sexta-feira, 31 de agosto de 2012

A literatura, a história e a infância: Parte II

Eu já contei aqui neste blog no ano passado quando fui convidado para ministrar uma palestra no município de São José de Ribamar, pertencente à ilha de São Luís, sobre a relação entre literatura e história, e do quanto gostei da experiência. 

Pois é, se repetiu. Dessa vez numa escola da zona rural de São Luís, a Mário Martins Meireles, nome do maior historiador maranhense de todos os tempos. A experiência foi igualmente fascinante. Adoro falar para adolescentes. 

Levei uns slides sobre a produção literária maranhense, um pouco da história e 6 exemplares do meu livro  (Uma Athenas Equinocial) para presentear quem acertasse minhas perguntas. Voltei sem um livro para casa. Era uma forma de prender e chamar a atenção deles. 

Fiz o percurso da aventura das letras no Maranhão, influências, estilos dos nossos escritores e o quanto eles foram importantes para a formação de gerações inteiras de pessoas induzidas a serem poetas. Não adentrei na tradição, na invenção das tradições, no quanto o exercício de invenção da memória e da história serve a diferentes propósitos, inclusive para referendar dizibilidade de um lugar ou identidade; o que me interessava era levá-los a imaginar o papel da literatura.

Quando terminei a palestra, começaram as perguntas. A curiosidade não se deteve sobre o conteúdo, acho que não gostaram da palestra ou do palestrante, foram direto sobre o ato de escrever. O que leva um escritor a escrever? Como eu havia escrito aquele livro? Como ter ideias? Assim por diante. 

Senti-me em casa. Vi-me exatamente na idade deles quando tudo em mim era dúvida, ainda hoje tenho algumas, no entanto, eu poderia com minha pouca experiência de escritor passar para eles como tudo começou. 

Narrei um pouca da minha trajetória na graduação e pós até chegar na ideia do blog. Contei como as ideias surgem em mim, como tenho sempre em mãos um caderno e uma caneta e anoto tudo o que me vem à mente. Disse que tudo pode virar um texto e texto literário, que não desperdiçassem ideias e palavras, que escrevessem sobre tudo, tudo o que viesse à mente e sobretudo, lessem bastante. Para escrever é preciso ler, ler o mundo, inclusive.

Eles renovaram minha esperança de que escrever é antes de tudo uma atividade de amor à vida. 

Obrigado alunos do colégio Mário Meireles e a João Batista pelo convite.  

Eu disse inclusive que aquela experiência iria virar uma crônica. Viram? Tudo pode virar um texto.     



quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A 7 graus

Um casaco de frio para uma noite igualmente gelada. Sapatos desconfortáveis e não adequados, nem mesmo o casaco o era. Mãos no bolso, respiração gelada, gelo nas narinas, nariz de pinguim. Muito, muito frio. Ninguém na rua. Quem se arriscaria naquela noite gelada sair de casa? Para ir aonde? Quiçá aquele horário!!!

O caminhar sozinho era tão insólito quanto a estranheza do lugar. Ninguém para cumprimentar. A língua não ajudava, bastava balbuciar para se reconhecer que se tratava de um estrangeiro. O frio apertava. Caminhar naquele instante já não era apenas um exercício de conhecer, era uma necessidade de não congelar. 

Olhar para baixo ajudava a evitar o corte do vento, aquela sensação de que o rosto iria queimar, mas também evitava de, pelas pupilas, fotografar na memória a paisagem urbana. O jeito era continuar caminhando e sentindo a atmosfera do lugar.

Ao cruzar todo o centro, atingiu o primeiro bairro. Uma cafeteria. Um café gostoso, quentinho, com uma pequena taça de água mineral, um pouco de suco de laranja e um profiterole. Tomar vagarosamente. Acabar logo significa fazer todo percurso de volta, enfrentar o frio de novo, corte gelado na cara, brisa de morrer, sapatos inadequados, casacos idem. 

Uma inscrição num monumento: "ensina-se português". Lembrar de falar na sua língua. Não, não havia ninguém ali por perto, o jeito é continuar caminhando. 

Hotel. Aquecedor nos pés não dá conta. Cobertores amontoados mais lembram um urso hibernando.

Se deu conta que estava sonhando. Com aquele frio ninguém jamais se meteria a sair de madrugada com sapatos inadequados, casacos idem, andando a esmo pela cidade afora sem rumo nem destino. Mesmo com o aquecedor sem dar conta do frio, era mais seguro ficar ali. Lá fora os termômetros marcavam 7 graus abaixo de zero.   




quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Egotrip

Em homenagem a César Borralho, Tadeu Bicalho, Patricia Luzio, Felipe de Holanda, Lucia Tugeiro, Margarete e Nel Maia, Ana Cristina e Kátia França   


