quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Divertindo-se com as palavras. A difícil arte de aprender

Era um livro colorido com gravuras pueris recheado de palavras e números às vezes saltitantes. Era difícil fechar os quadros. Quanto é mesmo 2 x 8? Assim, se não soubesse a conta não se poderia continuar a preencher o próximo balão. Aquele livro, embora colorido e cheio de gravuras, também continha uma concepção didático-pedagógica de difícil assimilação para uma criança com dificuldade de aprendizagem lógica, sobretudo se sua inteligência fosse corporal e mais criativa, e não necessariamente numérica. 

Aquela educação não era compatível com o desenvolvimento psicossocial da maioria das crianças em idade escolar entre 4 e 7 anos. A pressão por aprender só tornava as coisas ainda mais difíceis. A sensação de pequenez, de ser burro e que não adiantaria estudar tornava a hora de aprender um suplício e uma tormenta. Sebastião olhava para a rua onde os gritos de seus coleguinhas aturdiam aquelas tardes tórridas correndo atrás da bola sem que suas pernas pudessem manobrá-la, ziguezagueando os adversários, tentando ultrapassar a barreira – dois tijolos separados em posição vertical, cujos furos sustentavam duas hastes de madeira representando as traves –, e que suas pernas unidas, sentado como estava, tentavam driblar a dura marcação de sua mãe cobrando-lhe os deveres, quais tinha muito dificuldade em aprender. 

Um outro livro colorido agora se encontra sobre a mesa. Sebastião agora virou homem. Seus livros não são mais brincando com as palavras, embora seja isso que tente fazer todas as vezes que escreve. A sua frente, uma menina folheia o livro. Gravuras pueris recheadas de palavras e números, às vezes saltitantes. Dessa vez, é mais fácil juntar as sílabas, contar os moranguinhos, associar nomes a objetos. A capacidade de compreensão maior é nítida, a inteligência é perceptível, o raciocínio idem. O que se pede nesse livro novo é diferente do outro, separado pelo tempo e por visões diferentes de educação. A capacidade associativista é maior que a mnemônica. Correlacionar é mais importante do que decorar, embora memorizar seja o primeiro passo para aprendizagem. 

Na frente não mais um portão grande e cinzento separando a casa da rua, dos gritos aturdidos de crianças jogando bola. A diversão agora é outra: canais de televisão pagos com dezenas de desenhos instrutivos, mas que conferem o mesmo grau de competição com o ato de estudar como no passado. Divertir ainda é melhor que estudar, sempre. Por vezes, a menina corre a mão num celular de última geração, touch pad, mil jogos interativos, até educativos, e sempre mais atrativos que o colorido livro de gravuras e balões.

Sebastião questiona por que o celular e os canais de TV a cabo são mais atrativos que estudar. Às favas as regras gramaticais. A menina enche Sebastião de perguntas sobre o porquê daquela separação silábica, o que é um dígrafo, por que a letra E sozinha tem som de I. Sebastião incauto briga com a linguística, questiona quem inventou as regras, as letras. Como é difícil explicar para uma criança como um símbolo representa um fonema e que existe uma lógica para escrever quando os rabiscos impingidos na superfície branca do papel não obedecem regras, sentidos, a não ser a vontade de dar leveza às mãos dos sentidos existentes na mente ainda sem formato definido, pelo menos para uma leitura formal.

Ainda assim, é preciso continuar o exercício de ensinar a conjugar as vogais, somar, multiplicar, pois que para além da brincadeira despretensiosa dos rabiscos no papel, existe um mundo lógico, o qual proporcionou a montagem dos desenhos coloridos da tv a cabo, a montagem da estrutura eletrônica do celular touch pad e a gramatura do livro colorido, cuja intenção é ensinar brincando.

O prosaísmo prepara a estrutura didática para ensinar as crianças a aprenderem, embora a poesia da brincadeira seja uma forma sublime de suspender a vida para além da seriedade de uma vida depois da ludicidade. Aí, as crianças brincando aprendem que para além de se divertir existe... Apenas o se divertir. A diferença entre a menina e Sebastião é exatamente esta: ele já se esqueceu do que é ser criança.

                                















7 comentários:

  1. Henrique, o que está acontecendo com nossos jovens. sou professor de história, e as vezes cai a pergunta, pra que serve à história? a falta de interesse dos nossos alunos se expande dificultando o aprendizado marginalizando a disciplina Historia. estou muito triste

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    1. meu caro, isso é reflexo da aceleração do tempo, do esfacelamento das relações sociais e da diminuição da reflexão. uma nova sociedade esta em curso. não sei se pior ou melhor.

      abraços

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    2. verdadeiramente a sociedade tendeu ao imediato, individualista, as praticas desonrosas que não meça as consequências desenvolvendo a tirania e a falta de interesse pelas boas praticas.

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  2. Henrique gostaria de algumas dicas sobre alguns livros sobre:Idade Moderna, Sociedade Burguesa, Brasil Republicano, América Espanhola, Reforma e contrarreforma.se puderes, por favor ajude-me.

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    1. me manda teu e-mail para eu te passar a bibliografia

      abraços

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    2. gostaria de repor minha biblioteca com alguns teóricos nessas respectivas áreas lá vai, rafaella-dxz@hotmail.com.Muito obrigado.

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