sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

A indústria narcotraficante de coisas ruins

Meus amigos Cesare Paltrinieri e Flavio Lazzarin saíram com uma pérola: _ "via de regra, os vinhos que se tomam no Brasil são muito ruins. Enviam para cá o que de pior existe, mas não podem abrir mão do grande mercado chamado Brasil consumidor". 

Segundo eles, isso faz parte de uma lógica de incorporação dos brasileiros ao consumo de vinho - ainda é baixo em relação aos países vizinhos -, sobretudo considerando seu potencial. Pronto!! O debate esquentou. A questão adentrou na relação de quanto o capital é antitético à beleza. 

Senão vejamos, ainda segundo eles. A indústria editorial só relança livros se forem clássicos, Best Sellers, não há espaço para autores não conhecidos, a não ser pequenas editoras fora do grande mercado de distribuição ou outras alternativas de publicação. Quando se chega num aeroporto e se entra numa livraria onde estão os grandes escritores de nossa literatura? Da literatura latino-americana? Africana? Os destaques são dados aos mais vendidos, grosso modo, sucessos relacionados a auto-ajuda ou da incorporação do mundo empresarial à vida pessoal, do tipo: "como fazer seu filho ficar rico", técnicas de guerra na arte da conquista", e por ai adiante...

As livrarias fecham porque são solapadas pela ideia enganosa de que tudo pode ser comprado pela internet. Estamos perdendo o hábito de ir às livrarias, selecionar o que queremos, folhear, tomar café, etc. As livrarias que sobrevivem são quase todas de grande porte, um conglomerado nacional, às vezes internacional que abocanham boa parte da fatia do mercado.

A mesma coisa acontece com os restaurantes. Tentam a todo custo nos convencer de que comida fast food é melhor do que a nossa boa e velha picanha, feijoada, mocotó, etc, feito em restaurantes populares. Tudo em nome da praticidade, rapidez e pausterização dos costumes.

Já perceberam como os shopping centers acabaram com os antigos centros comerciais? É a lógica do modelo vitrine que iguala tudo, para fugir disso o capital inventou a tal de costumização, quer dizer, fazer a mercadoria, o consumidor, sentir-se único na sua condição de mercadoria.  

E quanto a música? Engraçado que o Brasil fora conhecido mundo afora pela sua grande riqueza musical, inconfundível, singular, claro que as coisas mudam, mas é impressionante como os hits não se sustentam, ficam no hit parade duas ou três semanas e necessitam logo serem substituídas por novos hits, pois que no fundo não foram feitos para serem lembrados, absorvidos na sua inteireza, e sim, sorvidos dentro da lógica da indústria cultural. 

Eu entendo o que Cesare e Flavio quiseram me explicar. Claro também que o novo sempre vem, as novas gerações produzem sempre coisas diferentes de gerações anteriores, a questão é o quanto o capital é antitético à beleza. Beleza é singularidade, singeleza, impacto, estranheza, impavidez, solipsismo, e, dentro de um esquema de auto-reprodução não é possível pensar numa estrutura que demande tempo, sensibilidade, calma, singularidade. O capitalismo trabalha com a perspectiva da reprodução, já disse Walter Benjamim. 

Segundo Flavio, o capitalismo é cronológico, a beleza é Kairos. Embora Kairos seja filho de Cronos, na tradução e tradição ocidental, o tempo cronológico passou a ser a da demanda da vida ordinária, o controle, o tempo marcado, datado, existencial do ponto de vista da concretude, do objeto. Kairos é também tempo, mas um outro tempo, o tempo da oportunidade, não a oportunidade de se conquistar alguma coisa, e sim, o tempo de viver o aqui e agora deslocado da própria concepção temporal de cronos, ou seja, o tempo de sentir, chorar, alegrar, vide que a relação entre viver e tempo está conectada ao tempo que nos permite sentir o que é viver.

O capitalismo nos roubou a possibilidade de sentirmos o aqui e agora independentemente de termos que tirar proveito de tudo, de tudo termos que ter algum lucro. Kairos não é lucro, vide que a vida não é mercantilizada. O capitalismo transforma tudo em mercadoria, se é mercadoria, possui sua lógica dentro de um esquema de uso, troca e venda, e existe uma conotação do Kairos que não pode ser dimensionada a partir dessa lógica.

