Thays Barbosa e Henrique Borralho
Poing, poing, poing... Lentamente as gotas caíam
no receptáculo que leva o soro até as veias. Minhas pálpebras pesadas
me impediam te ver onde me encontrava. Tudo estava mareado. Quando acordei, me
dei conta de quanto tempo já estava naquele leito, na verdade era tempo demais.
Homens de branco me olhavam apavorados, tais como os meus pais. Toda equipe
médica estava de plantão para mais um surto daqueles. Disseram-me que tive 29
convulsões seguidas. Não me lembro como fui parar ali, na verdade só tenho
rasgos de lembranças quando comecei a sentir fortes dores na coluna
ainda dentro do ônibus quando voltava da escola para casa. O ano era 1998. A
preocupação dos meus pais eram as sequelas. Estavam todos apavorados com a
possibilidade de ser um grave caso neurológico, possivelmente cirúrgico.
Passado o susto, pediram que meus pais se retirassem do
quarto. Queriam ficar a sós comigo. Eram dois médicos. Eu ainda estava muito
dopada, afinal, tive várias sessões de convulsões. Ainda assim foram direto ao
assunto e me disseram que meu caso não era neuropsiquiátrico e as
convulsões eram de fundo psicológicas, eu não tinha absolutamente nada
neurologicamente falando.
Fui encaminhada a um
hospital psiquiátrico, mas logo pela manhã iniciei outra série de
convulsões. Fui levada de ambulância de volta ao hospital. Recebia a visita do
psiquiatra todos os dias iniciando minha medicação com remédio controlado também.
Mas ainda tinha várias crises durante o dia. Dopavam-me várias vezes. Fiquei 2
meses internada e cheguei a perder os movimentos da perna, essa foi a pior
parte... Passei 1 mês e 3 dias sem esses movimentos, fiz os exames e novamente
não deram nada, tive que fazer todo um tratamento para me conscientizar de que
eu não tinha perdido os movimentos das minhas pernas, que elas estavam ali, foi
muito difícil, mas eu consegui e elas voltaram novamente.
Recebi alta. Meu namorado nunca foi me
visitar no hospital, simplesmente disse que não iria conseguir aguentar o
fardo, acho que era demais pra ele. Eu ainda tinha muitas crises por dias,
horas seguidas. Desmaiava várias vezes, quando voltava, estava em estado
vegetativo, depois recobrava a mim e começava a reconhecer quem estava a minha
volta. Muitos médicos acreditavam que eu jamais voltaria ao normal, a ser quem
eu era antes; eu cheguei a acreditar nisso também. Mas com o tempo as crises
foram se tornando menos frequentes, consegui passar no segundo ano mesmo não cursando
o segundo bimestre por meio do conselho de classe, visto que sempre fui uma boa
aluna. Os médicos me proibiram de estudar durante um ano, mas não aceitei e
consegui concluir meu terceiro ano na idade certa; tinha muitas crises em sala
de aula.
Com o tempo as crises de desmaio e
convulsão passaram, não fiquei com nenhuma sequela física, nem mental. Ainda me
sinto angustiada, às vezes. Sou nervosa e me preocupo muito com pequenas
coisas, essas foram minhas sequelas. Não vou dizer que minha luta interna
acabou, porque estaria mentindo, ainda brigo muito comigo, ainda luto pra não
cair em depressão novamente, mas isso é algo que só pertence a mim.
Ainda tomo remédio controlado, mas já estou em processo de retirada, um processo muito difícil por sinal, pois como meu organismo está acostumado há anos com os remédios, com esse processo de retirada tenho tido umas pequenas crises, crises que as vezes me fazem pensar que tudo vai voltar.
Hoje, faço sessões de terapia uma vez por semana. Meu psicanalista começou a me inquirir o porquê de tudo isso. Agora começo a ter noção de como começou.
Cresci sendo muito cobrada por mim, sempre me cobrei em tudo, principalmente nos estudos. Só tenho uma irmã mais velha e desde pequena a tive como exemplo e minha meta era ser igual a ela, causar orgulho aos meus pais tanto quanto. Não é inveja, pois a amo e quando criança a venerava como ninguém. Minha irmã passou em 2.º lugar na prova do ensino médio do melhor colégio público federal da cidade. Quando isso aconteceu, meus pais me pressionaram bastante para que eu fizesse o mesmo, pois assim cursaria o técnico e entraria para a empresa de mineração como ela. Eu, consequentemente, me pressionei bastante até o dia da prova, mas não passei. Assim iniciou minha frustração. Consegui passar em uma outra escola de menor reputação, mas lá não teria a possibilidade de fazer o técnico e entrar para a grande empresa. Passar nesse seletivo pra mim não foi grande coisa.
