quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Silvio Berlusconi e a politica italiana

O mundo assistiu o resultado das eleições na Itália. Silvio Berlusconi, ex-Premiere italiano, ressurge das cinzas. Mas como? O grande vencedor das eleições na Itália foi o comediante e blogueiro Beppe Grillo, líder do movimento 5 estrelas, paralisando as ações do congresso e colocando um impasse entre as intenções do centro-esquerda, e do centro-direita, liderada por Berlusconi. 

O resultado das eleições, para além da confuso e conturbado sistema eleitoral italiano, revelam a face da politica descreditada, crise de legitimidade - para usar uma expressão de Giorgio Agambem -, e da politica pragmática. 

A Itália como qualquer país possui suas idiossincrasias. Quando anunciado o retorno de Berlusconi vários setores no Brasil compararam-no com a eleição de Renan Calheiros para o senado brasileiro. A comparação merece exame, mas guarda muitas dessemelhanças: o retorno de Berlusconi é muito mais incoerente que a vitória de Renan Calheiros. Calheiros segue a longa tradição da política fisiologista brasileira, Berlusconi, a derrota da politização na Itália.

Não é fácil explicar o fenômeno Berlusconi, mas a história da Itália e o declínio do homem publico contemporâneo ajudam a compor o cenário.

A Itália viveu todo o período moderno mergulhado em repúblicas autônomas, foi a última nação européia a se unificar. Sempre viveu problemas com a noção de identidade, até que em meados do século XIX Garibaldi intenta o processo de unificação italiana, estendida até inicio do século XX com a terceira guerra de independência.

Se viu as voltas com o surgimento do fenômeno político Mussolini e o seu fascismo, também viu a aliança com a igreja católica e a criação do estado do vaticano, cravado no coração de Roma, cujo poder político se abre com grandes tentáculos por todo o país e tem muita influência.

É dividida culturalmente em várias regiões distintas que falam línguas distintas também e vive o eterno problema do separatismo entre o Norte e o Sul. O Norte, industrializado, rico, de influencia tedesca, é a sede da Liga Lombarda: movimento racialista, arianista, divulgadora do ódio racial, do ódio aos imigrantes e que considera a região Norte responsável por toda a riqueza do pais, bem parecido com que São Paulo acha do resto do Brasil ("carrega o Brasil nas costas"). O Sul, de influencia grega, macedônia e mediterrânica, é considerada pobre, miserável, sede da máfia e responsável pelo atraso do país.

A Itália gozou anos pós II Grande Guerra Mundial períodos longos de prosperidade econômica, cujas gerações seguintes viram sucessivamente os filhos serem mais ricos que os pais. A última geração antes da crise econômica e do fim da grande prosperidade é contemporânea ao surgimento do político Berlusconi. 

Berlusconi está associado ao sucesso, a imagem de homem bem-sucedido, do macho latino que tudo pode, milionário: dono do Milan, da Fininvest, de várias empresas, e, sobretudo, do pragmatismo na vida social e politica. 

A Itália vive um problema geracional: os casais se casam cada vez mais tarde e tem cada vez menos filhos - em média um por casal -, possui uma população extremamente idosa concentradora da riqueza do pais. Os filhos herdaram os patrimônios dos país, mas não possuem emprego e renda. 80% dos italianos possuem casa própria, quase todos possuem poupança, porém, com medo de investimentos arriscados. A geração que assistiu ao enriquecimento italiana é a geração de Berlusconi. O eleitor de Berlusconi é aquele que detém a riqueza do pais.

Ainda assim é vergonhoso vê-lo renascer das cinzas com tantos escândalos em sua trajetória política. Há explicações. O período Berlusconi no poder representou o declínio do homem publico italiano, a pedagogia da nova concepção de política na Itália, a ideia de que se dar bem é a norma, que os fins justificam os meios, que a politica é um toma lá da cá. 

A contradição fica por conta da imensa trajetória de debates políticos familiares, de um pais de grande efervescência politica; atravessou a fase das brigadas vermelhas; passou por governos mais para a esquerda; possui um grande legado cultural e educacional; uma sólida formação pedagógica; grandes intelectuais.  Berlusconi significou o período de crescimento econômico solapando a noção ideológica de coletividade, a tal vitória do pragmatismo.

Ao contrário do Brasil onde as famílias evitam discutir politica e religião, na Itália a política faz parte do cardápio - a sociabilidade da mesa -, ou seja, reunir a família para comer é um ingrediente da integração, da interação e da politização. Acrescido da sólida formação educacional, cultural e politica, o retorno de Berlusconi parece ainda mais bizarro, mas não é.

O retorno do ex-Premiere merece uma análise mais atenta quanto ao fato do que um período no poder com as características dele é capaz de fazer com a concepção de politica. Claro que Berlusconi não fez tudo sozinho, a mudança de percepção na politica, de atuação, oriunda do desencantamento do espaço publico, do esgarçamento das instituições democráticas, levou-os a uma "ataraxia política", uma inércia, um imobilismo, como se a estância do poder publico institucional não fizesse parte de nossa condição existencial.

Silvio Berlusconi é ao mesmo tempo protagonista e coadjuvante desse fenômeno, receptáculo e emissor de novos sentidos sociais e políticos. Seu retorno e a eleição de Beppe Grillo, um comediante -  nada contra os comediantes, muito pelo contrário -, porém, seu material de campanha, a forma como ele debochou dos políticos tradicionais são sintomas da falência dessa noção arcaica de fazer política.

O ex-Premiere representa a falência da noção de representatividade e legitimidade democrática. Do ponto de vista ético Berlusconi não possui legitimidade, mas possui representatividade de um setor do eleitorado italiano que desacredita na politica.

Quanto à comparação com Renan Calheiros, as questões de representatividade e legitimidade servem. Quem Renan Calheiros representa? Todos os brasileiros? Não, afinal, o abaixo-assinado eletrônico para sua retirada já passou de 800.000 assinaturas, corre o país inteiro e a pressão só aumenta. Da mesma forma na Itália houve protestos e resistências contra Berlusconi.

Não adianta dizer que politico é tudo igual, que nada tem jeito, é uma forma velada de não-participação da consciência critica, de omissão do espaço público. Usemos as ferramentas que possuímos para a ereção de um novo homem público, cuja esperança se assenta em perfis bem diferentes de Renan's Calheiros e Silvio's Berlusconi's.                                

2 comentários:

  1. em um paragrafo,vc colocou sobre a unificação da Itália, como processo recente -para a historia-, mas o império romano não formava uma só nação.

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    1. mas formava uma só nação mas para efeito e uso interna, os romanos, especificamente da cidade de roma, utilizam o passado, no caso o império, para afirmarem que são superiores aos italianos do norte e os do sul. é mais uma questão de disputa de espaço, lutas simbólicas sobre quem é o verdadeiro italiano

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