quinta-feira, 31 de outubro de 2013

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Não, não sou obrigado a nada. Nem a ser coerente, logístico, racional sempre, certinho, metódico.
Não sou obrigado a ter respostas nem mesmo elaborar boas perguntas. Aliás, nem das minhas consigo. Não venha com essa de imagem de bom moço, de referência, de exemplo. Não sou exemplo de nada, para nada e ninguém. Não sei de tudo e nem de nada, não sei nem do que sei, ou supostamente sei.

Não sei nem do dia de hoje, quiçá o de amanhã. Bota água no fogo e o resto o bucho termina de triturar. Não bota microfone na minha boca, não te projeta em mim.

Deixa eu cá com minhas idiossincrasias, meus botões. As minhas reflexões servem para mim. Minha coerência é desconexa, minha direita é torta, assim, de soslaio.

Meus textos são efusões, pura vazão, não procure silogismo. Se achar, de boa, fica pra ti, senão, deixe eles escorregarem pelo chão.       



domingo, 27 de outubro de 2013

De varanda a varanda. De volta ao começo


Uma puxada numa cadeira de um restaurante. Pessoas dispostas em seus lugares. Sentei-me à cabeceira da esquerda, Márcia ao meu lado, Protásio na cabeceira à direita, Nauk ao seu, e ao lado dela, Eudes. Pedimos cervejas, quando uma velha canção começou a tocar ao fundo. Uma boa e velha lembrança me sobressaltou. Pedi ao garçom que registrasse aquele momento. Ao olhar a fotografia pelo ecrã do meu celular, dei-me conta de que aquela cena, a disposição de como estávamos sentados à mesa, eu, Protásio e Eudes, era uma cena repetida da vida, uma vontade de ser novamente, a reunião de afetos de um passado justapondo-se naquele momento, acrescida de duas novas amizades, Nauk e Márcia, a extensão de elos que como ciclos se repetem sem se quebrarem, apenas aumentando o diâmetro.
  
15 anos depois, cabelos mais escassos, sobressalência na barriga, rugas a mais, o peso e a responsabilidade nas costas, estávamos reunidos numa disposição do que acontecera quando em 1998, no restaurante Varanda, Eu, Protásio, Eudes e Marcelo, numa fotografia hoje amarelada tirada por um garçom a pedido meu, sentamos para falar de sonhos e projetos de vida, das incertezas e auguras, mas, sobretudo, de nossas paixões pelo que fazíamos ali.

Eram os tempos de nossas pós-graduações no Programa de História na cidade de Assis, interior de São Paulo. Tempos que a vida suspensa no ar arrumava os encontros fortuitos de retirantes vindos de todas as partes do Brasil para ali naquela cidade sorver o que de melhor poderíamos aproveitar. Tempos difíceis, uns com bolsas de estudos, outros sem, uns com empregos públicos de professores universitários, outros ainda à procura. Tempos que os rabiscos de nossas teses e dissertações não passavam de solfejos delirantes de possíveis hipóteses. A única certeza era o prazer que gozávamos pelas amizades recém-construídas.

Todas as tardes tomávamos tererê e as noites chimarrão na casa de Eudes e Protásio. O primeiro, mato-grossense de Aquidauana, o segundo, um gaúcho de Santa Rosa. Um verdadeiro mosaico, um atlas geográfico de um país de dimensões continentais. Falávamos de tudo, do que nos separava culturalmente, do que nos aproximava.

Era como se a vida nos beijasse a boca e tudo se abria como um leque. Tudo era novo, sobretudo para mim, tão longe e distante do meu torrão maranhense. Tudo era desafio, instigante, culturalmente estranho, apaixonadamente fascinante. A cada dia novas pessoas, elos aumentando, vidas entrelaçando-se, até hoje, para nunca mais soltarem-se.

Cada um tomou seu rumo, fomos nos acomodando nas poltronas de nossas empreitadas, nos birôs de nossos gabinetes, nas falas enunciantes de nossas aulas, nas arguições de bancas, em outras funções desempenhadas. Mas a vida sempre dá um jeito de aproximar aquilo que um dia reuniu.

Ao sentarmos na varanda de um restaurante na cidade de Dourados, Mato Grosso do Sul, por ocasião de trabalhos acadêmicos, reencontrei-me com dois grandes amigos que levo para a vida toda, recobrando os afetos que sempre nos enlaçaram, agradecendo por tudo que fizeram por mim em momentos tão difíceis e mágicos naquele inesquecível ano de 1998.