A vida pode ser bem mais que ego, disputa e competição,
mas não se sabe bem ao certo com que armas vai se lutar,
se arma para lutar, defender, atacar,
não precisa ser assim,
a vida pode ser bem mais bela que disputa e competição.
Vai dizer para o ego que ele não deve se armar!!!
Diz para ele não se defender de outros egos dispostos a sempre atacarem,
conta a história e ele te explica porque ficou tão grande,
vai buscar nas reminiscência da vida as estratégias de defesa,
deixa ele narrar como se faz para se armar, sobreviver e lutar
porque todo mundo ataca quem tem ego grande,
mas não se respeita quem tem ego pequeno,
os egos estão sempre em conflitos, por isso disputam tanto,
mas o certo é que na vida agente se cansa de tanto lutar,
há mais beleza em amar, não em ARMAR,
tira o R e fica igual,
com o R que sai vamos escrever REAMAR,
amar quantas vezes forem necessárias,
para todos os egos saberem enfim,
que amar-amar é melhor que ARMAR
e porque a vida pode ser mais bem mais que ego, disputa e competição,
Chega!!!! Esse ego grande eu não quero mais não,
vou baixar as armas, deixar-me levar então,
talvez para um lugar onde eu não precise lutar tanto assim,
um lugar que ao invés de lutar tanto a gente só precise AMAR um pouco mais


  

   

terça-feira, 28 de agosto de 2012

A beleza salvará o mundo

Todorov, no livro de crítica A beleza salvará o mundo, analisando as obras de Wilde, Rilke e Tsvetaeva, mostra-nos por que a arte é imprescindível. 

Nascida como aspiração ascética, encapsulada pela religião, que ocupou o espaço e ainda ocupa de sublimação, a arte foi ganhando ares específicos de um tipo de manifestação pungente da condição humana: a vontade de existir e de expressão das variantes da percepção da existência. 

A obra e sua forma narrativa de contar a história transporta para o universo de Wilde, Rilke e Tsvetaeva, identificando os sentidos que os levaram a manifestação da vida, sem olvidar, é claro, das contrariedades e contradições do existir. Nisso reside a beleza da vida e para isso existe a arte; o artista consegue desdobrar a dor da vida como poucas pessoas, ele a transforma em arte. 

Por que a beleza salvará o mundo? Porque a magia da vida se esconde na adversidade, na dor, na exceção, na falta, na tristeza, na ausência, exatamente para mostrar que a vontade de transformar a dor em tristeza é a chave da descoberta do não revelado. “Para passar pelo Cabo Bojador, é preciso passar além da dor”, já disse Pessoa. 

A literatura possui essa imensa capacidade de traduzir em palavras o lugar comum de nossa existência, portanto, ao falar do que é compungido para eles, Wilde, Rilke e Tsvetaeva falam daquilo que é nosso, a arena e o palco onde a vida sem arte precisa ser transfigurada na arte da vida e da vida que existe na arte e, também, da vida da arte. Sim. Quantas pessoas já se debruçaram sobre a trajetória da arte e correlacionaram com o movimento histórico da busca do homem pela felicidade? Portanto, arte e vida se misturam, e aqui eu tomo a literatura como expressão da arte, aliás, como arte em si mesmo. 

Por que a beleza salvará o mundo? Porque não inventamos a arte para suportar o peso da vida; foi a arte que nos convidou para adentrarmos nas suas sendas e mostrar que, apesar de tudo, existe beleza. 

domingo, 26 de agosto de 2012

Lembranças de Pindaré-Mirim

Para minha irmã Margarete

Havia 30 anos que eu não pisava ali. Exatos 30 anos. Uma vida. Muita coisa mudou. Na travessia entre as cidades de Santa Inês e Pindaré-Mirim, busquei na memória as imagens guardadas de uma criança de 7 anos.

Pouca coisa sobrou da mata que separava as duas cidades. Casas e comércios existem agora no que antes era apenas a relva verde.

Sentado sempre na parte da frente do Expresso Florêncio, inconfundível pelo colorido de sua lataria, buscava os primeiros traços da cidade onde eu sempre passava as férias na casa de minha irmã Margarete.

Na entrada da cidade ainda existe o campo de futebol, hoje, com o muro de proteção mais alto. Meu Deus!!!! Como as crianças, a gurizada faz hoje para ver os jogos? Tem que pagar?

Calmamente eu tentei recobrar os lugares-memórias, mas tudo mudou, tudo muda, quiçá 30 anos depois. Avistei algo difícil de apagar: o majestoso e velho engenho, guarnecendo o rio que batiza a cidade. Não é mais suntuoso como antigamente.

O Rio Pindaré me pareceu dessa vez mais raso, mais estreito e não tão assustador como antes. No rio acontecia o programa da família predileto: pescar. Eu, o menos hábil e adestrado na matéria, quase nunca pescava nada. Meu pai sempre se ria quando me perguntava quantos eu já havia fisgado. A resposta era sempre a mesma: – Zero peixe!!!! Gargalhadas.  

A outra margem já está completamente ocupada. Aluguei um barco e na companhia das minhas filhas Lucía, Milene e da babá Luciana, descemos rio abaixo. Lucía, a mais velha, me perguntou se era nesse rio que eu brincava quando criança. Alegremente respondi que sim. Foi uma festa quando elas viram crianças nadando na parte funda, patos, galinhas, porcos dentro d’água e não podia deixar de faltar pessoas pescando com caniço, tal como fazíamos 30 anos atrás.
  
Preparei-me para o grande encontro: a casa onde minha irmã morava. Hoje é uma “quitanda” (comércio), já bastante modificada. Nesta rua sem saída havia uma praça em frente à casa. Do outro lado, havia uma espécie de pequena fazenda com animais, muitas árvores e um pé de limãozinho que, Ribamar, amigo de infância, sempre pegava para mim.


