? Acumular mais para quê? A gente de fato precisa de tudo o que almeja ou que consome? Será mesmo que o volume crescente das demandas subjetivas em busca de mais dinheiro, fama, poder, etc., não são fugas para o vazio que, quando nos damos ao luxo de ouvir nossas vozes internas ao silenciarmos e pararmos de vez em quando, damos conta de que tanta correria não trouxe a felicidade?

Tudo bem que felicidade é um conceito subjetivo, cada um é feliz ao seu modo, no entanto, existem elementos que indicam que o caminho que estamos percorrendo, ao invés de nos levar à felicidade, ainda que seja individual e subjetiva, está nos levando para a infelicidade. Estes sinais são: angústia, depressão, irritabilidade, aceleração, dispersão, competitividade, egolatrismo, individualismo. 

Mas , como parar o projeto que levamos anos buscando e reconhecer que o caminho pode ter sido errado, diante de um mundo que nos cobra “sucesso” o tempo todo?  É preciso coragem para reconhecer que durante anos demos vozes e ouvidos aos outros e nos abandonamos, deixamos de lado o que de fato importava. É preciso coragem para reconhecer que um modelo, projeto de vida, pode ter dado certo até certo ponto, mas já não serve mais. 

Às vezes, perder é ganhar. Abandonar um modelo de vida que só traz infelicidade é o melhor caminho para uma nova trajetória. Viver um dia de cada vez é mais importante que idealizar uma vida inteira pela frente, sobretudo, quando o futuro não está sendo construído no agora. Se a gente não consegue desfrutar do agora, seremos capazes de aproveitar, viver no futuro?





quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

retrovisor

Correa e Sá era um artista plástico em busca do sucesso. Logrou certo êxito na faculdade de Artes Plásticas, donde partiu para a carreira acadêmica. Não tardou e emendou o mestrado, logo depois, o doutorado. Era ao mesmo tempo professor e pintor. Como Professor poderia quietar-se na posição já alcançada, só perderia o lugar na carreira pública se algo de muito grave fizesse. O que o incomodava era sua posição enquanto artista plástico. Já decorria 3 anos de seu último quadro de relativa repercussão.  

Entre o intervalo de uma pintura e outra estudava história da Arte, notadamente a produção dos artistas do século XX e, sua grande especialidade: os do século XIX; a arte ainda embrionária no Brasil, mais precisamente os da província de Torrão - uma região de menor importância do ponto de vista econômico, mas que gaba-se da posição alcançada no século XIX dentro do quadro das Artes Plásticas no Brasil. 

Corrêa e Sá com seus estudos e pesquisas queria entender como uma região sem tradição nas artes em geral havia alcançado tamanha significação, ainda que seus estudos apontassem que havia algo de brado discursivo, do tipo alvissareiro, colocando tal província num lugar além do que de fato fora no século XIX. Ainda assim, isso se constituía como elemento emblemático na sua condição de intelectual e artista, afinal, enquanto artista, se valia da posição, da fama alcançada pela região para notabilizar-se como herdeiro de tal tradição, um certo capital simbólico perpassado de geração a geração. Enquanto intelectual, preferia usar um discurso critico quanto ao mito das origens da região como celeiro de grandes artistas, afinal, isso garantia seu lugar dentro do jogo também discursivo da academia. 

Angustiantemente Correa e Sá buscava a fama. Era demais para ele estar num lugar de pouca expressão artística, sem grande ressonância cultural no plano nacional. Quanto mais ele estudava o passado de Torrão, mais compreendia o peso de uma fantasmagoria de um lugar que, sem perspectivas futuras, exaltava cada vez mais o passado. Os quadros que ele analisava dos artistas do século XIX começavam a aparentar pórticos pesados cuja luz ao fundo projetava sombras, tais como as do mito da caverna de Platão.

Havia uma confusão entre objeto de pesquisa e sua condição enquanto artista. Por que se interessava por um período cujos artistas estavam tão distantes do que ele fazia? Por que procurar entender tal fantasmagoria de um passado supostamente brioso de sua região? O que os seus quadros representavam? Do que falavam? Qual a necessidade em se fazer notar, bradar um suposto grito de emancipação artística se as condições lancinantes do dia-a-dia sinalizavam que, enquanto vivesse em Torrão, dificilmente alcançaria a posição almejada? Aliás, tinha talento para conseguir tal condição?

Essas questões passavam a pesar cada vez na cabeça de Correa e Sá. 

Um dia, depois de descobrir que a fama não viria, deu conta que durante todo esse tempo, sua pesquisa sobre o passado de Torrão e sua condição artística era uma estratagema sub-reptícia para ele se prescrutar, entender a si mesmo. A fantasmagoria de Torrão no presente em só olhar para o passado passara a ser dele também. Havia se tornado tão queixoso quanto aqueles que analisava e estudava, criticando-os ferozmente. 

Foi então que decidiu abandonar a cissiparidade entre professor e artista, entender como se complementavam, bem como deixar de lado a ideia da fama e apenas ser, pintar e dar boas aulas.  

Correa e Sá acordou do seu sono letárgico, pegou as tintas e a tela, foi para o seu ateliê e começou a pintar quadros novos.                 


quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Adeus Nelson Mandela

Abro o computador para ler meus e-mails e me deparo com a noticia da morte do ex-presidente Nelson Mandela. Mandela dispensa apresentações, faz parte parte daquela rara estirpe de gente que ao entregar sua vida, ao invés de perdê-la, ganha-a. 

Líder sul-africano, teve a coragem de enfrentar um regime fruto da mais perversa homogenia racista: o apartheid, regime de segregação étnica que abastardava os negros africanos dos lugares públicos permitidos apenas para os brancos, de origem européia. 

Tal processo se iniciou e era decorrente da neo-colonização européia, cuja a Partilha da África, 1888, dividiu o continente negro entre as potências econômicas europeias, sob a justificativa da luta e bandeira civilizacional, o mal fadado "fardo do homem branco". 

Não bastava o processo colonizador que retirou milhões de vidas durante a época moderna do continente africano, alicerce da acumulação primitiva do capital, sustentada no trabalho escravo, inventando o racismo negro pela cor, o neo-colonialismo, nascido em fins do século XIX e que durou até as décadas de 60 e 70, (ultima nação a se libertar foi Angola, cuja guerra civil deixou sequelas incontáveis), tal ação reeditou o processo de dominação politica e econômica sobre o continente provocando danos que durante muitos anos serão sentidos.

Um desses danos foi curiosamente o processo de descolonização, quando as nações europeias ao deixaram suas antigas colônias, colocaram no poder antigas tribos rivais dando inicio as guerras civis que duram até os dias de hoje. 

No caso da África do Sul, sua colonização esteve a cargo da Inglaterra, mas contou com uma massiva presença holandesa na região. Rica em jazidas de diamante, o pais foi palco de lutas sangrentas entre Zulus, etnia autóctone, e Böhers, de origem européia. 

O resultado desse processo de disputa culminou na formatação, por exemplo, da construção de uma região contígua à Joaenesburgo cognominada de SOWETO, derivação da sigla South Westerns Townships (Bairros do sudoeste) em 1963. Atualmente uma cidade autônoma, Soweto foi o palco de resistência do Apartheid com violentos confrontos com a Policia, como o de 1976, o Massacre de Soweto.    

Nelson Mandela, um dos lideres, foi preso. Se transformou num símbolo de resistência e sua luta ecoou por vários lugares do mundo chamando a atenção sobre o que se passava naquela país. Por conta da sua luta, vários países passaram a boicotar a África do Sul e a pressão pela soltura do líder foi determinante para o fim do regime. Mandela seria o primeiro presidente negro da história da África do Sul. 