Quem me dera poder reunir todos os que entravam na minha vida para nunca mais saírem, mas todos estavam nas bocas falantes de um passado presentificado naquele momento, nas memórias vividas e nada embotadas pela distância e ausência, no desejo de que essa cena se repita como fora a repetição de outra em outra varanda.

A música que tocou quando começamos a conversar foi VIDA CIGANA (de César Menotti e Fabiano):

Oh meu amor!\não fique triste\saudade existe para quem sabe ter\minha vida cigana me afastou de você\por algum tempo vou ter que viver por aí\longe de você\e do seu carinho\e do seu olhar....

A mesma que tocou há treze anos quando chegamos ao restaurante Varanda, em Assis, e dali contemplávamos o que nos ofertaria a vida.






terça-feira, 8 de outubro de 2013

A prisão de Hugo Aurélio e a sociedade autoritária maranhense

No último dia 05 de outubro, no encerramento das atividades da Feira do Livro, estrategicamente realizada no bairro da Praia Grande, centro histórico da cidade de São Luis, tombada como Patrimônio da humanidade, ocorreu mais um lamentável episódio da faceta autoritária e racista da sociedade maranhense. Hugo Aurélio, estudante do curso de História, advogado, casado, negro, após filmar e contestar a prisão de um hippie, acusado de roubo, foi igualmente preso sob a acusação de desacato a autoridade.

Ora, Hugo Aurélio em companhia da esposa e de algumas pessoas acompanhavam de perto a prisão do hippie exatamente por constatarem o abuso de autoridade dos guardas municipais e as agressões verbais as quais o detido estava sendo acometido. Portanto, abuso estava sendo praticado pelo guardas municipais, caso contrário não seriam seguidos por uma pequena multidão. 

Após ter tido seu celular derrubado, tendo sido danificado, foi conduzido até uma delegacia de policia. Seu relato atesta o medo de ter seu fim o mesmo destino de Amarildo, ou até mesmo Gerô, morto após espancamento no primeiro distrito policial da cidade de São Luis. 

Sabe o que ilaça os casos de Gerô, Amarildo e Hugo? Todos eram negros, não pertenciam à elite branca e econômica desse país, todos foram vitimas da concepção autoritária de justiça, um desvirtuamento de uma ideia de autoridade cuja a figura regimental e institucional da policia e/ou da guarda municipal se colocam acima da configuração estatutária do regime supostamente democrático e podem fazer o que bem entender sem as prerrogativas minimas de proteção a qualquer individuo, mesmo um hippie, supostamente um não-cidadão por não ser um consumidor em larga escala. Na democracia burguesa a noção de cidadania está atrelada ao computo de sua capacidade de inserção social pelo consumo. Quanto mais dinheiro, maiores os benefícios da sociedade burguesa-democrática-consumista.

Outra distorção está na função que a perversa democracia brasileira tem se revelado: a manutenção dos estatutos da desigualdade em nome da perpetuação do sistema capitalista, amparado pelo estado burocrático de direito. Como a relação entre cidadania/consumo perverte o principio da equidade e justiça, sofrem os menos favorecidos. O problema é que no caso de Hugo houve um principio de quebra da proteção da diferenciação social: ele é advogado e nem isso fora suficiente para livrá-lo do constrangimento e da arbitrariedade da prisão. Não estou defendo que advogados não possam ser presos, mas na excludente trajetória social brasileira, prender um advogado significa romper um costume de beneficiamento e privilégio de classe; advogados não são músicos pobres como Gerô e nem anônimos militantes como Amarildo. 

Isso não é banal. Quando qualquer principio de razoabilidade é quebrado, quando qualquer direito civil é sistematicamente vilipendiado, o que tem sido recorrente na trajetória brasileira, é hora de insurgência, de questionamento dos princípios supostamente legais e legítimos amparadores dos instrumentos de sustentação do estado democrático de direito. 

