Foi assim. Bandeiras de
mil cores turvando a paisagem que unia a terra e céu entre a descida da Praça Gonçalves
Dias e a Avenida Beira-mar. Tal descida lembrava uma cascata colorida
inesgotável de peixes pulando em busca de ar, liberdade, vida. Mas não eram
peixes, eram pessoas bradando palavras de ordem, exercendo sua liberdade de expressão,
demonstrando uma harmonia e sintonia quanto à necessidade de mudança social.
Era uma mancha de paz,
uma multidão se banhando na água torrencial da chuva caindo intermitente e, ao
invés de dispersar, renovava as esperanças de enfim sonhar com um Brasil menos
desigual. Quanto mais a chuva caia, mais lavávamos a prisão do grito contido.
Havia segmentos de toda ordem: Acorda Maranhão, representantes sindicais, artistas, intelectuais, estudantes, professores universitários, movimentos sociais, militantes de partidos políticos numa atmosfera uníssona, num brado e coro unificado.
30.000 pessoas tomaram
as dimensões entre a subida dos Palácios dos Leões e a Praça Gonçalves Dias.
Estava tudo perfeito demais. Não havia violência, disputas, depredação de
prédios, confusão com a policia, até chegarmos à Praça D. Pedro II.
Castro Alves disse que a
praça é do povo, então seguimos poeticamente tal assertiva. Desta vez a
passeata foi mais organizada, havia uma clara pauta de reivindicação, inclusive
fizemos uma votação pelo que gostaríamos que mudássemos na sociedade: educação,
saúde, moradia, transporte, fim da PEC-37.
Tudo ia bem, até que o
primeiro carro de som decidiu descer a rampa em direção à ponte São Francisco
dividindo o movimento. O sinal amarelo acendeu. Quando representantes de classe,
de partidos, ainda que sem bandeira, sem pauta partidária começaram a fazer uso
do microfone, um pequeno grupo numa violência desmedida, brutal e desumana
partiu para o carro de som e para a briga bradando: “sem partido”. A confusão
se generalizou.
Chamou-me à atenção a
violência desse grupo. Aquilo não era normal. Todos concordaram e concordam
pelo não aparelhamento e condução dos partidos políticos no movimento, mas
aquela agressão gratuita contra falas de pessoas que há anos lutam por um estado
melhor que sequer levavam bandeiras de seus partidos e falavam de questões
pontuais dos problemas sociais de São Luís eram muito, muito estranho.
Tentei conter o mais exaltado.
Era um rapaz muito forte e alto que simplesmente agrediu todos que pediam a ele
calma, inclusive mulheres. Ao tentar conversar e segurá-lo senti o hálito fortíssimo
de álcool. Estava bêbado. Perguntei a ele porque de tanta violência e porque o
uso de sua força física para prevalecimento de suas opiniões, por que estava
disposto ao confronto se aquele não era o objetivo do manifesto? Ele respondeu:
“– tu ainda não viu nada, eu vou para guerra e vou usar as táticas militares,
eu sou militar”. Comecei a entender o que se passava.
Havia nitidamente uma
orquestração para desmobilizar o movimento. Atrás desse grupo que impedia as
falas de movimentos sociais, outro pequeno grupo vestindo roupas pretas começou
a colocar máscaras para não serem identificados. Por que usavam máscaras? Os dois
grupos se uniram, começaram a fazer gestos obscenos gritando: _“nós não precisamos
de vocês”. Saquearam uma caixa de isopor cheia de água de uma vendedora e
começaram a jogar no carro de som que foi obrigado a sair em disparada. Pronto.
Conseguiram o que eles queriam. Estava acabado um dos momentos mais importantes
da história de São Luís nos últimos anos.
Depois, foi apenas consequência
da divisão. Um carro seguiu em direção à ponte São Francisco, outro a Praça
Maria Aragão. Militantes do PSTU, ainda que sem nenhuma identificação, tiveram
que ser escoltados por parte da multidão porque os homens de preto ameaçaram espancá-los.
Ficamos exatamente em
frente à ponte São Francisco tentando entender o que se passava, quando as
máscaras dos supostamente sem partidos começaram a cair. Havia gente paga por partidos de direita para impedirem a fala de representantes de
movimentos sociais. Outros foram identificados como integrantes da juventude do
PSDB e PMDB. Tudo estava ficando claro naquele fim de tarde chuvoso em São Luís.
É bem verdade que o movimento
nacional que tem levado milhões de brasileiros às ruas acerta ao não permitir o
direcionamento e a condução das passeatas por parte dos partidos políticos, afinal,
isso é uma clara demonstração pedagógica do que os partidos não estão fazendo,
ou seja, representando a sociedade. Bingo! Daí a não permitir a fala é uma atitude
não apenas alienada, como sectária, equivocada, e que permite a ascensão de discursos
fascistas.
Partido quer dizer Parte,
ou seja, uma representação segmentada da sociedade. É bem verdade que já algum
tempo perderam a sintonia e a capacidade de mobilização social, exatamente por
não entenderem determinadas dinâmicas, mas respeito quem há anos luta por um
estado melhor, tem dado sua vida pelas transformações, coisas que muitos desses
jovens apenas agora começam a tatear.
Também é verdade que a
esquerda sempre foi desunida e isso é um erro que se acumula há décadas. Por
falta de clareza, de leitura politica, por sectarismo e radicalismo,
transformam divergências metodológicas quanto às mudanças em verdadeiras
bandeiras ideológicas como se os que não concordassem com essa ou outra
estratégia fossem os verdadeiros inimigos da sociedade.