Durante a realização da Copa do Mundo de 2010, exatamente na África do Sul, Mandela voltou a surpreender o mundo ao falar de perdão. Ele afirmava que sabia das sequelas e feridas que o regime havia imposto aos irmãos negros e nem com a prisão de todos os brancos sul-africanos, ou mesmo morte, eliminaria anos de humilhação e repressão. No entanto, só havia uma forma de não esquecer, mas tentar aplacar tal passado de ódio e ressentimentos: perdão dos negros aos brancos.

Pode parecer uma tentativa de fazer tábula rasa do passado, mas não era. Mandela visava o futuro, a convivência e sobretudo o aprendizado que anos de exclusão e cadeia, no caso dele, havia lhe transmitido. Somente homens dessa estirpe seriam capazes de uma reflexão humana como essa. 

Não se tratava de não condenar ou procurar os culpados, mas de entender que a nação já não era mais de domínio exclusivo dos negros, e que brancos para o bem e para o mal também haviam construído a nação, ainda que racista, excludente e preconceituosa. 

Acontece que os brancos também refletiram sobre o passado, aprenderam com os erros e votaram em Mandela para a presidência da República, ou seja, estavam dispostos a construírem uma nova nação. Era disso que Mandela se referia. 

Ainda existem traços do passado racista? Muitos e ainda vão permanecer por muito tempo. As sequelas são sociais e econômicas, sobretudo. Porém, construir um futuro não repetindo os erros do passado é melhor que ainda permanecer nos escombros da mutilação racial. 

Mandela morre deixando um legado inquestionável: a lição de que lutar pelo bem comum é a maior bandeira que os seres humanos possam carregar. O que nos torna dignos, decentes, eminentemente humanos não é o tamanho de nossas contas bancárias, mas a possibilidade de um mundo melhor. 

Sem Mandela a África do Sul seria pior.                             

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

O fim da separação entre história e literatura

O FIM DA SEPARAÇÃO ENTRE HISTÓRIA E LITERATURA


RESUMO:
O presente artigo discute como duas linguagens interpretativas do mundo, nascidas como musas gregas, Clio e Caliope, respectivamente, História e Literatura, foram, ao longo dos tempos, constituindo-se como campos autônomos do conhecimento, a tal ponto de serem consideradas antônimas, ainda que suas epistemologias estejam alicerçadas na tentativa de compreensão acerca da existência. A proposta se insere numa perspectiva revisionista de seus campos de atuação, suas metodologias, visando o fim das barreiras, das fronteiras que abastardam essas duas linguagens, dentro de uma visão holística, integralizadora, aos moldes da teoria da complexidade.
Palavras-chave: história, literatura, ciência, holismo.

ABSTRACT:

This article discusses how two interpretive languages ​​of the world, born like Greek Muses, Clio and Caliope respectively, History and Literature, were over time constituting themselves as autonomous fields of knowledge, to the point of being considered analogous, though epistemologies are grounded in the attempt of understanding about existence. The proposal is part of a revisionist view of their fields, their methodologies, aiming at the end of the barriers, borders abastardam that these two languages ​​within a holistic, integralizing, the molds of complexity theory.
Keywords: history, literature, science, holism



Artigo publicado na Revista Contemporânea, do Núcleo de Estudos Contemporâneos, da UFF. http://www.historia.uff.br/nec/sites/default/files/1_O_fim_da_separacao_entre_literatura_e_historia_3.pdf



  
O fim da separação entre literatura e história

José Henrique de Paula Borralho[1]

A história humana não se desenrola apenas nos campos de batalhas e nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios, nas casas de jogos, nos prostibulos, nos colégios, nas usinas, nos namoros de esquinas. Disso eu quis fazer a minha poesia. Dessa matéria humilhe e humilhada, dessa vida obscura e injustiçada, porque o canto não pode ser uma traição à vida, e só é justo só cantar se o nosso canto arrasta consigo as pessoas e as coisas que não tem voz (Ferreira Gullar – Corpo a corpo com a linguagem).

            Uma forma indelével de dizibilidade sobre a existência, expressa numa pletora plataforma da linguagem, como a escrita, deu origem a um conjunto de sentidos estéticos e signicos[2] sobre a vida, tal como a literatura[3]. Esse corpus sintagmático e semântico[4] de  representação do mundo em várias partes foi ganhando forma e conotação específica, contudo, em qualquer lugar sempre expressou uma vertente da existência escapável sob a perspectiva de como o sentido acerca da cognominada realidade social era apreendida. A literatura quer no mundo árabe[5], nas tradições orais africanas[6] ou mesmo na Grécia Clássica[7] assumiu uma característica de entrecruzamento entre as condições objetivas do mundo dito real e da subjetividade.

Nasceu como uma das nove musas gregas, cognominada de Caliope, não à-toa era um das três que se relacionavam com a arte de lembrar, juntamente com a da história, Clio, e aquela que era por excelência da memória, Mnemosine.

A história nascida da filosofia, paulatinamente, assumiu um valor moral, um elemento da paidéia a serviço do constructo cultural para demonstrar a superioridade grega em relação aos povos, que lhes eram paralelos. O caráter da investigação, que deu ao termo o sentido da história, separava-se aos poucos dos seus elementos intrínsecos filosóficos, assumindo, dessa forma, uma característica autônoma, independente, como se a reflexão, por conseguinte metodologia[8], fosse distinta da poesia e da filosofia.

A História seguiria este tipo de segmentação abastardando-se, cada vez mais, de Caliope. Com Heródoto, ainda havia uma influência das lendas etiológicas de Homero, por mais científico que quisesse transformar este ramo do conhecimento, porém, depois de Tucídides, a segmentação entre essas percepções da vida se agudizou. Depois, vieram os romanos Polibio, Tacito, Tito Livio aprofundando a percepção tucididiana da história corroborando a ideia que a vida era a dimensão prosaica e somente nela se encerraria a explicação do mundo e da vida. Literatura era abstração.

Logo história e literatura seguiriam caminhos distintos. A segunda tomaria o rumo da mimesis, da verossimilhança, da inverossimilhança e da representação. A primeira se encarregaria da apropriação do mundo real, levando a imaginação histórica a lugares cada vez mais distantes da ficção literária. Essa distinção, por exemplo, condicionou a literatura a não ter obrigação de explicar o real, embora o faça, mas quando tem a obrigação de fazê-lo deixa de ser literatura. “A literatura retira do mundo seu material, mas lhe devolve aquilo que o mundo não tem”, segundo Martha Alckmim[9].

Platão é um dos responsáveis pela configuração de uma nova paidéia[10]. A paidéia homérica educava pelo mito, sobretudo a partir das obras Ilíada, cujo personagem central é o fogo, e da Odisseia que tem a água como protagonista. Já na Paidéia Platônica, a busca pela verdade, pela justiça e pelo belo era o grande mote, por esta razão o mito estaria fora da República, afinal, estava eivado das paixões, da ira, da fragilidade humana. Não à-toa, Nietzsche ao desconstruir o referencial da construção do mundo ocidental, a partir de Platão, considerou que a verdadeira filosofia estava nos pré-socráticos que pensavam o mundo pelo caos (combinação dos elementos terra, fogo, água e ar), pela desordem, e não pela arquitetura de Platão e Sócrates.

