sábado, 29 de setembro de 2012

Da Mulher Desprevenida


Da Mulher Desprevenida[1]
À Letícia, minha querida imaginária.

Por César Borralho


As mulheres esculturadas pelo espelho eletromagnético da sala, maquiadas, bem vestidas e perfumadas sob medida, exuberam sensualidade no andar e mesmo quando paradas, só existindo, estão reluzindo beleza e esbanjando o tom magnífico do poder e da realeza feminina. Essas mulheres melhoram nosso dia, emprestam graça e harmonia à noite e tornam o mundo encantador. Mas não sabemos como são essas mulheres.
A gente se sente lesado quando a imagem cria perspectiva e esta é dirimida quando a personagem troca de roupa ou quando após a cama abre a boca e em tudo nada diz. A gente lamenta quando percebe que o intrínseco era o acessório porque o acessório ocupou o lugar do essencial.
Quando o corpo é acessório da roupa, as unhas são acessórios do esmalte, as pernas – do salto, o rosto – da máscara, tudo é nada porque o que existe e brilha é tão pouco e sem nenhuma maravilha que se sustente de si! Não sabemos como são essas mulheres, até conhecermos o tato frio e rápido, a pele ilustrada e perdida, o busto em riste, a barriga apertada, a perna enrijecida de ginástica, o salto maior que a elegância e a boca perfumada de chiclete, sem fragrância de palavra.
O mais triste é que a boca iletrada não cessa, não cala, fala em nome de tudo. E como fala a boca iletrada – uma caixa vazia e amplificada cujo eco ressoa pro nada. Não se sabe o que devora a pintura, o que é superfície e sequer a profundidade da moldura.
Quem tiver a fortuna de topar com a mulher desprevenida, os cabelos ao molde do vento, as unhas despidas de cor, as vestes compridas demais ou consumidas pelo tempo e ter seu espírito repleto de alegria porque encontrou a mulher desprevenida e ter assim sua alma e sua pele atraídas pelo que realmente atraí, agradeça a sorte de achar a mulher desprevenida porque foi encontrado pelo o que estava procurando. Fazei silêncio, não dê alarde, não banque o preço da vaidade e não exponha sua sorte por aí. É que encontros desta natureza são presentes da vida, esta engenhosa rapariga que guarda surpresa quando estamos cansados demais.



(César Borralho)
27.09.2012



[1] Uma crônica que não acabei porque me tornei um escritor que não escreve.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Gilles Lipovetsky e a cultura-mundo

Já não é de hoje o anúncio da crise e do mal-estar moderno, exemplos de: Kark Marx, Nietzche, Heidegger, Benjamim, Horkheimer, Adorno, Marcuse, Michel Foucault, Guy Debord, Francoise Lyotard, Joseph Fontana, Fredric Jamesson, Eric Hobsbawn, Boaventura de Sousa Santos, Marilena Chauí, Zygmunt Bauman, Baudrillard, Eisenberg, Slavoj Zizek, Lipovetsky, Marc Augé, dentre outros.

Em linhas gerais, todos apontam a falência do mundo tido como civilizado, de um modelo civilizacional que prometia a equidade, a felicidade, a paz. Todos também apontam que essa falência é apenas em parte de fato uma falência. Qual falência?

A criação de uma sociedade desorientada – termo utilizado por Jean Lipovetsky e Jean Serroy –, é o espetáculo impávido do projeto moderno civilizatório ruindo, desmoronando com todas as suas bandeiras. De forma atônita, vê-se a criação de um webmundo, do cyberespaço, da indefinição entre tempo e espaço, da escala crescente da violência, de uma crise alimentar mundial estruturante, das crises econômicas, do afloramento do hipercapitalismo, do hiperindividualismo, da hipertecnicização, do hiperconsumismo .

No entanto, em meio a essa guerra civil molecular – termo utilizado por Einsenberg –, e mesmo nas crises capitalistas, existe no horizonte algum projeto de substituição de um capital globalizado por outro modelo mais racional de economia e vida social? Resposta: não.

Logo, a desorientação da sociedade é ao mesmo tempo o desdobramento de um modelo humanista falido, e a capacidade do capital de se adequar também a esta crise. O capitalismo foi um projeto moderno responsável pela modernidade, segundo Marx; para Weber, uma extensão deste projeto. 

A crise humanista não foi provocada pelo capital, mas o capital se beneficia da crise, afinal, em meio a uma confusão e à indefinição para onde se segue, continuam os processos crescentes de acumulação de riqueza, a desigualdade entre hemisférios; o Norte é rico, o Sul, com exceção da Nova Zelândia, Austrália, o resto ainda que apresenta sinais de crescimento, casos como os do Brasil e África do Sul, possuem grandes faixas de pobreza. 