A psicanálise lacaniana na década de 60 explicou como isso se dá. O capitalismo estimula e supre as carências do ego via consumo, ou seja, estimula a capacidade fetichizante da mercadoria levando as pessoas a uma sensação plenipotente de tudo realizar e consumir: arte, conhecimento, comida, viagens, drogas, sexo, pessoas, entretenimento, moda, bebidas, roupas, esportes. O problema é que na ultramodernidade me parece que o consumo não está mais conseguindo suprir as demandas do ego, ai, vem o vazio constante.

E, por último, um espaço importante chamado facebook. Facebook é vala, ou seja, espaço de reprodução de ideias, de fluxos de mensagens auto-reproduzidas que se realimentam. Pouca coisa nova de fato circula, criada, quero dizer, a gente repassa o que já outra pessoa disse. Menos mal!!! É melhor reproduzir o que é bom.     

É claro que há ressalvas, avanços e coisas boas no capitalismo, mas as denúncias e criticas de Cesare e Flavio repousam sobre a necessidade de não singularizar nada, mas transformar tudo ou pensar tudo a partir da concepção de largo consumo. Foi por isso que ao tomarem o vinho eles petardaram: " _tem conservante demais, isso não é vinho".

         




           

3 comentários:

  1. Henrique, excelente texto. Concordo com o teu ponto de vista.Acredito que a industria de coisas ruins ainda é a mola propulsora do neocolonialismo na ultramodernidade,sobre isso acredito que o conceito de atualização histórica se encaixa nessa reflexão.

    Renegamos a nossa cultura: Literatura, cinema, culinaria e música porque há um discurso introjetado de superioridade cultural euro-americana.Para tanto, existe a globalização juntamente com a internet com o seu velho slogan:tenha contato com o mundo!Tudo falso! O que vem pra gente já é selecionado.me pegunto, se vivemos em um mundo globalizado onde temos contato com com outros tipos de culturas? porque desconhecemos a cultura africana, já que estamos culturalmente,por herança, ligados aos nossos irmãos africanos?As informações nos são inpostas.O legado da industrialização nos transformou em seres reprodutores,perdemos a criticidade, sensibilidade e intuição.

    No munrdo de hoje, muitas pessoas vivem em crise sem degustar a autodescoberta,a mídia esta ai para criar tipos ideais modelos de perfeição humana,nos amaldiçoando a frustração de ser aquilo que não almejamos ser, alguém se habilita ao diferente? acho difícil...ser igual a todo mundo é mais confortante.

    Ps: como alguém pode gostar de mcdonalds? ou nós temos péssimo gosto culinário ou exite realmente uma industria de coisas ruins, abraço!

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    1. O pior Wendell é que a gente sequer conhece a américa latina. sabemos muito pouco sobre nuestros hermanos

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  2. Muito Bom Henrique, e adorei o comentário de Wendell também...

    Se o conceito de "Globalização" fosse utilizado da forma que tem de ser, seria muito interessante, mas caímos como sempre no abismo das "falsas aplicações do conceito", assim como a "falsa democracia" que vivemos e muitas outras!
    Se o vinho que para cá é enviado não é de qualidade, dentre outros produtos, é porque aceitamos que assim o seja. O brasileiro está acostumado a receber da globalização e do capitalismo, artigos de "moda", a roupa de moda vinda dos EUA, o vinho vindo da Europa, os artigos "diferenciados" que o dinheiro pode proporcionar... Em sua grande maioria sem ligar para a qualidade, algo que felizmente seus amigos perceberam e criticaram.
    Chego a seguinte questão: Será que eu, tendo pouco conhecimento a respeito do vinho por exemplo, seria capaz de diferenciar um bom vinho de um de menos qualidade, levando em consideração a mídia que se é posta sobre aquele vinho?
    Infelizmente o mundo hoje e deveras a muito tempo, gira em tordo do que o exterior dita (grandes países)ser bom e bonito!
    O brasileiro passa diariamente por um processo de desvalorização, onde nossa contribuição para o processo de globalização torna-se em suma minimo.
    Afinal, de um país conhecido como o país da "bunda", do "futebol" e ultimamente de um tal de Michel Teló, bem... O que podemos esperar? A valorização de nossos escritores? De nossos verdadeiros compositores? A valorização de nossas raízes culturais?

    Infelizmente ainda vimemos em um país domesticado, de fraquíssimo poder de percepção e reflexão sobre os temas que de fato interessam para o crescimento desta desvalorizada cultura, deste desvalorizado país!

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