terça-feira, 8 de outubro de 2013

A prisão de Hugo Aurélio e a sociedade autoritária maranhense

No último dia 05 de outubro, no encerramento das atividades da Feira do Livro, estrategicamente realizada no bairro da Praia Grande, centro histórico da cidade de São Luis, tombada como Patrimônio da humanidade, ocorreu mais um lamentável episódio da faceta autoritária e racista da sociedade maranhense. Hugo Aurélio, estudante do curso de História, advogado, casado, negro, após filmar e contestar a prisão de um hippie, acusado de roubo, foi igualmente preso sob a acusação de desacato a autoridade.

Ora, Hugo Aurélio em companhia da esposa e de algumas pessoas acompanhavam de perto a prisão do hippie exatamente por constatarem o abuso de autoridade dos guardas municipais e as agressões verbais as quais o detido estava sendo acometido. Portanto, abuso estava sendo praticado pelo guardas municipais, caso contrário não seriam seguidos por uma pequena multidão. 

Após ter tido seu celular derrubado, tendo sido danificado, foi conduzido até uma delegacia de policia. Seu relato atesta o medo de ter seu fim o mesmo destino de Amarildo, ou até mesmo Gerô, morto após espancamento no primeiro distrito policial da cidade de São Luis. 

Sabe o que ilaça os casos de Gerô, Amarildo e Hugo? Todos eram negros, não pertenciam à elite branca e econômica desse país, todos foram vitimas da concepção autoritária de justiça, um desvirtuamento de uma ideia de autoridade cuja a figura regimental e institucional da policia e/ou da guarda municipal se colocam acima da configuração estatutária do regime supostamente democrático e podem fazer o que bem entender sem as prerrogativas minimas de proteção a qualquer individuo, mesmo um hippie, supostamente um não-cidadão por não ser um consumidor em larga escala. Na democracia burguesa a noção de cidadania está atrelada ao computo de sua capacidade de inserção social pelo consumo. Quanto mais dinheiro, maiores os benefícios da sociedade burguesa-democrática-consumista.

Outra distorção está na função que a perversa democracia brasileira tem se revelado: a manutenção dos estatutos da desigualdade em nome da perpetuação do sistema capitalista, amparado pelo estado burocrático de direito. Como a relação entre cidadania/consumo perverte o principio da equidade e justiça, sofrem os menos favorecidos. O problema é que no caso de Hugo houve um principio de quebra da proteção da diferenciação social: ele é advogado e nem isso fora suficiente para livrá-lo do constrangimento e da arbitrariedade da prisão. Não estou defendo que advogados não possam ser presos, mas na excludente trajetória social brasileira, prender um advogado significa romper um costume de beneficiamento e privilégio de classe; advogados não são músicos pobres como Gerô e nem anônimos militantes como Amarildo. 

Isso não é banal. Quando qualquer principio de razoabilidade é quebrado, quando qualquer direito civil é sistematicamente vilipendiado, o que tem sido recorrente na trajetória brasileira, é hora de insurgência, de questionamento dos princípios supostamente legais e legítimos amparadores dos instrumentos de sustentação do estado democrático de direito. 

Não adianta fazer discurso raso do tipo: "defender bandido os direitos humanos sabem, agora, defender policia não"!!! "Direitos humanos só servem para proteger bandido!!, etc, etc, etc. A questão não se trata de proteger ou defender bandido, e sim, do uso desmedido da força para conter qualquer situação de anomalia. Por um acaso, por que Hugo Aurélio, a esposa e um grupo de pessoas acompanharam a prisão de perto!!!? Por que as pessoas gostam de parar de tomarem cerveja para acompanharem um caso de prisão por furto!!!? _ Mas, Hugo e a esposa "ofenderam" os guardas municipais... Então por que o celular dele foi quebrado quando ele filmava a prisão do hippie? Por que a indignação social e as redes sociais espalham a noticia como rastilho de pólvora? Porque as imagens da prisão mostram tudo: a truculência, a violência, a agressão, a humilhação, o estado de barbárie que o estado, incapaz de promover a justiça e o equilíbrio social, comete todos os santos dias. Ninguém está seguro.

Sabe o que a prisão revela? O estado de abandono a que o centro histórico está acometido, por isso o grande contingente policial no único evento de grandes proporções na cidade ao longo do ano de 2013, no caso do centro histórico, o único. A prisão do hippie é e foi uma espécie de limpeza social, afinal, num bairro decadente como centro histórico entregue as moscas, não será um hippie que iria atrapalhar o único evento realizado pela prefeitura. 

Fui professor de Hugo Aurélio e conheço não só a integridade, a estabilidade emocional e o caráter dele, mas faço a defesa não apenas dele como de qualquer pessoa, "cidadã-consumista" ou não, hippie ou mesmo de guarda municipal, policial de qualquer estância que seja ultrajada numa prisão humilhante por qualquer delito e tenha sofrido qualquer tipo de abuso. 

Quando a truculência vira norma, quando a violência vira a regra, o estado de barbárie suplanta a justiça.

segue o vídeo da prisão:

http://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2013/10/tive-medo-de-ser-outro-amarildo-diz-advogado-agredido-por-guardas.html

    

              

3 comentários:

  1. Henrique, falta só vc no encontro de História antiga e medieval do Maranhão

    ResponderExcluir
  2. Brilhante Composição Professor Henrique! Minha solidariedade ao colega Hugo!
    É lamentável, repudiável e execrável tamanha truculência atestada pelo total despreparo de tais agentes policiais. Mas, com a devida vênia, não estou certo de que tal conduta seja, em via de regra, a postura ratificada pela instituição estatal cuja atribuições e competências sejam a de garantir a ordem e segurança social. Sendo assim, trata-se da transgressão da conduta do agente em excedê-la para além dos limites que lei define, ou restringe, como seu campo de ação/atuação. Que fique claro, caso não o tenha ficado de início, que não defendo e nem endosso atitudes de violência ou abuso de poder de qualquer agente público (polícia e/ou guarda municipal).
    Não obstante, as relações que decorrem deste aviltante fato são por demais complexas e escapam a qualquer tentativa de encontrar nelas algum padrão comparável, mensurável ou passível de uma análise que não seja, receio eu, apenas conjeturável. Digo isto, muito embora concorde pontualmente com suas contundentes e coerentes palavras, porque me causa um certo estranhamento vincular, e por conseguinte reduzir, tudo a uma questão ideologizada e dicotomizada entre “o controle autoritário das elites burguesas branca excludente contra a vitimização dos pobres, trabalhadores, afrodescentes e/ou demais minorias excluídos”. Ou seja, “Existem mais coisas entre o céu e a terra...”.
    Um grande abraço professor! Excelente texto!
    Heber Queiros

    ResponderExcluir

Entrevista com Arton, de Sirius. Parte II

  Entrevista realizada no dia 14 de fevereiro de 2024, às 20:00, com duração de 1': 32'', gravada em um aparelho Motorola one zo...