Não adianta fazer discurso raso do tipo: "defender bandido os direitos humanos sabem, agora, defender policia não"!!! "Direitos humanos só servem para proteger bandido!!, etc, etc, etc. A questão não se trata de proteger ou defender bandido, e sim, do uso desmedido da força para conter qualquer situação de anomalia. Por um acaso, por que Hugo Aurélio, a esposa e um grupo de pessoas acompanharam a prisão de perto!!!? Por que as pessoas gostam de parar de tomarem cerveja para acompanharem um caso de prisão por furto!!!? _ Mas, Hugo e a esposa "ofenderam" os guardas municipais... Então por que o celular dele foi quebrado quando ele filmava a prisão do hippie? Por que a indignação social e as redes sociais espalham a noticia como rastilho de pólvora? Porque as imagens da prisão mostram tudo: a truculência, a violência, a agressão, a humilhação, o estado de barbárie que o estado, incapaz de promover a justiça e o equilíbrio social, comete todos os santos dias. Ninguém está seguro.

Sabe o que a prisão revela? O estado de abandono a que o centro histórico está acometido, por isso o grande contingente policial no único evento de grandes proporções na cidade ao longo do ano de 2013, no caso do centro histórico, o único. A prisão do hippie é e foi uma espécie de limpeza social, afinal, num bairro decadente como centro histórico entregue as moscas, não será um hippie que iria atrapalhar o único evento realizado pela prefeitura. 

Fui professor de Hugo Aurélio e conheço não só a integridade, a estabilidade emocional e o caráter dele, mas faço a defesa não apenas dele como de qualquer pessoa, "cidadã-consumista" ou não, hippie ou mesmo de guarda municipal, policial de qualquer estância que seja ultrajada numa prisão humilhante por qualquer delito e tenha sofrido qualquer tipo de abuso. 

Quando a truculência vira norma, quando a violência vira a regra, o estado de barbárie suplanta a justiça.

segue o vídeo da prisão:

http://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2013/10/tive-medo-de-ser-outro-amarildo-diz-advogado-agredido-por-guardas.html

    

              

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Túneis Invisíveis


Por César Borralho

Túneis Invisíveis


Ou a arte de desacreditar na memória
sob o efeito das Lágrimas de Tucídedes

Quando algo ascende à chama ainda
rosna a fera a tudo o que hiberna,
a boca que era farta se dá faminta,
devorando todas as quimeras.

Não existem flores na primavera,
só segundas intenções.

O pouco que outrora acalmava,
(um dia) desespera!

O vento se torna o faro do lupino,
o pássaro atrai a pedra do menino
e tudo tem a sede de um carnívoro.

A memória é um meio tão maldito,
intersecção de túneis inundados,
redemoinho atroz e desacelerado
que cede o último fôlego à imagem.

Todo esforço é luta aflita do selvagem
para desacreditar das coisas do silêncio.

À imagem só existe um movimento
contra a certeza e tudo o que ela crê
atenta ao que causa a inquietude,
alheia ao que esta causa ao ser.

O que conta é o que muda a calmaria,
emperra as engrenagens e a constância,
é o que alimenta o futuro e a nostalgia,
sem camuflar as suas semelhanças.

Quebrar a ampulheta cria hemorragia
(de areia em busca de mais anos)
não é o sol que vira a página do dia,
mas tão-somente aquilo que amamos.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

O que dizer de uma sociedade que assassina seus professores?

Sabe, há muitas coisas que não gosto no Brasil: exclusão social, corrupção, injustiça, violência, etc, mas talvez as que mais me indignem sejam a hipocrisia, o falso moralismo, a desfaçatez, a pseudo-democracia racial, o falso cordialismo.

Há países com profundas fissuras e contradições, todos na verdade, mas pelo pouco que os conheço penso que as diferenças são mais nítidas e escancaradas, para o bem e o mal. O Peru, por exemplo, aquele país fantástico em sua formação étnica possui um Museu de La Nacion dedicado à memória dos povos pré-colombianos que deram origem ao povo peruano. No entanto, o último pavimento é dedicado a guerra civil porque passou o pais recentemente e cuja instalação e montagem do acervo foi feita contra a versão do Sendero Luminoso, ou seja, é uma memória a favor da versão militar e oficial deixando de lado outras possibilidades de interpretação. No minimo um escândalo!! Isso é ridículo, mas está exposto. 

No Chile, aquele país fendido pelas feridas da ditadura militar, há claramente um segmento, quase maioria, que apoia Pinochet, odeia Pablo Neruda e considera que o regime de exceção mudou a história do pais para melhor. Um absurdo!!! Mas as contradições estão claras e ninguém faz questão de disfarçar seus posicionamentos. 