No final da rua, uma igrejinha. Ainda está lá, mas completamente modificada. Lembrei-me das brincadeiras noturnas, o primeiro beijo, o teatro infantil, o futebol, e claro, o rio, sempre ele, espaço de fascinação-adoração-desejo e muito medo. Eu o amava e o temia ao mesmo tempo. Eu sempre o contemplava no sentido oposto da casa de minha irmã no fim da rua, ladeira abaixo. Não resisti e fiz o mesmo percurso. Ele estava muito raso. Já não sentia o seu vigor como antes. Ele mudou, e eu também.

sábado, 25 de agosto de 2012

Por que é preciso lutar contra a opressão?

O que é opressão? Toda força empreendida no exercício da subjugação do outro, de humilhação, de não libertação. A história da humanidade é a da luta de classes, já disse o velho e bom Marx. Temos assistido ao longo da história a disputa de correlações de forças pela tomada de poder, pois que na verdade, o poder é sempre uma medição de força. 

Hannah Arendt disse que o uso da força é um ato de não reconhecimento da autoridade, quando se usa a força a autoridade não está constituída. E por este principio que ao longo da história assistiu-se abusos, atrocidades, tiranias, massacres como forma ilegitima de implementação de uma nova autoridade. 

No Egito antigo as pirâmides não foram erguidas pela força da mão-de-obra escrava, mas pelo principio da "servidão voluntária", ou seja, durante seis meses os servos do faraó prestavam serviços de construção de obras públicas como ato de devoção religiosa, logo, reconhecia o caráter divinatório do lider supremo. 

Com a modernidade o caráter mágico e de encantamento do mundo se quebrou, as relações sociais passaram a serem estabelecidas por nexos artificiais de concepção de convivência pública, assentada no principio do direito como estância reguladora e legitima do controle social, podendo lançar mão do aparato militar, portanto da força para o estabelecimento da ordem.

E quantas atrocidades têm se cometido? Tiranias, oligarquias, ditaduras, toda forma de opressão, de alienação, de construção de ideologia com o fito de tornar o outro subjugado. É preciso lutar sempre contra isso. Somente o exercício constante da critica, da educação, da reinvenção da memória contra o esquecimento são capazes de tornar possível o horizonte de possibilidades de uma vida mais digna, menos opressora.

Os céticos dirão que a ideia de vida é uma construção social, que a igualdade é uma utopia, que tudo não passa de uma mera argumentação discursiva. É possível. Entretanto, ainda que uma invenção, entre o ódio e o amor eu fico com o último, entre a paz e a guerra, fico com o primeiro, a liberdade e a opressão, sempre defenderei a liberdade.

Como tudo na vida tem um preço, é dever de toda pessoa lutar contra qualquer forma de opressão, sobretudo a politica. Silenciar e se omitir diante de qualquer opressão politica é tornar-se aliado dela.                  

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

alaridos

São vozes, falas, ruídos
paralelos numa altíssona Babilônia
frases, ideias, concatenações,
ligações, suposições interrompidas

Palavras que atravessam os ouvidos
sem chamar atenção
não fixam, não colam, não aderem,
ali, Ele não se reconhece


quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Vertigo

Ele saiu da boite nauseabundo. Tropegamente, procurava seu carro no estacionamento. Para dar a partida levou muito tempo. Ao dirigir, as luzes da cidade faiscavam na sua retina serpenteando com um laser o foco esticando-se numa trajetória disforme sem fim. As buzinas, o semáforo, tudo o aturdia, nada o apascentava. Com muita sorte conseguiu chegar a casa. Deitado em sua cama, não reconhecia a alcova de toda noite. Tudo rodava. Uma sensação de ânsia tomava seu corpo. Vozes, imagens, sensações perturbavam sua alma. Tudo era estranho. Uma forte dor no peito, uma falta de ar, um querer que seu estomago lhe saísse pela boca na espreita de que aquela sensação horrível parasse. Levantou-se cambaio da cama e foi até o banheiro. Olhou fixamente no espelho. Não reconhecia seu próprio rosto. De tanto fixar o olhar em si diante do espelho, apareceu-lhe outra face de si mesmo, ainda que não houvesse mais ninguém ali. Queria ser um balinês que costuma cerrar os dentes arrancando-lhe os demônios. Então como um Maori bateu fortemente no peito deixando vermelha a pele de tanta força, arregalou a língua, exclamando depois: – Sou eu, sou eu, sou eu!!!!!  




quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Cinderela de Berlim

Ao ler o conto de Lenita Estrela de Sá, Cinderela de Berlim, publicado no livro de contos Cinderela de Berlim e outras histórias, fiquei encantado pela forma como a autora explora uma das questões que sempre me inquietaram, a saber: a difícil análise dos encontros culturais, quando se trata da relação entre turistas estrangeiros e brasileiras. 

A literatura por sua grande capacidade de descrição dos elementos subjetivos de cada personagem, do embate entre personas, se nutri dos elementos sociais cotidianos.

O conto, ambientado em São Luis, precisamente no centro histórico, toca na tangibilidade muito cara concernente ao encontros entre turistas e nativos, estes últimos, moradores de uma cidade pobre, e os primeiros, alguns, que para o Brasil também vêm em busca de sexo, pautado no exotismo dos trópicos, no apelo corporal das nativas, além da ideia mais que recorrente de submissão cultural existente nos brasileiros a partir de suas condições financeiras e no imaginário acerca do outro, no caso, estrangeiro, leia-se, "melhor", "superior".