Estamos perdendo um momento
histórico de pontuar de fato as questões que nos oprimem. Esse é um momento de
resignificarmos a politica, a forma de fazer politica, de representação.
Outra questão, em cada
lugar as disputas internas visando às eleições para 2014 estão aflorando. O
movimento é nacional, mas as contradições e os projetos de poder são locais.
Existe sim no caso de São Luís uma estratégia clara não para minar a presidente
Dilma, afinal, o que é Maranhão no cenário nacional, mas direcionar o fim do movimento
temendo suas consequências quanto às demonstrações das mazelas estaduais.
Há uma questão muito
maior e muitos desses jovens não tem leitura, maturidade, experiência e nem percepção
sobre o que está acontecendo. Existe sim uma manobra politica operada por grupos
e parte desses jovens estão simplesmente sendo manipulados.
Quanto ao movimento ACORDA MARANHÃO fica o meu alerta. Ou redefine estratégias de reivindicação, permite
a fala, mas não a condução de partidos políticos, ou vão sofrer o terrível desgaste
da desmobilização, o que já está acontecendo, e vão perder a excelente
oportunidade de unificarem as propostas que incomodam a todos.
Outra coisa: caldo de
galinha, humildade, serenidade, sabedoria, nunca fizeram mal a ninguém. Porque
o Movimento Passe Livre em São Paulo se retirou das mobilizações? Inteligência
estratégica. Perceberam que estavam sendo massa de manobra de interesses mil
dentro do movimento e teriam que pagar a conta pelo vandalismo, caos e até pelo
descrédito nacional.
Existe um golpe sim,
não de estado, mas da direita que tenta ridicularizar o movimento, tornar tudo
pasteurizado, como se não passasse de oba-oba, de modismo. Foi assim que
governaram o país durante 500 anos. A direita é extremamente unida, sabe exatamente
o que quer, já quanto à esquerda, é de chorar.
É assim que se
transforma uma cachoeira de 30.000 pessoas jorrando esperanças para todo lado num fim de tarde triste, melancólico, sem sol e num imobilismo acorrentador. A alegria
se transformou em tristeza.
Bom dia Henrique!
ResponderExcluirGostei muito do seu texto!
Parabéns!!!
Abrs
Ítalo
Obrigado Italo. abraços
ExcluirSó uma correção, o nome do movimento de ontem é Acorda MA.
ResponderExcluirJuliana, obrigado. já corrigi
ExcluirO texto mais esclarecedor até agora.Obrigada.
ResponderExcluirobrigado. abraços
ExcluirMuito bom, Henrique. Palavras claras. O prazer de estar na multidão transformou-se na triste certeza de que nesta luta, nem todos estão em sintonia. Nem todos estão conscientes para unir forças contra o mesmo inimigo.
ResponderExcluirobrigado rose. também concordo e acho que as coisas pioraram.
Excluirótimo texto! o nosso final de tarde está perfeitamente representado nas tuas palavras, triste, melancólico e sem sol.
ResponderExcluirobrigado lycia. abraços
ExcluirParabéns pelo texto! Tive uma teiste sensação de estar numa micareta ontem à tarde na ponte do São Francisco!
ResponderExcluirInfeliz ideia de alguém que queria dispersar o movimento e q não tinha a menor noção do q estava fazendo!
também acho. infelizmente. abraços
ExcluirHenrique, efetivamente a ideia de pauta é vaga porque para que uma pauta se defina e tome contornos definidos, é preciso que alguém tome a frente, que haja uma representação. A lista definidas a que vc se refere foi pensada por quem luta por melhorias há muito tempo, que sabe dos limites e possibilidades dessa mobilização. Ou seja, daqueles que estão envolvidos em algum grupo, logo aqueles a quem está sendo negado o direito de voz. Todos gritam por um Brasil melhor mas o que é esse melhor? A insatisfação é clara e temos muitos motivos para reclamar mas o que realmente mudar?
ResponderExcluirO perigo de tudo o que vem acontecendo é a indefinição de um caminho e quando não se sabe para onde seguir qualquer caminho está certo.
Bj
pois é, mas tomei porrada e fui chamado de conservador. vá entender.... beijos
ExcluirHenrique, é o Roger...não vejo essas manifestações com o mesmo otimismo do meu amigo vei. Na minha opinião, em se tratando de Maranhão, não existe bandeiras, ideologias...é um bando sem rumo que se "ajuntou" para tomar cachaça, ouvir a pior música já produzida no Brasil e que, em sua grande maioria votou em Castelo e vai pela farra...vai acabar assim que os verdadeiros inconformados do sudeste entrarem em casa.
ResponderExcluirmas temos que mudar os rumos
ExcluirMuito boa leitura dos fatos. Como eu tenho dito: no meio à carência de tudo, é preciso organizar uma pauta do caos.
ResponderExcluirAlgo que me deixou triste foi a falta de pessoas mais velhas nas passeatas. A imensa maioria é composta por jovens que podem ser facilmente manipulados (não todos obviamente) e que possuem menos experiência em movimentos sociais. A participação deles é imprescindível, mas a efetiva participação dos mais experientes, das diversas camadas da sociedade civil, enriquece o movimento. E a infiltração da direita é previsível, inclusive através do aparato milico estatal. Bjos meu caro.. Vivian
beijos minha querida. se a assembléia popular fracassar, já era
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