Platão, no Banquete, e mais detidamente no Fedro[11], estabeleceu a divisão entre filosofia, poesia e história. A filosofia se encarregou de um tipo de elaboração metafísica, de capturar o plano das ideias, já que o pensador se encarregara da missão de seccionar o mundo entre real e imaterial, objetivo e espiritual, concreto e metafísico. Começava uma operação de distribuição funcional das linguagens codificadoras do pensamento, num certo sentido uma idiossincrasia, pois, os vários ramos do pensamento nasceram da filosofia, da preocupação axiológica de descoberta do mundo, de desvelamento dos mecanismos interpretativos acerca da condição social.

Separado do mito e nascido a partir dela, o discurso filosófico precisava se notabilizar como estratégia de legitimação de seus argumentos, conotando seu loci operandi, enquanto argumento mais verdadeiro de tudo o que fosse diferente dela, o que os gregos cognominaram na distinção entre doxa e ephisthéme[12].

Assim a poesia e a história, estrategicamente utilizadas como instrumentos da pedagogização da política, de transmissão de valores dos governantes gregos, eram ao mesmo tempo uma característica mnemônica de perpetuação de valores, de dominação e de transmissão de ideias, uma faceta da paidéia[13].

O elemento axial presente na elaboração e formulação da investigação filosófica é o mesmo na história e na literatura nascente de então. A questão, o leitmotiv que unificava as respectivas áreas era saber o que era e como se apresentava o logus, embora a partir das disposições que foram assumindo ao longo dos tempos conotaram uma forma de perguntar, de abordar o nômeno de tal maneira que depois transformado em fenômeno presente e interpretado nas distintas áreas, estas passaram a ser empírica e epistemologicamente distintas de fato.

O que move a descoberta filosófica? Qual é o elemento indizível da poesia, da literatura? Qual a necessidade da história em perscrutar a origem das coisas? Como essas perguntas partiram de pontos distintos, diferentes também foram as respostas, logo, distintos também foram os caminhos que filosofia, literatura e história trilharam.

Nos casos específicos das distinções entre literatura e história, ambas nascidas como musas – Caliope e Clio, carregam como símbolo de identidade o globo ambas são filhas da memória, ambas interpretam e representam o mundo e, por conseguinte, também são responsáveis por uma construção sígnica da cultura, das características das identicidades dos povos, do que faz a memória ser filha e responsável pelos sentidos da história e da literatura.

História e memória não são a mesma coisa. A primeira se nutre da segunda para estabelecer a cronologia dos fatos e ao fazer isso organiza a memória. Esta é espontânea, pode ser organizada e não possui os critérios de cientificidade, de organização da história como método, portanto, ao ser espontânea, por vezes, necessita dos nexos causais que a metodologia histórica possui organizando-a, para estabelecer correlações e dar sentido àquilo que existe dentro da vivência dos indivíduos e que se ligam a um processo mais abrangente que suas experiências sensoriais.

A mesma relação acontece com a literatura e a memória. A literatura está vinculada ao mundo pelos sentidos apriorísticos da poesis e da prosa. Prosa, enquanto linguagem e sentido, ou seja, um tipo de construção sígnica da palavra organizadora de uma forma de interpretação da vida, como se o texto fosse, ao mesmo tempo, interpretação e codificação dos elementos compreensíveis da realidade. O texto escrito, estabelecido como primazia da comunicação, da transmissão e transmutação de valores, desde que suplantou a tradição oral, constitui-se como instrumento de validade, de reverberação das interpretações sociais, bem como das relações de poder e transladação de categorização social.

Ninguém escreve literatura a partir do nada, abstraindo-se de suas formações socioculturais, das imersões e dos jogos da conjugação interativa com meio, logo, da memória que carrega consigo, reverberando em formato de um texto literário. Tais relações, retiradas do meio social, são devolvidas ao mundo transformado já em reinterpretação, não uma descrição da realidade, mas uma possibilidade de enxergá-la, ainda sendo tal interpretação o próprio mundo visto sob outro ângulo.

Essa foi uma das principais características que demarcaram a diferença entre literatura e história, não que necessariamente sejam a mesma coisa, e sim, porque se constituíram historicamente como discursos análogos, distintos, como se ambas não fossem formas de apropriação da realidade, qualquer que seja a realidade, tanto a palpável, descrito em texto prosaico, quanto a realidade “imaginada” existente na caracterização subjetiva do escritor transposto para o texto literário.

Segundo esta proposição, Pesavento diz (1998; p. 13):

O que distingue o discurso histórico do literário é a modalidade de leitura que ele tenta provocar. O texto mais radicalmente ficcional é dominado pela categoria da empatia, da identificação, a qual está também presente na obra histórica. Já o texto histórico inclui alguma distância entre o leitor e o discurso do historiador.

A objetivação do discurso histórico obedeceu a analogia da separação entre mundo das ideias e o mundo real, ficando a tradição mnemônica, herdeira de Clio, uma das responsáveis pela descrição da práxis social, enquanto o caráter subjetivo, indelével da expressão dos sentimentos compungidos, da existência do que existe, mas não pode ser descrito, sob o enlace da literatura.

Isso não aconteceu por acaso, ainda que a necessidade de entendimento e decodificação do mundo tenha compartimentalizado os ramos dos saberes, as várias formas de desenvolvimento do pensamento e, por conseguinte, as distintas formas de expressão da existência.

A história, herdeira de uma tradição mnemónica, passou de uma caracterização oral – mítica, fruto da lenda etiológica[14], no caso dos gregos – para a formalização do texto, após o surgimento da escrita, como instrumento de transmissão de valores, de códigos sociais, da estruturação do poder, do papel do estado, da hierarquia dos grupos dominantes e de uma relação étnica, a bem da verdade, etnocêntrica, de disputa e afirmação de um grupo social sobre o outro.

Quer dizer, a história deslindava-se de sua operacionalidade epistemológica para também uma constituição axiológica. Ter história, ainda que qualquer grupo humano tenha, comutou-se a um conjunto de valores sociais definidores do que é ser um povo ou não, ser civilização ou não, ter cultura ou não, ter história ou não.

A literatura não escapou desta perspectiva. Interpretada como uma das sublimes expressões da arte e beleza, desenvolver literatura, ou seja, “resgatar”, advogar, conotar,  ter uma literatura, também foi associada ao longo dos tempos como característica de cultura erudita, dos códigos sociais balizadores e diferenciadores entre ter cultura ou não ter, ser civilizado ou não, possuir uma capacidade de abstração, de reflexão, de sublimação que outros povos, supostamente, não possuíam.

Sendo assim, para uma determinada sociedade possuir os elementos computados enquanto tradição literária, sistema literário, conceito que a crítica literária contemporânea rechaça[15], significava dizer que determinada sociedade obedecia aos critérios norteadores do que vinha a ser literatura, forma de expressão da vida configurada como bela letra, leia-se: dizer do belo, de uma forma que a crueza da vida, que o empirismo e o pragmatismo não eram capazes de capturar.

Isto obedecia a dois princípios, pelo menos. O primeiro, relacionado à especificidade que os agentes sociais, encarregados de manutenção do status quo foram assumindo dentro de cada cultura, como escribas, historiógrafos, políticos, oradores, prosadores, cronistas. À medida que as disposições sociais iam se estabelecendo e ganhando corporeidade, que os habitus[16], para usar uma expressão de Bourdieu, foram se estruturando, um tipo de discurso sobre o imaterial, o espiritual, o plano metafisico, o mundo das ideias, foi abastardo para outro segmento, deslocado de sua condição objetiva, enquanto propriedade de descrição sobre as formas de apreensão do mundo.