A narração do conto é preciosa. Descreve os elementos sentimentais, angustiantes das personagens Rosário e Vânia que sofrem preconceito, violência de policiais por serem negras, pobres, marginalizadas. Não faltou também a descrição da difícil convivência em um ambiente hostil de quem mora no centro histórico de uma cidade patrimônio da humanidade, e que por vezes, de humanidade só resta o que de humano tem nos seus moradores, ou seja, os laços de sociabilidade, por parte do estado, muita pouca ação humanizante.  

O conto ultrapassa e muito a condição dominação/subjugação entre brasileiros e estrangeiros. Nem todo estrangeiro vem ao Brasil para simplesmente comer as brasileiras, assim também como nem todos vem para um exercício de alteridade, no entanto, há casos e casos. 

Toda relação implica uma via de dupla mão, portanto, ao se encantar, apaixonar, se interessar por um estrangeiro, existe além da questão da escolha por quem ficar, o encantamento pela grande sensibilidade que estrangeiros possuem e demonstram ao prescrutarem os elementos sentimentais, enxergando nas nossas mulheres, pobres, negras, "feias", uma docilidade, uma amabilidade que estes em alguns casos já não enxergam nas mulheres de seus países, afetadas pelo desenvolvimento do capital, além do fato de que, muitas das vezes, os homens brasileiros não veem, não se interessam por características específicas existentes nas nossas mulheres. 

Sem ingenuidade, não dá para descartar os elementos econômicos, ideológicos em relação aos encontros culturais entre dois mundos distantes, no entanto, para além dos condicionantes meramente sociológicos, existe um amar, o amor, e este não tem regra, lógica, racionalidade. Independentemente da nacionalidade, da cultura, gostar é gostar em qualquer lugar, afeto é afeto. Pronto.

Franz vem da Alemanha, retira Rosário e Vânia da cadeia, acusadas injustamente por tráfico de drogas. 

Leva Rosário, sua Cinderela, seu grande amor para morar em Berlim.

Parabéns Lenita, seu conto ultrapassa a visão estereotipada dos encontros afetivos entre brasileiros e estrangeiros, ele celebra o amor entre pessoas, independentemente da nacionalidade.                 

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

A decisão

Um pequeno braço de mar e mais uma faixa de areia separa a barraca onde um dos irmãos estava e uma de suas irmãs, a petiz de traços afoitos. Ao longe já se ia outro irmão, o mais velho com a irmã ainda mais nova do que a petiz de traços afoitos.

Decidida a ficar na pocinha d’água com outras crianças que mal acabara de conhecer, a petiz afoita momentos depois, arrependendo-se da decisão de não ter ido banhar no mar com o irmão mais velho e a irmã ainda mais nova, deixa de lado as outras crianças e decide se juntar aos seus, que caminhavam já longe. Era longa a distância. Uma faixa de terra ainda mais larga a separava do mar, do irmão mais velho e da irmã ainda mais nova. 

Como iria sozinha alcançar os passos de um irmão já adulto que segurava sua irmã caçula nos braços? Da barraca o outro irmão assiste a toda a cena. Pergunta-se se ela teria tal coragem, até onde iria sua intrepidez. Fica atento.

Começam seus passos. Ela está decidida, nada pode demovê-la da decisão. Ela para. Olha procurando os traços do irmão e da irmã, já não identifica a silhueta dos corpos, estão longe demais. Decide prosseguir de novo, para de novo. Volta a caminhar. Para de novo. Olha para a pocinha onde estão as crianças, fica em dúvida sobre a melhor opção: seguir até ao mar ou brincar com as crianças? Se prosseguir mais o percurso entre o mar e a pocinha será equidistante. O sol está forte. Da barraca, o irmão observa atentamente o desfecho da petiz. Ela para, não anda nem para a frente, nem para trás, apenas fica inerte em dúvida sobre qual decisão tomar. Demora-se um pouco, procura o irmão e a irmãzinha. 

Decide voltar para a pocinha.

Da barraca, o outro irmão ri sozinho. Ele queria saber até onde sua irmã iria? Ele sabia que ela declinaria da ideia de ir até o mar...

Ninguém na verdade sabe por que ela de fato não foi..       

        


domingo, 19 de agosto de 2012

À frente

Por mais que eu corra não consigo alcançá-las,
estão na minha frente, e eu desesperado chamo por elas,
o giro da roda aumenta, a musculatura se enrijece,
estico a mão, gesticulo com os braços, e nada
não olham para trás, não ligam para mim,
eu queria das outras vezes quando tomando minhas mãos
num ato sem controle escorreram pelo papel o grito verbo,
eu penso no corpo delgado da atriz do filme de ontem, nada!
naquela poesia, livro, palavra, nada, nada!!
nem me escapam porque hoje nem as toquei
sequer cheguei perto
a dor muscular já não acompanha o desejo de tocá-las
eu queria que elas desejassem o meu desejo, nada....