Enquanto não houver melhorias significativas na distribuição da riqueza global, no problema de abastecimento de água, na melhoria das condições de vida global, no acesso à educação e à informação, na redefinição da concepção de política, não haverá segurança no mundo e a sociedade continuará desorientada, afinal, perdemos a identidade de quem nós somos, substituímo-la pelo referente do consumo. Somos espectro de nós mesmos, como diria Baudrillard, meros simulacros.      



quinta-feira, 27 de setembro de 2012

The little animal autumn

Por conta da posição da terra, os dois hemisférios recebem intensidade da luz do sol de forma diferente. As estações do ano não são as mesmas para os dois lados. Enquanto agora no norte é outono, aqui nos trópicos é primavera.

Para quem está ainda mais perto do Equador as estações do ano quase não variam, é quase sempre calor o ano inteiro.

No norte, onde já é outono, um animal pequeno aparece nessa época. Sua função é varrer a lama. Por conta das folhas secas que se acumulam nos campos, bosques, praças, ruas, da aproximação do inverno onde tudo morre para renascer, esse pequeno animal revolve o que está morrendo para a renovação da vida.

Sua insistência é impressionante. Quando os ursos se preparam para hibernar, quando todos os animais, sobretudo as formigas recolhem comida para o abrigo e a escassez do rigoroso inverno, ele aparece para transformar o que a natureza e os outros animais deixam morrer. 

Às vezes, carrega um fardo “maior” do que pode suportar. Chega a carregar três, quatros folhas de uma vez. Quem o vê trabalhando, insistindo na transformação, acreditando, não o entende. Não se dá conta de que essa é sua função: transformar o que está morrendo em vida, por isso a esperança é o seu horizonte.

Quando os outros animais olham a tristeza no outono, ele enxerga luminosidade. Para isso existe, foi dotado de uma capacidade de resistência que os outros não têm. Não é melhor, apenas diferente.

Acontece que existe uma sina nesse animal que os outros não sabem. Não faz seu trabalho apenas por dever, faz porque se não o fizer, morre. Em vez de tudo se transformar, se confundirá com a lama do outono, se embaralhará com as folhas adentro do chão e virará macadame para ser pisado. 

Quando ele realiza seu trabalho vira uma potência, quando não, o pior dos animais: triste, sombrio, melancólico e depressivo. 

Ele já começou sua jornada, tudo parece difícil e pesado demais. Ele vai conseguir, para isso a natureza o fez, essa é a natureza dele, transformar. 

Quando enfim realizar seu trabalho, no hemisfério norte começará o inverno, nos trópicos, verão; tempo de luz, calor e energia renovada.                     


        





quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Surfando

Não é força bruta que vai te fazer avançar,
não é a fórceps que a ideia vai chegar,
é desmesura, vazio, sentido perdido,
o tempo espera a tua força bruta recuar,
quando enfim estiveres preparado, a notícia vai chegar
trazendo na bagagem a melodia,
os tempos sóbrios findam,
vem aí a aurora da manhã,
o ano da transformação arruma suas malas
deixando marcas incontestes,
mas serão lembranças de um tempo de preparação
para a grande cerimônia,
a grande festa depois de um ano de luta, de provação,
vem aí a aurora da manhã,
vem aí um novo tempo,
é momento de deixar o passado para trás
seu verdadeiro e único lugar,
enquanto o ano bom não vem o jeito é surfar,
com direito a caldo, água no nariz e altas ondas,

o negócio é surfar, segurar, suportar e esperar o que virá de dentro das ondas    

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Rússia: um desejo distante

Para Marina e Anna  

Maiakovski certa feita disse: “me disseram que num lugar distante, parece-me que no Brasil, existe um homem feliz”. 

A distância entre a Rússia e o Brasil, em todos os sentidos, pode ter levado o grande poeta russo a imaginar a felicidade nos trópicos. E o que Maiakovski sabia do Brasil? Talvez muito pouco, tal como nós brasileiros também o sabemos sobre aquele país fantástico, gigantesco, distante e que em parte é coberto pelo gelo. 

Dos russos sabemos sobre o período czarista, a revolução russa, o período da ex-União Soviética e do grande desenvolvimento na linguística, na psicologia, na neurociência, no desenvolvimento sociointerativo, na teoria da história, na fotografia, no cinema, ciência como um todo, no esporte, e, sobretudo, na literatura. 