Iniciei meu ensino médio, tinha uma rotina frenética, pegava ônibus 5:30 da manhã e chegava 15 hs, o restante do meu tempo dedicava aos estudos. Sempre me cobrando muito, sempre achando que eu fazia pouco, conseguia pouco, nunca satisfeita comigo. Foi nessa época que eu conheci um rapaz e me apaixonei. Aliás, me agarrei! Ele era diferente, tinha uma rotina estranha ao nosso mundo, sumia e reaparecia, era mais velho do que eu e não assumia nosso namoro, não por ser casado ou ter namorada, mas por ser mais cômodo não me assumir. No segundo ano do ensino médio nosso namoro continuou, nesse ritmo eu adoecia e descarregava tudo nos estudos. Criei uma dificuldade de fazer amizades e com isso gerou uma rejeição da parte da sala comigo. Assim, me fechei completamente, embora eu sempre tenha sido muito comunicativa e brincalhona, nunca deixando transparecer minha luta interna. Fui criando um certo pavor a fazer coisas que antes nunca tinham me causado nervoso, como apresentar trabalho em público, apresentar peças teatrais (eu fazia teatro), me afastei dos meus amigos, me fechei no meu mundo.
Por muito tempo vivi lutando comigo, mas nunca deixando transparecer a ninguém, foi quando em 1998, voltando para casa depois da aula comecei a sentir as fortes dores nas costas. Foi assim que tudo começou.
Muito bom!!
ResponderExcluirque bom que gostaste.
ExcluirPerfeito como sempre...
ResponderExcluirBaseado em fatos reais?
Tive algumas impressões ao decorrer da leitura, uma pitada de Chico Buarque, naqueles momentos em que ele canta letras com sentido feminino... E amei o final explicando o começo... Simplesmente ótimoo!! Obrigada por mais uma saborosa leitura meu anjoo!!!
flavinha, é baseado em fatos reais sim. uma pessoa me procurou e me contou sua história. fiquei comovido e resolvi escrever em forma de conto. beijos
Excluirmuito massa henrique
ResponderExcluirao ler de primeiro momento parece um simple relato, mas no decorrer da leitura fui me vendo e pensando nas duras pressoes socias, familiares e do nosso próprio eu que enfrentamos durante a vida.
felipe soeiro
pois é felipe, essa era a idéia. na verdade o conto foi baseado numa história real. uma aluna minha me procurou e me contou o que havia acontecido com ela, exatamente a questão da pressão familiar. tenho alguma leitura psicanálitica, então, quando fiquei sabendo imediatamente senti a necessidade de compartilhar sobre o que o desejo e necessidade de sucesso fazem com a gente. é impressionante como somos pressionados. a intenção era essa mesmo: chamar a atenção sobre o desejo dos outros, pais, amigos e sociedade, e o que de fato são nossos desejos. abraços
ExcluirHenrique o que achas da obra de Nelson wenerck -Sodré panorama do segundo império-acredito que questões da escravidão estão muito arcaica,qual sua opinião
ResponderExcluirOlha, li o werneck sodré na graduação e um tempo atrás uma obra dele sobre literatura. o que posso te dizer é que como marxista ele estava dentro de uma lógica historiografica de pensar a escravidão dentro da lógica da expansão ultramarina e consolidação do capitalismo, logo, a escravidão ganha a dimensão de coisificação, de disputa e luta de classe, não abarcando questões das sociabilidades dentro da escravidão. a historiografia contemporanea de fato avançou muito. Portanto, acho que devemos considerar o sodré dentro do contexto da produção da obra, mas fazendo algumas ressalvas para o dia de hoje
Excluirseus comentarios são bastante precisos, mas vc não acha que essa pratica se utiliza praticamente em boa parte do brasil, principalmente os municipios nordestinos? como falaste, precisamos nos desenvolvermos e utilizar a MERITOCRACIA. Admiro suas teses seus articos seus escritos.
ResponderExcluirpois é, não tenho elementos para avaliar em quais regiões isso acontece com mais intensidade, mas desconfio que no nordeste de fato isso seja bem pior. acho que cabe uma pesquisa sociológica, o que achas?
ExcluirHistória de superação e de força de vontade, espero que hoje a protagonista da história se encontre bem e feliz!! Parabéns pelo texto!!!
ResponderExcluirSe encontra sim, e bem perto da gente. é uma jovem linda, alegre e inteligente
ExcluirFaz com que percebamos o quanto a pressão da sociedade influencia em nosso emocional. Complicado demais, nem todo mundo consegue passar e sair sem sequelas!
ResponderExcluirQuerido Gabriel, foste ao amago da questão. essa era a intenção. nem todo mundo passa daquela forma, mas todos de um jeito ou de outro sofrem pressões
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