Volto. Prendo a magrela,
subo as escadas esbaforido,
olha para a estante cheio de livros e digo: – tantas de vocês aí e nenhuma me quis!!!!!
é muito ruindade,
vou te dizer.......
   


sexta-feira, 17 de agosto de 2012

feliz (c) idade

Veneranda ideia de tudo sorver,
é igual à atitude da criança de tudo querer saber,
mas não dá para sorver tudo,
assim como não dá para tudo se saber,
só aos poucos a poeira vai assentando,
a rede balança devagar,
vê-se a vida passar pela janela
os barulhos do carro,
um choro de criança
um grito de uma coruja

Aquele desejo de tudo querer ser,
não vai dar,
aquele filme para assistir, agora também não,
o que dá para fazer é acreditar no que se sente,
sorver a vida como pode ser sorvida,
isso sim,
não como a gente quer,
mas como pode ser,
isso sim

Deixa para lá,
deixa essa rede balançar
deixa essa paz interna inebriar, ainda mais
deixa essa felicidade arrebentar,

vamos ver o que dá,
isso sim dá,
vamos deixar a felicidade, feliz idade chegar

Este poema é bobinho,
mas deixa estar
deixa para lá,

Ele não é linguagem fática,
é apenas um desejo bobo
de expressar que a felicidade veio para ficar





    

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

O papel dos intelectuais

O conceito de intelectual, com a proporção que concebemos atualmente, foi cunhado na França do século XIX no conhecido caso Dreyfus. De lá pra cá, o papel dos intelectuais tem sido controverso, ora de admiração, ora de espanto, ora de silêncio. 

Gramsci se tornou figura de proa na critica à política italiana e um dos grandes pensadores sobre o papel dos intelectuais. A Escola de Frankfurt (Adorno, Benjamim, Marcuse e Horkheimer) figuraram como peças importantes na critica da indústria cultural, da politica, do pensamento ocidental e da função da filosofia. Hannah Arendt versou sobre as origens do totalitarismo, da concepção de história, entre outras questões. Foucault revolucionou o mundo com sua concepção de microfisica do poder. Tantos outros deram contribuições importantes no desvelamento das questões sociais. 

Mas a questão é: Porque hoje os intelectuais não ocupam mais o mesmo espaço que antes? Intelectuais continuam existindo e dizendo coisas interessantes, tais como: Marilena Chaui, Bauman, Zizek, Lipovetsky, Todorov, Agambem, dentre outros, no entanto, a ressonância e a reverberação mudaram de lugar e de tonicidade. A falência de uma concepção ocidental de politica, de democracia, portanto, de politica, o avanço rápido do capital para todas as áreas das atividades humanas, a velocidade da informação compõem esse cenário de aparente silencio dos intelectuais.

A forma como consumimos tudo, sobretudo informação, e a necessidade mercadológica de processar sem defletir sobre o que estamos fazendo no afã de consumir algo novo, são um dos elementos de difícil escuta sobre o que os intelectuais estão falando. Há também a própria dificuldade destes em acompanhar na mesma velocidade toda aceleração do tempo.

Entretanto, o que considero perverso mesmo é a estratégia de esvaziamento do espaço público, do debate, do controle do grande capital sobre a imprensa, e, pasmem, da lógica de produtividade que se abateu sobre a academia como forma de tornar obsoleta, chata, demodé, qualquer tentativa de reflexão. Paira no ar uma letargia, uma contramarcha do pensamento. A academia, lugar de excelência dos intelectuais, hoje é um espaço onde cada vez de discute menos, para um número menor de pessoas. 

Há uma espécie de saturação da reflexão. Tudo que exige leitura, tempo, amadurecimento, é logo associado a algo desinteressante. 

Cabe também uma critica aos intelectuais, na verdade, várias. Eles também se afastaram da vida, das questões sociais, ficaram cada vez mais encastelados nos seus birôs tentando decifrar o mundo longe dos movimentos sociais, culturais, enfim, de onde de fato deveriam estar, auscultando as ruas, de onde brota a informação, onde pulsa a contradição entre o teórico e o prático. 

Neste novo milênio, seguindo as sugestões de Ítalo Calvino (Seis propostas para o próximo milênio), há o desafio de continuar a exercer-se a prática intelectual aliada à outras vozes, linguagens, que também pensam a vida de sua maneira, nem melhor, nem pior, diferente. 

O novo intelectual tem que ser sensível, integrado a questões sociais, aberto, inquieto, holístico, se quiser se comunicar com a sociedade, caso contrário, será apenas uma figura tão absorta em si mesma que perderá a capacidade até mesmo de fazer uma leitura do mundo. 

Do outro lado, também é preciso desconfiar de todo discurso anti-critico, anti-intelectualizado que tenta fazer tábula rasa de tudo, banalizando tudo. Fatalmente isso é uma estratégia ideológica de combate ao exercício da crítica, do livre pensar, logo, serve a interesses mui específicos. A quem interessa essa postura? 

Foi por causa da atividade intelectual na França do XIX que se provou que Dreyfus nunca fora um traidor. 

Os intelectuais possuem um papel importante na sociedade, ainda.                                

terça-feira, 14 de agosto de 2012

O Maranhão em chamas

As cenas do hospital Carlos Macieira, de alta complexidade em chamas pela televisão ontem, são de causar perplexidade. Tanto pelo fato do hospital estar em reforma, quanto pelos hidrantes do prédio estarem vazios, o que dificultou e muito o trabalho dos bombeiros. 

A questão é o que o incêndio de ontem é apenas mais uma página triste de um estado que se encontra em total abandono, quer a capital, quer os municípios do continente. Qual é a agenda do estado, da prefeitura, para a saúde pública? As UPA's? Qual a agenda para segurança, habitação, infra-estrutura rodoviária, portuária, ferroviária, etc? 