Quem nunca leu Dostoiévski, Maiakosvski, Nikolai Gogol, Alexandre Puchkin? Eu conheci um pouco da Rússia através dos olhares desses escritores. Imaginei-me andando pelas belas ruas de São Petersburgo a partir da poesia de Dostoiévski. Se bem que para muitos São Petersburgo é um sonho europeu em território russo, a “verdadeira russa” é Moscou. 

Essas palavras me foram pronunciadas por uma russa, a Anna, dona de uma pousada em parceria com sua compatriota, a também e igualmente simpática, Marina. A Pousada Atlantis fica em Jericoacoara, interior do Ceará. 

Passamos horas conversando sobre o seu país, as diferenças culturais, a saudade e o que mais diferencia a Rússia do Brasil. 

As diferenças pararam quando começamos a falar de Maiakovski. Percebemos que mesmo em mundos distintos e distantes, longínquos, até imaginados, quando o sentimento aflora, poetas, artistas, escritores são capazes de expressar aquilo que é comum a todos: o desejo de felicidade. 

Se Maiakovski estivesse vivo, eu diria a ele: – Eu li que você escreveu que no Brasil existe um homem feliz. Existe sim, na verdade são mulheres; são duas russas morando num paraíso terreno, donas da Pousada Atlantis em Jericoacoara. Elas se chamam Anna e Marina.

Elas são de Atlântida: aquele país lendário habitado hoje entre os sonhos de Maiakosvki e os desejos de José de Alencar.







segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O Romantismo como invenção da Nação

Defendo o princípio de que a invenção do romantismo se deu com William Shakespeare, não com Jean-Jacques Rousseau. No processo de transladação entre o medievo e a modernidade, exatamente quando se assistiu à debaclê dos princípios cristãos ortodoxos e ao nascimento da desconfiança cartesiana, Shakespeare “inventa” o amor romântico entre um casal no processo de desfalecimento do amor e da proteção divina religiosa de Deus para com os homens, na verdade, do princípio de salvação coletiva pregada pelo catolicismo, para a invenção da privacidade e da nova subjetividade. Romeu e Julieta são os arquétipos da nova subjetividade e do novo conceito de amor. 

Quando anos mais tarde Rousseau advoga o princípio do romantismo, penso que já vinha na atmosfera de crença de um novo homem e de uma nova concepção de existência iniciada com Shakespeare. 

O movimento em si surgido no século XVIII e que ganhou força no Brasil no século XIX – exatamente o romantismo –, como concepção racionalista antideísmo e antiexacerbação racionalista iluminista, teve na Alemanha sua mais forte expressão, quer na música com Mozart e Beethoven, quer na literatura com Goethe, quer na geração filosófica alemã, quer na história com Humboldt e Ranke.

Os alemães tiveram no romantismo sua ideação de um ethos fundante de sua germanidade. Foram buscar nos primórdios da cultura germânica os traços de sua identicidade. A história contribui poderosamente para o processo de unificação alemã e foi buscar através do romantismo os elementos constitutivos de um passado brioso, de uma elã sustentador daquela nação. 

No Brasil não foi diferente. A invenção da nação brasileira foi uma operação romântica, quer na literatura, quer na história com o IHGB (Instituto Histórico Geográfico Brasileiro). Na literatura basta falarmos da Escola de Niterói e do grande e maior poeta romântico brasileiro, Antônio Gonçalves Dias. Na história basta mencionarmos o fato do IHGB buscar na Alemanha dois historiadores para a escrita da história brasileira: Spix e Von Martius.  
  
Os alemães recorreram ao princípio do Comitatus, da lenda de Thor e Odin, do arianismo como esteio da germanidade. Nós, brasileiros, inventamos um índio idealizado que não já existia mais – um índio aimoré do século XVI –, um guerreiro medieval para a criação de um brasileiro. Claro, não poderia ser o negro o tipo ideal brasileiro, afinal, era escravizado; nem o índio do século XIX, que estava sendo dizimado. 

O romantismo como movimento valorizador do sentimento, da intuição, da predileção pelos grandes valores (liberdade, politica, arte, moral), da ideia de síntese universal, de pátria, acabou por encapsular algumas ideais acerca da ideia de uma nação. Hoje, essas ideias além de desmitificadas, não se sustentam mais. 

Nós saímos do grande projeto da nação, da pátria enquanto pai, para os discursos singularizados, individuais e sectários.   

O que sustenta hoje os projetos das nações?  




Entrevista com Arton, de Sirius. Parte II

  Entrevista realizada no dia 14 de fevereiro de 2024, às 20:00, com duração de 1': 32'', gravada em um aparelho Motorola one zo...