Desta feita, a necessidade de descrição da realidade foi assumida pelos ramos dos saberes de caráter formal, como a história, por exemplo, cuja linguagem associava-se às características políticas, dos grupos dominantes que, balizados pela comprovação pelo documento, do latim, documentarie,[17] provar, foram assumindo. Outro, relacionado à necessidade de elevação espiritual e sublimação da vida pela cultura, tal como a literatura fazia e faz, quer dizer, o texto literário constitui-se como uma necessidade premente de dizer sobre a vida de uma forma diferente de qualquer outro discurso, ainda que sua descrição necessariamente não provasse nada.

Por que, qual a necessidade de constituição de uma linguagem distinta de qualquer outra como a literatura? Porque a vida não se encerra no plano do concreto, do imediato, do pragmático. A separação entre discurso formal e objetivo do discurso e linguagem literária era ao mesmo tempo um elemento sócio-constitutivo das condições históricas que segmentaram os agentes encarregados de tal função, bem como uma expansão da criação e inventividade humana. A vida se encarregou, pelo caráter do narratário, de dizer sobre si mesma de uma forma diferente que a linguagem prosaica e cientifica faziam.

Tudo o que se pode dizer de um texto literário não pertence, pois, ao estudo literário. O contexto pertinente para o estudo literário de um texto literário não o contexto de origem desse texto, mas a sociedade que faz dele um uso literário, separando-os de seu contexto de origem. Assim, a crítica biográfica ou sociológica, ou a que explica a obra pela tradição literária (Sainte-Beuve, Taine, Brunetiére), todas elas variantes da crítica histórica, podem ser consideradas exteriores à literatura (COMPAGNON, 2006, p. 45).
A questão sempre permeou a dicotomica apreensão entre o mundo das ideias e o plano da concretude, cuja disputa por posições e condições sociais estabeleceu uma forma de representação encapsulada em linguagem poética e prosaica, como se o estilo e forma da linguagem, no caso a escrita, fosse a própria encarnação, e não a representação - colocar-se no lugar de duas condições apriorísticas da vida. Ou seja, a prosa e toda reverberação linguística de suas formas assumiu uma conotação de expressão da práxis, dos locis viventes, logo, dos estabelecimentos sígnicos de tudo o que dizia respeito à praticidade da vida, ao passo que a poética, por seu turno, foi, ao longo dos tempos, uma forma conceitual de expressão do que existe, mas não nominável, tampouco apreendido, a saber, os sentimentos mais compungidos.

Isso sempre correlacionou a diferença entre o espaço do vivido e dos sentimentos, como se estes últimos fossem uma esfera existencial abastada da logicidade prática das condições objetivas, garantindo assim um meneio, monopólio de todos aqueles que controlavam os aparatos burocráticos do estado por parte da escrita, caso dos escribas, encarregados da função de legibilidade urbana pela condição de decodificadores, guardiães do texto escrito, quer dizer, da operacionalização do controle social, vez que constituídos os mecanismos de compreensão sobre o poder, do ponto de vista de sua configuração espiritual, era necessário a sua estruturação burocrática e administrativa, por isso a importância de leis, códigos e um conjuntos de textos escritos garantidos da transmissão da hierarquia social e subsunção dos que passavam cada vez mais a depender da estruturação do estado.

Isto implica em dizer que a vida foi paulatinamente segmentada, dividida entre uma esfera prática, organizada também por um tipo de escrita prosaica, e uma subjetiva, representação por um tipo de escrita poética.

A separação entre os discursos histórico e literário era ao mesmo uma reverberação da segmentação da vida, da burocratização do espaço social, da constituição de funções e disposições políticas, do desencantamento do mundo, operado pelo processo de racionalização e modernização da política, no caso específico da Europa.

Com a Idade Média e com o advento da modernidade, a história tomou a conotação didático-pedagógica de explicação do real. Esse real para os medievos era a comutação da separação entre Deus e os homens, ou seja, a história passava a ser a narrativa da introdução do pecado original e como este ato fundava uma explicação de todos os sofrimentos humanos, logo, a história era a trajetória de como os homens haviam se distanciado do projeto divino e como seriam reabilitados quando da segunda volta de Cristo.

Já na época moderna, com o declínio do ideário medieval, a história passava a ser o sentido da evolução humana, da acumulação do saber e aplicação instrumentalizada desta experiência no plano prático e concreto das relações humanas. Como exemplos da concepção medieval-teológica da História, temos Santo Agostinho; da concepção moderna, Herder, Bossuet, Vico.
Segundo Hannah Arendt (2002, p. 89):

Na época moderna a História emergiu como algo que jamais fora antes. Ela não mais compôs-se dos feitos e sofrimentos dos homens, e não contou mais a estória de eventos que afetaram a vida dos homens; tornou-se um processo feito pelo homem, o único processo global cuja existência se deveu exclusivamente à raça humana.
   
A separação entre literatura e história teria seu capítulo mais radical no século XIX, exatamente quando a concepção contemporânea de ciência tomou forma. A história optou por distanciar-se ainda mais da literatura e se divorciou da filosofia. A literatura definiu seu corpus conceitual como uma área à parte, a saber, nem ciência, nem arte, somente literatura.

O problema da objetividade científica, tal como foi colocado no século XIX, devia-se à auto-incompreensão histórica e à conclusão filosófica em tão larga medida que se tornou difícil reconhecer o verdadeiro problema em jogo, o problema da imparcialidade, de fato decisivo não somente para a “ciência” da história como para toda a Historiografia oriunda da poesia e do contar histórias (ARENDT, 2002, p. 81).

No entanto, nem sempre essa separação foi tão radical. Segundo Martha Alckmim: “o Barroco foi uma tentativa de equilíbrio entre ficção e realidade. Todo discurso humano depende e está permeado de ficções. A questão não é matar a ficção, mas sim, lidar com ela. Todas as vezes que o pensamento encontra barreira ele encontra um atalho”[18]

O desencantamento do mundo europeu significou a passagem das relações de transcendência religiosa para o âmbito da imanência política, alicerçada pelo longo processo renascentista de ajuste, ressignificação do papel do cristianismo, enquanto única forma de interpretação do mundo para uma forma e veia laicizadas, cujo processo de modernização foi operado pela política, a partir da criação dos estados nacionais, do estado moderno, da nova política.

Vide os textos de Maquiavel, Thomas More, Hobbes, John Locke e Rousseau, sobre a criação da ciência moderna, cujas maiores expressões são Descartes e Bacon, sobre o novo papel da economia, vide a noção de economia política do estado moderno, a criação e o surgimento do capitalismo, da nova geo-politica a partir da chegada dos europeus a América, da reconfiguração politica do mundo com o deslocamento para o oceano atlântico, bem como do papel da nova religião, o protestantismo e todo o impacto que tal evento operou no imaginário social europeu[19].

O desencantamento do mundo significou o deslocamento da proteção divina, a forma de enxergar a vida e as relações sociais sob o enlace e invólucros divinos, transcendente, para a uma forma racional, moderna, uma reengenharia social em que a vida era retirada das mãos de Deus para a dos homens, ou seja, a vida não era o estabelecimento do nexo causal entre divindade e humanidade, e sim, da responsabilização, do compromisso em criar uma nova vida, um novo humanismo no qual os grandes responsáveis pela trajetória humana eram os próprios homens, no dizer de Hannah Arendt (2002), a passagem do homem da condição de criatura para a de criador.

A história assumiu um papel preponderante nisso, embora do ponto de vista intelectual assumisse uma função secundária. Os historiadores modernos, os antiquários, eram catalogadores de informação sobre o passado, enciclopedistas subsidiários da informação para ramos do conhecimento como, por exemplo, filosofia. O papel assumido pela história dizia respeito à função étnico-cultural de como o passado, a tradição, a identidade dos povos europeus foram legitimadas por um discurso da vitória, da supremacia civilizacional impingida pela técnica, conhecimento e suas respectivas tecnologias.