A visão da transferência dos pacientes em estado grave que estavam na UTI é dantesca. Imaginem o que dever ter sido carregar pacientes em estado grave em meio a um incêndio? A preocupação de médicos, enfermeiros, funcionários em geral e parentes literalmente em salvarem as vidas, contando com a colaboração dos que ali se encontravam, é a própria visão da falta de estrutura, planejamento do estado na área de saúde, mas que pode ser estendido para qualquer setor.

Até quando ocuparemos o noticiário nacional com o que é vergonhoso, quando não for o panegirico e espalhafatoso anúncio turístico de nossas belezas naturais e abundante riqueza cultural? As praias estão interditadas, o trânsito é caótico, não há praça decente, parques. Não há muito o que se comemorar nesse panfletário, laudatório, equivocado, torpe 400 anos de São Luis. Já denunciei isso em dois artigos publicados nesse blog: São Luis 400 anos são outros quinhões e também, A vitória da derrota: a lenta morte do povo maranhense. 

O incêndio de ontem é apenas a representação do nosso estado de abandono. Acidentes e incidentes acontecem, mas onde está a fiscalização da obra de um hospital em plena reforma, exatamente do maior e mais importante do estado em alta complexidade? Não há prevenção de incêndios? Pelos hidrantes secos,  não.    

Quando vamos mudar essa página? Quando, lentamente, se modificarem as estruturas de mando politico no estado, a cognominada "cultura oligárquica". A cultura oligárquica não é apenas o controle do aparato burocrático do estado, é uma concepção cultural de dominação política e simbólica espraiada por todos os setores sociais: imprensa, saúde, judiciário, até o empresarial em que, parte-se do pressuposto de que o Maranhão tem dono, por isso, ninguém se sente responsabilizado por nada, afinal, reclamar para quem? 

Os responsáveis pelo incêndio de ontem responderão pelo acidente, diga-se por sinal, de alta complexidade?  

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Ana do Maranhão e o papoético

Aconteceu ontem, no cantinho da estrela, rua do giz, nº 175, Praia Grande, mais um evento do papoético: espaço que discute o cenário cultural de São Luis, sob a coordenação do Profº Paulo Melo. 

Desta vez, a questão em discussão era a montagem da peça: "Ana do Maranhão", texto premiado, escrito há 30 anos atrás por Lenita Estrela de Sá, e cuja montagem ficará a cargo da companhia teatral Abluir de Teatro, sob a direção de Cássia Pires. 

O evento contou a com a presença de poetas, escritores, atores, atrizes, diretores de teatro, jornalistas,  professores universitários, estudantes, enfim, pessoas ligadas ao cenário cultural da ilha, dentre eles: Júlia Emília, Ângela Gullar, Lio Ribeiro, Natinho Costa, José Neres, Paulo César Alves de Carvalho, César William, Uimar Júnior, Maria Machado, Matheus Gato, Fábio Carneiro, Rafaela Rocha, entre outros. A casa tava cheia. 

A intenção era discutir, com a exposição da autora do texto, a livre montagem da peça, mas sobretudo, problematizar a ambiência social propiciante do mito Ana Jansen.

Aos que não conhecem Ana Jansen, a "donana', "rainha do Maranhão", foi uma mulher importante na primeira metade do século XIX desta província à frente do partido liberal pelos idos da década de 40, atuando fortemente até 1847, quando a Liga Liberal começou a se enfraquecer.     

Viúva, rica, poderosa, mãe de filhos de casamentos diferentes, construiu-se em torno dela uma mitologia acerca de sua personalidade, perpassada para o imaginário social como uma mulher má, proprietária de escravos, dona de hábitos bizarros: como jogar escravos vivos nos poços de abastecimento de água de suas várias residencias. Tudo balela. 

Por conta dessas e de tantas outras 'lendas" sobre sua figura, compõe literalmente uma das 7 lendas da ilha de São Luis, a cognominada carruagem de Ana Jansen. Reza a lenda que em dias de sexta-feira, lua cheia, ouve-se andando pelas ruas do centro histórico de São Luis a carruagem de donana guiada por escravos decapitados arrastando correntes.

A discussão no papoético começou com a ambiência histórica em que foram discutidos o cenário politico provincial do século XIX, qual Ana Jansen pertencia, até se adentrar na urdidura da literariedade do belo texto de Lenita Estrela; a licença poética para se falar da mulher para além de sua construção mítica, além é claro, da liberdade teatral em adaptar o texto da autora para os palcos. Foi fantástica a discussão.

Não tardou para se adentrar na sociogênese maranhense, no ethos composto da singularidade propiciadora em pleno século XXI aos mais diferentes propósitos sobre a figura dela. Foi ai que a coisa esquentou, ainda mais. 

Lenita Estrela e os demais convidados brilhantemente expuseram os problemas em torno da mulher, e da mulher no Maranhão. A quem serviu a confecção desta tipologia da pessoa da Ana Jansen? O que isso nos diz sobre o Maranhão do XIX? Qual o traço de permanência presente até hoje? O que tudo isso diz sobre as condições politicas da antiga província e hoje estado?