Na Argentina, toda quinta-feira há o desfile das madres de la plaza de mayo em memória aos entes desaparecidos durante a ditadura militar. Muita gente não gosta, considera que tocar nesse assunto é deixar abertas as chagas de um tempo que não quer cessar, mas os argentinos fazem questão de pautar o debate abertamente, exigir condenação de torturadores, pedir punição e justiça. 

E no Brasil? A ditadura é um tabu, não há condenados pelas torturas, fala-se que somos um país democrático, mas todos os dias assistimos aos assassinatos de jovens pobres, negros nas periferias das grandes cidades sem prisões e/ou julgamentos justos, mera execução, sem falar no caráter autoritário da policia, despreparada para lidar com manifestações sociais. 

O caso mais recente, mais um, do assassinato da Professora Elisabete da Fonseca, de Artes, 67 anos, morta por infarto após injeção de gás lacrimogênio na cidade do Rio de Janeiro por defender seus direitos enquanto educadora, denota o quanto de autoritário, sangrento, violento é este país e como autoridades, instituições supostamente democráticas, tratam as questões sociais, sem falar no silêncio de uma grande maioria da sociedade que não se manifesta sobre o assunto. Isso é pior, assustador, covarde, inescrupuloso, hediondo que um país pode ter. O silêncio é conivente com qualquer prática arbitrária. 

Tudo isso começou quando em tempos imemoriais, no fundo todos sabemos que tempos são esses, as elites politicas e econômicas deste país implantaram um projeto de mando excluindo segmentos inteiros das decisões políticas, determinou a divisão econômica, estabeleceu as condições de perpetuação no poder. A educação, fator de ajuste e equilíbrio social, foi alijado do planejamento administrativo por saberem dos riscos de uma população politizada e alfabetizada. Posso arriscar que a elite brasileira é supostamente a mais eficiente e competente do mundo quando se trata de estratégia de mandonismo. 

Nem mesmo os dados sobre educação no mundo, os exemplos históricos da Coréia que erradicou o analfabetismo em apenas 10 anos, os exemplos sobre a relação entre educação e qualidade de vida, vide a Noruega, Canadá, são capazes de sensibilizar as classes dirigentes sobre o que significa investir em educação. 

Nem mesmo o crescimento econômico brasileiro nos últimos 20 anos, desde 1994, a redução da desigualdade, foram capazes de mudar a percepção sobre o papel do professor, vitima de violência nas escolas, péssimas estruturas de funcionamento, baixos salários, acometidos de uma série de distúrbios emocionais em decorrência do que sofrem no sistema educacional. Ministrar aulas no Brasil é, sem risco de hipérbole, ir para a guerra. 

O episódio recente da morte da professora Elisabete da Fonseca pela policia militar revela a face mais autoritária da sociedade brasileira que em silêncio consente com essas práticas. Não se indignar é consentir. E nisto o Brasil se torna ainda mais injusto. Vive-se aplacando as marcas de uma guerra civil mais que declarada, aberta em todos os segmentos: saúde, transporte, habitação, e claro, segurança publica. Matar professor, agredir, é colocar no mesmo nível aqueles que são formadores de opinião, formadores de toda a base da sociedade dos bandidos, facínoras, é tratar por baixo um problema de sistema educacional como se fosse de segurança pública. Dizer o que dessa sociedade rica, a 7ª economia do mundo que vai sediar a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas de 2016? 

Os países deveriam boicotar a participação tanto na Copa do Mundo e nas Olimpíadas por não apoiarem o Brasil nessa marcha sangrenta de assassinatos de jovens, adultos, trabalhadores, professores por uma politica excludente, essa máquina de destruir gentes e sonhos. 

Que país é esse que criminosos de colarinho brancos são inocentados, sequer julgados, ou quando vão a julgamento são inocentados, e professores por reivindicarem melhores condições de trabalhos enfrentam a truculências de nossas policias?

Até quando?  

Elisabete da Fonseca que tantas vezes ensinou aos seus alunos o sentido e importância da arte, morre de forma anti-artística, grotesca, brutal, horrenda, anti-bela, exatamente por mostrar nas ruas o quanto ensinar é também transformar, afinal, a arte é viver dignamente.                                

Entrevista com Arton, de Sirius. Parte II

  Entrevista realizada no dia 14 de fevereiro de 2024, às 20:00, com duração de 1': 32'', gravada em um aparelho Motorola one zo...