Ainda assim a história não ensinava nada, tão somente era um repositório de informações acerca do passado, sem grandes elucubrações, a reboque da indagação da filosofia. Paralelamente a isso, a literatura já no século XVIII ganhou sua configuração moderna, sobretudo com o aparecimento do romance, o que para Walter Benjamim era a expressão do surgimento do individualismo moderno.
Segundo Walter Benjamin (1994, p. 54):

A matriz do romance é o individuo em sua solidão, o homem que não pode mais falar exemplarmente sobre suas preocupações, a quem ninguém pode dar conselhos, e que não sabe dar conselhos a ninguém. Escrever um romance significa descrever a existência humana, levando o incomensurável ao paroxismo.              

Mais do que nunca assumiu a perspectiva do beletrismo, alicerçada pela noção de evolução cultural, de ares civilizacionais, do francês civilization, diferenciado da noção alemão de volkstun; cultura, cultura de um povo.

Segundo Eagletlon (2006, p. 53):

Por que ler literatura? A resposta, em suma, era a de que tal literatura tornava as pessoas melhores. Poucas razões poderiam ter sido mais persuasivas. Quando, alguns anos depois da criação de Scrutiny, as tropas aliadas chegaram aos campos de concentração para prender comandantes que haviam passado suas horas de lazer com um volume de Goethe, tornou-se clara a necessidade de explicações. Se a leitura de obras literárias realmente tornava os homens melhores, então isso não ocorria de maneira imaginada pelos eufóricos partidários dessa teoria. Era possível explorar “a grande tradição” do romance inglês e acreditar que com isso levantam-se questões de valor fundamental – questão de uma relevância vital para a vida de homens e mulheres desperdiçadas em trabalhos infrutíferos nas fábricas do capitalismo industrial.  

Civilization, em francês, correlacionava distinguir as sociedades “elevadas”, eruditas, as que tinham cultura das que supostamente não tinham. A literatura nesse âmbito era uma baliza, um elemento avaliador das sociedades consideradas avançadas das supostamente atrasadas, incivilizadas. Tal correlação que a literatura passou a ter, sobretudo na França do século XVIII, foi semelhante ao impacto que a literatura de Shakespeare acarretou na Inglaterra no século XVII, ainda que os romances de Rousseau[20] tenham ensaiado tal entusiasmo da França no mesmo período.

O papel que a França irá exercer sobre o mundo ocidental, estabelecendo as balizas do que era cultura e civilização, tendo como contrapondo a perspectiva germânica, embora sem grande penetração para além da própria germania, relacionou-se com o seu papel econômico e político após a Revolução Francesa.

Ainda que de uma escola filosófica considerada, a Alemanha, também por ainda no século XIX não estar unificada, não ser uma grande potência no campo politico, assistiu às bandeiras tricolores espalharem-se pelo mundo como alusão a noções de liberdade, igualdade e fraternidade, consequentemente, os elementos constituintes da cultura francesa exerceram um papel decisivo para a segmentação entre os vários ramos do conhecimento, notadamente história, filosofia e literatura.

Diametralmente oposto à concepção de segmentação entre esses ramos do conhecimento, a Alemanha, com sua considerada tradição filosófica, não abastava as várias possibilidades de entendimento sobre a vida, o mundo, as cognominadas humanidades. Pensar relacionalmente para os alemães era entrelaçar os vários olhares, metodologias, epistemologias de áreas, por exemplo, como Filosofia, história e literatura. Cada uma, a seu modo, contribui para o edifício do entendimento sobre a existência, ainda que respeitando suas especificidades, como pode ser observado nessa citação do alemão Leopold Von Ranke (1954):

A história se diferencia das demais ciências porque ela é, simultaneamente, uma arte. Ela é ciência na medida em que recolhe, descobre, analisa em profundidade; e arte na medida em que representa e torna a dar forma ao que é descoberto, ao que é apreendido.
Outras ciências se contentam simplesmente em registrar o que é descoberto em si mesmo: a isso se soma, na história, a capacidade de recriação.
Enquanto ciência ela se aproxima da Filosofia; enquanto arte, da poesia. A diferença está no fato de que Filosofia e poesia, de maneira análoga, se movimentam no plano das ideias, enquanto a História não tem como prescindir do plano do real.
 
A vida é uma só, compreendida de forma diferente, porque perguntas distintas são feitas na construção da problematização, dos objetos investigativos acerca da dimensão humana. A atomização do saber, do conhecimento, dentre eles o científico, deita raízes no processo de burocratização das relações de poder e convivência, amparadas pelo estado, no processo de aquiescência do lugar, que o discurso científico transformou-se na época moderna, contribuindo inclusive para o desenvolvimento do capital e, sobretudo, nas definições dos papeis dos agentes sociais, os cientistas, e a ferrenha defesa de seus campos como estratagema da incorporação da divisão internacional do trabalho. Isto segundo (BOBBIO, 1992, p. 60) deve-se ao fato de que:

durante séculos a organização política foi o objeto por excelência de toda reflexão sobre a vida social do homem, sobre o homem como animal social, como politikón zoon, onde em politikón estava compreendido sem diferenciação o hodierno dúplice sentido de “social” e “político”.
Isto implica dizer que a dimensão da atividade intelectual assumiu características similares às da dimensão dos espaços burocráticos. A atividade intelectual que deveria ser crítica à atomização do conhecimento, à distribuição das funções mecânicas do mundo do trabalho tornou-se ela própria um lugar de legitimação do poder simbólico, exercido pela disposição que o discurso científico foi tomando, sobretudo após o século XVIII, quando da efetivação do capitalismo industrial em sua fase mais agressiva.

A distribuição categórica entre ciências exatas, naturais e humanas é a maior exemplificação deste tipo de divisão intelectual e também social do trabalho. A hierarquização entre as exatas e naturais acima e mais importante que as humanas porque conseguiam estabelecer seus objetos de investigação e comprovar cientificamente suas hipóteses, definindo equivocadamente a priori a o que era o fenômeno a ser investigado, partindo da premissa que o objeto era estanque e poderia ser verificável, foi a suma pretensão cientificista herdeira do iluminismo racionalista e sensitista do século XVIII, que prometera através e a partir da ciência conhecer a verdade, atingir o progresso e a paz[21].

A reboque desta concepção definiram-se os parâmetros do conhecimento histórico, da história enquanto ciência e da profissionalização do historiador. A história com dificuldades em estabelecer os parâmetros das postulações de sua investigação e objeto, vez que os acontecimentos históricos são únicos e singulares e não repetíveis, optou por afastar-se da filosofia e da literatura e agrupar-se, enquanto “ciência”, aos moldes das ciências naturais, estabelecendo a primazia do documento como verdade incontestável dos fatos, da minuciosa investigação criteriosa, garantindo seu lugar no estandarte do conhecimento científico, longe da especulação filosófica e da subjetivação da literatura.

Como filosofia e literatura não provam nada, a narrativa histórica defletiu-se pelo distanciamento do eu singular, da personificação do historiador-pesquisador, como se a escrita em terceira pessoa, omitindo supostamente a autoria do texto, desse legitimidade e ares científicos, logo, de credibilidade a argumentação historicizante[22].

A história, herdeira da concepção historicista e da influencia positivista, perdeu sua capacidade reflexiva, sua matriz filosófica, que sempre fez de suas argumentações em última estância um âmbito do lógus, de uma matriz argumentativa não apenas dedutiva, como também intuitiva, tal como sempre fez a literatura.