Foi ai que Matheus Gato colocou o dedo na ferida. Para ele, o mito em torno da Ana Jansen nasceu nas classes dominantes, mas se reproduz em setores populares como estigma de uma dominação inversa, ou seja, a perpetuação do mito em torno dela ganhou ares de dominação simbólica sobre a condição negra e pobre no Maranhão, longe dos setores confeccionantes, e serve como estigma de um Maranhão ainda escravocrata em suas estruturas sociais. O debate esquentou. O ator Uimar Júnior, Angela Gullar, César William, Maria Machado e várias pessoas pediram a palavra para criticar as estruturas de dominação política e simbólica no Maranhão, perversas, por sinal. Durou 3 horas.  

Falar do século XIX e de Ana Jansen é tocar na ferida na estruturação de dominação oligárquica presente até os dias de hoje. Para entender o Maranhão só estudando Fernand Braudel, como diria meu amigo João, professor de História da UFMA. Eu explico.

Existe uma linha de permanência de dominação politica que atravessa o Maranhão desde sua constituição pós-independência de Portugal até os dias de hoje. É o feudo mais antigo do país; vem desde a formação dos partidos propriamente dito na década de 40 do XIX, oriundos claro, das famílias ligadas à questão agrária. Ana Jansen era oriunda desse meio. Não tinha como ser diferente. 

A pergunta que não quis calar foi: se as práticas que ele utilizava eram próprias de uma sociedade ainda incipiente acerca do espaço público, feitas sobretudo por homens, porque tanto alvoroço em torno dela? Misoginia? Machismo? Sociedade escravocrata? Tudo isso e outras coisas mais. Discutir Ana Jansen é adentrar nas filigranas da sociogenese maranhense, por isso é tão inquietante, é tão provocante. 

Parabéns ao Paulo Melo pelo espaço tão necessitado em São Luis em se discutir as nossas questões culturais como o papoético, a escritora Lenita Estrela de Sá, a companhia Abluir de teatro, a diretora Cássia Pires pela direção do espetáculo, ao Leandro, coordenador do debate e a todos que estavam presentes. 

São Luis precisava de um espaço desse. 

Na próxima quinta-feira o expositor será o Professor Ferreti que vai apresentar seu novo livro. 

Compareçam. Vale a pena       

            

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O Piano


Marcos Fábio Belo Matos

Todos os domingos eu ia religiosamente à igreja. Mas não ia pra orar nem pra louvar ao Senhor nem nada dessas coisas de palavra de Deus, não. Eu ia era pra ver ela tocar piano. Ela era uma visão do céu, parecida com aquelas imagens de anjo que eu via no meu livro de catecismo, quando era guri. E a música que ela tirava do piano era maravilhosa.

Eu chegava cedo na igreja e me sentava bem na frente de onde o piano ficava, esperando a hora dela chegar. Ela entrava, normalmente, uma meia hora antes, para passar as músicas. Trazia um caderninho, que um dia eu vi cheio de uns sinais estranhos, deviam ser as notas musicais que ela tocava. Sentava no banquinho, abria o piano, botava o caderninho numa espécie de prateleirinha, onde ele ficava penduradinho e dando exatamente para ela ver os sinais e tocar por eles. Tocava sem acompanhamento. Era uma igreja tradicional, muito silenciosa. Nada daqueles cultos cheios de guitarra, bateria, baixo que mais parecem um show de rock, com um pessoal tocando e cantando histericamente. O pastor tocava violino, de vez em quando, fazendo dueto com ela no piano – uma maravilha!

Verde, vermelho, amarelo, azul, lilás...Ela variava muito a cor do vestido. Mas sempre usava vestido, nunca calça nem saia nem outro tipo de roupa. Sempre vestido. Não devia ser norma da igreja, não, porque via muitas meninas lá de blusinha, jeans justinho, até de decote. Talvez fosse pelo fato dela tocar o piano, e o piano impor uma certa postura mais clássica, sei lá. Só sei que eu adorava quando aqueles vestidos entravam na nave da igreja, sentavam e dedilhavam uma música celestial, invadindo meus ouvidos e tomando conta do meu cérebro inteiro.

Na primeira vez, entrei na igreja por acaso. Tava em casa sem nada pra fazer, aí fui dar um passeio. Quando passava na frente do prédio, ouvi a música. Fiquei curioso, era uma música tão suave, tão diferente...Entrei e dei com ela passando os hinos, quase ninguém ainda tinha chegado. Sentei na frente dela e fiquei de olhar fixo nos dedos que deslizavam pelo piano. Nem piscava. Acho que ela percebeu, pois me olhou depois de ter passado as músicas e fez um cumprimento muito sutil, acenando com a cabeça e dando um risinho mínimo, mas eu percebi.

Fui muitas vezes à igreja, sempre na esperança de que ela nunca faltasse. E ela nunca faltou enquanto eu morei na cidade, vários anos. Mas um dia eu voltei lá pra rever uns parentes, fui ao culto e não encontrei mais ela. Não quis perguntar nada, porque não conhecia ninguém na igreja, frequentei todos aqueles anos como um desconhecido e ninguém se importou de saber nem o meu nome. Melhor assim. O piano ainda estava lá, mas só de decoração, nenhum som. Agora tem um cara tocando violão, ainda bem que não é uma daquelas bandas que ficam se esgoelando pra ver se Jesus ouve lá do céu. O pastor também mudou, agora é um mais novinho. Assisti só a metade do culto e fui embora antes de tirarem a oferta.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Feliz aniversário, Versura!!! Meus parabéns!!!!