A história ganhou pela criação de disciplinas auxiliares, que fundamentaram uma epistemologia investigativa com fundamentos válidos, uma metodologia de pesquisa garantidora de um lugar dentro do campo da ciência, perdendo em sensibilidade, nos argumentos especulativos que, se por um lado não provam nada, por outro possuem a grande capacidade de elevar a imaginação histórica a lugares para além da mera condição prática e objetiva da vida, fazendo inclusive como a literatura que mesmo não sendo ciência, não provando nada, consiga dizer sobre a existência e trazer inquietações sobre a condição humana.

Tal perspectiva só foi em parte suplantada pela criação da Escola dos Annales na França em 1929[23] com a perspectiva de interdisciplinaridade e de afirmação da história enquanto uma ciência especial, ao mesmo tempo objetiva e artística. Na lide contra o positivismo e o historicismo tal corrente avançou na compreensão e desenvolvimento da cognominada humanidades aos moldes da corrente alemã, sobretudo pelos seus fundadores Marc Bloch e Lucien Febvre terem estudado várias possibilidades de criação de uma nova epistemologia do conhecimento, tendo tido contato, aproximação e apropriação com a escola cultural escocesa, com filósofos franceses, com o sociólogo Durkheime, com Henri Berr, George Simiand, bem como a filosofia alemã, da qual herdaram a noção de interdisciplinaridade.

O século XX assistiu a derrocada e crise humanista herdeira do iluminismo abalar os alicerces e fundamentos de um tipo de ciência que prometia, pela razão, o progresso, a evolução e a paz. Os estamentos e os estatutos da cientificidade foram duramente colocados em xeque pelo surgimento da Primeira Guerra Mundial, pela assunção do nazi-fascismo, pela eclosão da II Guerra Mundial e por todo o espetáculo do horror vaticinado neste século.

A literatura por seu turno não escapou de tal crise, enquanto extensão de um tipo de humanismo, da falência dos estados, da politica, das metanarrativas, enfim, de um tipo de segurança, reflexividade balizadoras da cultura ocidental. Por um lado, ampliou sua forma de narrar, de pensar a condição humana, de se tornar um importante instrumento cultural diagnosticador das experiências humanas. Por outro, o desenvolvimento da crítica literária, por vezes confundido o que vem a ser literatura e o que vem a ser critica literária passou a depender demasiadamente dos estudos filosóficos transformando o seu fazer num apêndice do debate culturalista, epifenômenico, como se a literatura se restringisse tão somente a ser uma mera expressão conceitual de correntes filosóficas ou mesmo literárias mais preocupadas com o campo literário em si do que com o fazer da literatura, ou seja: “a capacidade de retirar do mundo seu material devolvendo-lhe ao mundo aquilo que ele não tem”.

Para Todorov (2009, pp 42-43):
Numerosas obras contemporâneas ilustram essa concepção formalista da literatura; elas cultivam a construção engenhosa, os processos, os processos mecânicos de engendramento do texto, as simetrias, os ecos e os pequenos cúmplices. Todavia, essa concepção não é a única tendência a dominar a literatura e a crítica jornalística na França no início do século XXI. Outra tendência influente encarna uma visão de mundo que poderíamos qualificar de niilista, segundo a qual os homens são tolos e perversos, as destruições e as formas de violência dizem a verdade da condição humana, e a vida é o advento de um desastre. Não se pode, nesse caso, afirmar que a literatura não descreve o mundo: mais do que uma negação da representação, ela se torna a representação de uma negação. O que não impede de permanecer como objeto de uma crítica formalista: já que, para essa crítica, o universo representado no livro é auto-suficiente, sem relação com o mundo exterior, abrem-se as portas para sua análise sem que se tenha de interrogar sobre a pertinência das opiniões expressas no livro, nem sobre a veracidade do quadro que ele pinta. A história da literatura o mostra bem: passa-se facilmente do formalismo ao niilismo ou vice-versa, e podem-se mesmo cultivar os dois simultaneamente.      

Além disso, por ter ampliado demais sua condição intrínseca e por um conceito clássico de literatura ter entrado em crise, várias outras linguagens reivindicam suas condições também enquanto literárias, tais como a narrativa fílmica, a grafitagem acompanhando de poemas hi-kis, a literatura de gênero, a metanarrativa historiográfica, a canção popular, dentre outros.

Por que, nestes últimos tempos, literatos têm recorrido a explicações históricas, e historiadores têm se debruçado sobre a compreensão da narrativa literária? Porque ambas são facetas da mesma dimensão humana, embora falem de formas diferentes sobre o que é viver. Prosa e poesia se interpenetram e se complementam.

A literatura é mais que necessária porque a dimensão prosaica da vida por si só é insuportável, ela retira a dor do mundo e a devolve ressignificada. Como não é possível viver apenas na dimensão literária, a vida se encarrega de nos trazer de volta. Mas logo não conseguimos nos conter com a concretude da vida, recorremos de novo à literatura.

Para Morin (2001, p. 36):
Poesia-prosa constituem, portanto, o tecido de nossa vida. Hölderlin afirmava: “o homem habita a terra poeticamente”. Acredito ser necessário dizer que o homem a habita, simultaneamente, poética e prosaicamente. Se não houvesse prosa, não haveria poesia, do mesmo modo que a poesia só poderia evidenciar-se em relação ao prosaísmo. Em nossas vidas, convivemos com essa dupla existência, essa dupla polaridade. 

A grande questão colocada passou a ser o que é literatura se muitas linguagens reivindicaram suas condições literárias, inclusive a história, ainda que minoritariamente dentre os historiadores. As semelhanças entres as narrativas trouxe para a história o debate acerca da noção de verossimilhança, até a metade do século XX, impensável.

No horizonte, o que isto aponta como desdobramento da crise epistemológica das duas áreas, bem como das ciências, das humanas, além da aproximação das duas linguagens é a tentativa de salvaguarda de suas funções e até sobrevivência como discursos sobre a vida, a existência, a condição humana, além do limite da sustentação de uma perspectiva isolada entre todos os ramos do conhecimento, notadamente as chamadas humanidades.

Retornar a perspectiva grega clássica de cultura e civilização não é factível, sobretudo em decorrência dos problemas quanto ao conceito de milagre grego, de paidéia, de ordem e caos, da apropriação dos referencias culturais, que legitimaram a sobrelevância, a dominação politica do ocidente em relação as demais civilizações. No entanto, havia um princípio existente entre os gregos que deveria ser retomado aproximando todos os ramos do conhecimento, a saber, a noção de holismo.

A visão holística implica enxergar a vida como um todo, não fragmentada por divisões de campo obedecendo aos princípios das regras do jogo, introjetada nos habitus de cada área, cujas definições do que vem a ser este ou aquele princípio conceitual, muitas  vezes, liga-se às regras de quem define o papel da ciência, de suas visões de mundo, suas inserções ideológicas e não à preocupação em estabelecer diálogos profícuos e verticalizados com as respectivas áreas, afins ou não, em busca da ampliação da descoberta acerca dos mistérios da existência.

História e literatura são campos e espaços distintos, muito mais pelo desenvolvimento histórico que balizou a especificidade de cada área, do que essencialmente pela pergunta inicial originadora de cada uma dessas respectivas formas de indagação do lógus. A angústia em descobrir o que é, pergunta norteadora da definição de ser e do tempo em Heidegger[24], está presente nas duas e demais áreas, ainda que a busca se dê de forma por vezes análoga.

            Ambas perscrutam a indagação do narratário, estabelecendo patamares dístintos sobre a percepção do ser, quer dizer, a história se coloca no plano das condições objetivas   das sociabilidades humanas, a fim de saber como homens e mulheres estabelecem seus códigos, como vivem, se organizam, se relacionam econômica, política e culturalmente não deixando escapar, ou pelo menos tentando, a dimensão prática do que Platão cognominou, enquanto mundo real. A literatura também se coloca no plano das condições humanas, afinal, todo escritor está inserido em uma determinada realidade social, porém, a dimensão da vida prescrita no texto literário, diferentemente da história, não se atém ao que a ciência determina como verdade, quer dizer, o que está descrito na literatura existe em alguma estância, situação ou condição, resta tão somente compreendermos que ambas as estâncias não são análogas ou mesmo incomplementares, são apenas disposições da mesma condição ontológica, descritas sob ângulos distintos.

            Como diria Edgar Morin (2001), o texto prosaico existe porque nem tudo é poético, o contrário também é verdadeiro. Existe uma mutualidade, uma interdependência entre o prosaísmo e o poético. As expressões dessas duas formas de linguagem são expressões de como enxergamos a vida, como a concebemos, vivemos e nos organizamos. Não há dualidade ou cissiparidade, há ambivalência, um ser e não ser ao mesmo tempo. Um dentro e um fora, um dito verbalizado e expresso de forma organizada, metódica, científica, e uma forma não científica, fruto da paixão, da explosão dos sentidos, da necessidade de dizer o que se sente, ainda que não tão esclarecida.

            Mas ambas as dimensões são complementares, se existe um fora é porque existe um dentro, se tudo é ciência então ciência não existe, como para existir o poético nem tudo deve sê-lo, para o existir literário nem toda narrativa deve escapar à condição literária intrínseca de dizer o que é escapável, posto que a necessidade de escapar seja a vontade de atingir o que é mais real que a realidade.

           A realidade é uma descrição prevista sob uma forma de apreensão prefigurada nas determinações e na necessidade de caracterizar o que existe preso aos condicionantes dos órgãos humanos, nas limitações do conhecimento e num conjunto de regras existentes nos códigos culturais, nas tradições, nas sociabilidades estabelecidas, definidoras de como a linguagem assim a caracteriza, para usar uma analogia de Heidegger. A linguagem cria os sentidos sociais e a forma de apreensão. Mas, e o que escapa a isso? E o interregno entre si e expressar pela língua? E o hiato entre pensamento e formação das palavras?

A história, enquanto ciência, não precisa abandonar o postulado da veracidade das  informações, pois isso é um critério de validade, de confiança e reflexividade. No entanto, não deveria considerar a existência apenas do comprovável, documentado, empírico, vez que os rigores da ciência não dão conta do inexprimível, do indizível prescrito na denúncia de um texto autobiográfico, na criação de um personagem arquetípico das possibilidades existenciais humanas. A descrição dos tipos e situações narrativas na vida de um personagem diz mais sobre as condições ontológicas dos indivíduos que a distância entre a passeidade (o real vivido), e a formalização de um documento, qualquer que seja a sua natureza.

Não se trata de descartar a dimensão prosaica, as condições objetivas, mas encarar que objetividade e subjetividade são as duas faces da mesma moeda, as duas estâncias de como encaramos, inventamos, construímos a noção de existência, portanto, a apreensão do que é viver também se apresenta da forma como a concebemos. Como diria Edgar Morin (2001), as duas são complementares, duais, não excludentes.

O repensar de uma espistemologia histórica consistiria em aceitar o não-dito, o não-verbalizado, o não-realizado, o não-comprovado entendendo que o hiato, a ausência é também história. É o que não venceu, o que não trinfou, os desejos e sonhos não concretizados, as pulsões, os amores, as paixões que levaram pessoas a tomarem determinadas atitudes.

Quanto à literatura, compete afastar-se das determinações excessivamente teóricas, do exagero de formulações e conceituações do que é ser literário, abrir mão de sua excessiva dependência dos postulados criados pela crítica literária, ainda que sem abandoná-la. Aliar o dentro e o fora, o que está conjugado na tradição cultural dos povos, afinal, como diria Mário Vargas Llosa: “Anticonformismo é o impulso básico por trás da vocação artística. No meu caso, isso é muito consciente. Desde muito jovem, percebo que escrever é um tipo de vingança; uma forma de expressar o que é a crítica da vida, do mundo como ele é”[25]. Provocação que não está na revisão das normas da língua: ou como você particularmente o sente, o vê. 


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[1] Professor Adjunto do Departamento de História e Geografia da UEMA (São Luís), do Programa de Pós-Graduação em História, ensino e Narrativas (UEMA), autor do blog Versura (versura.blogspot.com) e da front page: www.facebook.com/blogversura. e-mail: jh_depaula@yahoo.com.br

[2] “O homem como ser social está em relação com os outros, e deve fazer-se entender. O meio de expressão deve estar vinculado ao sentido”. Isto é, as imagens linguísticas são portadoras de significados (e por isso são signos para objetos) que podem ser comunicados a outras pessoas. Aqui se enfatiza explicitamente a função de comunicação do signo. Mas Tómas de Erfrut também distingue um aspecto gramatical, lógico e objetivo do signo linguístico. É em primeiro lugar por intermédio do signo que algo se torna objetivo para a consciência; pois o signo indica outro objeto por intermédio do qual ele próprio possui um caráter indicativo, algo relacional. O signo é fundamento da consciência, e como tal é dado de modo visual, acústico ou de algum modo sensível. O significado não assevera nada sobre um objeto, mas apresenta-o”, segundo WALTHER-BENSE (2000, p. 21).

[3] As definições de literatura, segundo sua função, parecem relativamente estáveis, que essa função seja compreendida como individual ou social, privada ou pública. Aristóteles falava de Katharsis, de purgação, ou de purificação de emoções como o temor e a piedade. É uma noção difícil de determinar, mas ela diz respeito a uma experiência especial das paixões ligada à arte poética. Aristóteles, além disso, colocava o prazer de aprender na origem da arte poética: instruir ou agradar (prodese aut delectare), ou ainda instruir agradando, serão as duas finalidades, ou a dupla finalidade, que também Horácio reconhecerá na poesia, qualificada de Dulce et utile, segundo COMPAGNON (2006, p. 35).  

[4] Sintagma, do grego: Súntagma, composição, combinação. Unidade linguística composto de um núcleo de outros termos que a ele se unem formando uma locução que entrará na forma de oração. Semântica: estudo ou diacrônico da significação como parte dos sistemas das línguas naturais, conforme dicionário Haussais (2009). 

[5] O gênero mais difundido e douradouro na cultura árabe foi o romance. Grandes ciclos de histórias sobre heróis surgiram com o passar dos séculos. Suas origens se perdem nas névoas do tempo, e podem encontrar diferentes versões em várias tradições culturais. Podem ter existido na tradição oral antes de escritos. Entre eles, havia a historia de Antar ibn Shaddad, filho de uma escrava, que se tornou um herói tribal árabe; Iskandar, ou Alexandre, o Grande; Baybars, o vencedor de mongóis e fundador da dinastia mameluca no Egito; e o Banu Hilal, a tribo árabe que migrou para os países do Magreb. Os temas dos ciclos são variados. Algumas são histórias de aventura ou viagem contados pelo simples prazer da história; outros evocam o universo de forças sobrenaturais que cercam a vida humana, espíritos, espadas com poderes mágicos, cidades de sonho; no centro delas está a ideia do herói ou grupo heroico, um homem ou grupo de homens lutando contra as forças do mal – homens ou demônios, ou suas próprias paixões  - e vencendo –as. Cf; HOURANI (1994, pp 203-204).  

[6] O costume de contar histórias existe em toda parte, enquanto a arte propriamente dita ocorre sobretudo na África Ocidental e na região do Congo, onde o povo leva uma vida mais sedentária e agrícola favorável  à acumulação de posses, incluindo esculturas. Costuma-se contar as histórias ao anoitecer, quando o trabalho do dia já foi feito. As histórias que se seguem tem a desvantagem de ser impressas e de não contar com o acompanhamento da mímica, da entonação de voz e mesmo da música, recursos invariavelmente usados pelo contador de histórias africano.
As histórias não são usadas como veiculo para expressar o desejo de auto-realização, a injustiça da vida é aceita, o herói nem sempre triunfa e os crimes podem passar sem castigo, segundo CAREY (1981, p. 06).  

[7] “o historiador narra o que aconteceu, o poeta o que poderia ter acontecido”. Essa famosa afirmação de Aristóteles pressupõe como já concretizada a separação entre o mundo da história e o da poesia que se produziu, de fato, no século V. Aristóteles afirma, além disso, que a poesia é mais filosófica do que a história, visto que a poesia tende para o universal e a história para o particular. Também essa ideia do universal só se formou no século V. As afirmações de Aristóteles levam-nos, portanto, exatamente pelo que de verdadeiro contêm, a indagar como teriam entendido os gregos a relação entre poesia e fato real, Cf: SNELL (2001; p. 97)

[8] “Mas Heródoto, comensurando a tradição histórica a essa norma de experiência segura, pode rejeitar como inconfiáveis as histórias míticas e abrir para a historiografia o campo que lhe é próprio. Assim nasce a história como ciência empírica”, Segundo SNELL (2001. p. 61).      

[9] Professora Doutora da UFRJ, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Literatura. Aula ministrada em 10 de julho de 2011, no Programa Dinter (Doutorado Interinstitucional entre UFRJ-UEMA) para os alunos do referido programa nas dependências do Campus Paulo VI, UEMA-São Luis-Ma.   

[10] Paidéia, a palavras que serve de titulo a esta obra, não é apenas um nome simbólico; é a única designação exata do tema histórico nela estudado. Este tema é, de fato, difícil de definir: como outros conceitos de grandes amplitudes (por exemplo, os de filosofia ou cultura), resiste a deixar-se encerrar numa fórmula abstrata. O seu conteúdo e significado só se revelam plenamente quando lemos a sua história e lhe seguimos o esforço para conseguirem plasmar-se na realidade.

Os antigos estavam convencidos de que a educação e a cultura não constituem uma arte formal ou uma teoria abstrata, distintas da estrutura objetiva da vida espiritual de uma nação; para eles, tais valores concretizavam-se na literatura, que é a expressão real de toda cultura superior. E deste modo que devemos interpretar a definição do homem culto apresentada por Frinico, Cf: JAEGER, 2001, p. 03  

[11] Fedro, 269 E -270, Cf JAEGER, (2001, p. 1268). 

[12] Senso comum e fundamentação teórica.

[13] Argumentação que Platão discorre em Fedro.

[14] A lenda etiológica (mito) era um estudo das origens das coisas, embora não fosse um presente continuum, possuía um sentido pragmático desenvolvendo uma consciência histórica na esperança de que a lembrança os livrasse da mortalidade do esquecimento e as glórias dos antepassados dessem legitimidade aos seus descendentes. Embora Heródoto tivesse se esforçado em distanciar-se na narrativa homérica, abrindo caminho para uma história empírica ao não acreditar na intervenção divina; não narrar um passado lendário; criticar os chefes políticos por agirem sob motivações privadas assemelhando-se aos heróis de Homero, ainda assim, enquadrava-se dentro da tradição dos contos e de uma estilística influenciada por este último, uma vez que a Ilíada corroborou para o despertar do que era “ser helênico”, posto que o pan-helenismo não se baseava unicamente nas instituições políticas, mas, sobretudo nas festas comuns, no culto ao oráculo de Delfos e na Língua (SNEEL, 2001).

[15] Por sistema literário, Antonio Candido (2000) define como a relação entre autor, obra, público e remissão. Tal definição mais contemporaneamente não dá subsidio sobre os processos de criação e redefinição da literatura, tais como a inserção ou não do hip-hop como categoria literária ou outras linguagens antes não consideradas como tais. Além disso, a autores, tais como Josefina Ludmer (2002), que conceituam a noção de narratário, ou seja, um interregno, um diapasão entre o autor e a obra como vontade da própria escrita de existir para além do sistema literário ou da critica literária.    

[16] Por habitus, Bourdieu (1998) conceitua enquanto as regras do jogo na determinação do campo introjetadas, socialmente constituídas. Como os agentes se movimentam, estabelecem relações de pertencimento, códigos de conduta dentro de um campo.

[17] A santa Inquisição, por exemplo, usava a expressão documento como sinônimo de comprovação, ou seja, a prova da criminalidade do réu era atestada pela existência de um documento de sua imputação. A outra questão ligada a isso se refere ao fato que no processo de desencantamento do mundo, do fim “da magia”, da passagem da transcendência para a imanescência, a palavra oral paulatinamente perde o valor como  caráter de validade testemunhal para o texto escrito, juridicamente comprovado. Foi a substituição da palavra oral pela escrita imputando na perda da capacidade mnemônica entre os sujeitos sociais e a emergência de um novo padrão de sociabilidade.  

[18] Professora Doutora da UFRJ, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Literatura. Aula ministrada em 10 de julho de 2011, no Programa Dinter (Doutorado Interinstitucional entre UFRJ-UEMA) para os alunos do referido programa nas dependências do Campus Paulo VI, UEMA-São Luis-Ma.   

[19] Sobre estas questões ver ARENDT (2002), ARENDT (2002) e ELIAS (1993). 

[20] A Nova Heloisa (1837) e Émile e Sophie ou os solitários (2010). 

[21] Segundo Borralho (2005, p. 08-09). Este período compreende ao da Ilustração: mescla de racionalismo idealista e empirismo sensista. Tinha como ideias-força: a Razão, o Progresso e a Paz. Subjazia uma conotação anti-histórica; visto que desprezava o passado, pois acreditavam seus defensores na imutabilidade da natureza humana; apenas na ligação causal entre os fatos históricos; na ausência de sentido providencial; na ideia de que a história caminhava para um progresso indefinido e que o único sentido desta seria a da igualdade entre os homens e ainda; no dinamismo fundamental da história como instrução generalizada.

[22] Esta argumentação se encontra em Hayden White (1995); (1994).

[23] Tendo como criadores Lucien Febvre e March Bloch, ambos possuíam formação e conhecimento da filosofia alemã. A Escola teve a principio três gerações: 1929 a 1945, sob a liderança de seus fundadores; de 1945 a 1968, sob a liderança de Fernand Braudel. Esta fase se caracterizou pela influencia do estruturalismo e do marxismo e grosso modo as pesquisas estavam voltadas para o campo da história serial, quantitativa, para os trabalhos de longa duração e; a controversa cognominada “terceira geração” (1968-1989) que, para autores como Francoise Dosse (2003) a caracterizam como “História em Migalhas”, a fragmentação do projeto inicial a partir das influencias que sofreu do pós-estruturalismo e o inicio para muitos da pós-modernidade. Sobre isso ver: BURKE (1997).

[24] O ser e o tempo (2006).

[25] www.facebook.com/fronteirasweb. Acessado em 15 de agosto de 2013

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