Eu vou contar uma história para vocês. Eu conto histórias. Eu nunca pensei em ser blogueiro. Eu não queria ter facebook. Fiz meu face para divulgar meu blog. Começou em agosto do ano passado, momento de muita dor e tristeza pessoal. Era preciso canalizar o sofrimento, atravessar o luto. Tive a ideia de fazer um blog em que poderia canalizar meus sentimentos mais compungidos. Nascia o Versura abordando vários temas livres, sem maiores compromissos, a não ser a vontade de expressar ao público o que, embora fosse  subjetivo, atravessa a imensidão da existência.

O primeiro nome que me veio a cabeça foi PATAFÍSICA: a ciência das coisas impensadas, um conceito do francês Jean-Baudrillard, mas já tinha outro com esse nome. Aí, me veio Versura, que quer dizer: o desdobramento da palavra, e em italiano: “varrer”, “jogar para fora”. 

Versura é um conceito de um dos meus filósofos prediletos na atualidade, Giorgio Agambem. Foi-me apresentado pelo Professor da UFRJ, Poeta e meu amigo, Alberto Pucheu Neto. Esse conceito tirei da obra O que é contemporâneo, do Agambem. 

De agosto do ano passado para cá, muita coisa mudou em mim e no Versura. Ele tem sido um dos meus companheiros e confidentes diletos, com ele canalizo parte do que penso e até do que não posso publicizar. 

Comecei muito acadêmico, escrevendo apenas artigos meio-científicos, depois fui me soltando. Hoje, escrevo dentre outras coisas, poesias... risos. Foi tomando uma forma mais literária que qualquer outro formato, extensão do que sou. A verdade é que este blog é uma parte importante de mim, do que sempre quis fazer: escrever.  

Tudo começou em 1998, curiosamente, quando cheguei ao Mestrado em História pela UNESP em Assis, interior de São Paulo, e fui apresentado ao meu orientador Antonio Celso Ferreira. Foi ele que mostrou a profundidade da relação entre história e literatura. Vivendo na casa de Josenilma Aranha Dantas, graduada em Comunicação e em Letras, fazendo mestrado em Literatura, e também com o hoje escritor Ricardo Leão, a chamada “república maranhense em Assis”, que nasceu uma desconfiança de que apenas a epistemologia da história não daria conta de minhas angústias. Nascia a vontade de voar para além dos muros acadêmicos. De lá para cá, acumulei muita vontade de potência, até que o blog enfim ganhou corporeidade, vida.  

Fui testando, escrevendo, escrevendo cada vez mais. Já recebi um mosaico de críticas de toda ordem, do tipo: “o Versura é um culto a tua personalidade”.... “deverias escrever sobre outras coisas”... “é um absurdo não ter mais escritos sobre a política maranhense...” “deverias fazer revisões gramaticais antes de escrever”, dentre outras coisas.

No São João deste ano, encontrei um aluno de biologia que de chofre, petardou: “Pô, Henrique, eu gosto do Versura, mas não consigo entender a linha dele”. Sorri e disse: – “No dia em que ele tiver uma única linha, tem algo errado comigo, mas ainda quero dizer”...   

É verdade, não sei escrever mesmo, alguns artigos peço a revisão do meu irmão César, mas não dá para abusar sempre, além do mais, escrevo por impulso, quando vejo, pufff, já foi, publiquei.

É claro que sou vaidoso, mas daí a dizer que é um culto a minha personalidade é uma distância muito longa. Quando escrevo, sempre penso no que meus escritos possam interferir na vida do outro, afinal, já interfere em mim antes mesmo de ser publicado. Somos uma rede, todos nós estamos interconectados. 

E nesse aspecto, este blog me enche de orgulho. Já li cada comentário e já recebi cada elogio de descer lágrimas do rosto. Certa vez, uma amiga minha me disse sobre o artigo EGO's: – “Esse texto mudou minha concepção sobre o cristianismo”... Fiquei emocionado. É isso que sempre quis fazer na vida, além de interferir na vida dos meus alunos com minhas aulas.

No começo, eu estava muito preocupado com a quantidade de acessos, fruto de minha vaidade, hoje, estou com a qualidade. As pessoas que leem o fazem com profundidade. 

Não vou negar que nos últimos 3 meses o fato dele manter 1.000 acessos por mês em média, ser lido em mais de 12 países – nesse exato momento o relógio conta 8070 acessos, tenho 68 seguidores –, mexe comigo, mas já não é a minha principal vibe. Escrevo hoje por compulsão, por dever, por necessidade. Sempre porto um caderno de anotações à mão, dado pela minha amiga Patrícia Luzio. Tenho ideias dirigindo, andando de bicicletas, assistindo a filmes, brincando com minhas filhas.

Estou levando a sério a ideia de ser escritor. Ganhei da Patrícia o livro da Natalie Goldberg (Escrevendo com a alma: liberte o escritor que há em você), comprei os seguintes livros; de Miguel Unamuno (Como se escreve um romance); de Todorov (A beleza salvará o mundo); de Gilles Lipovetsky (A cultura-mundo: resposta a uma sociedade desorientada e também, O império do efêmero); de Dominique Mangueneau (Discurso Literário), além de estar fazendo um curso de redação pela internet. 

Uma vez perguntei ao meu irmão César como era escrever para ele. Ele me disse que era um ato contínuo, quando ele percebe, o texto chega. Foi aí que me dei conta de que algo de diferente estava acontecendo comigo. Uma crônica me veio pronta, de supetão, e de lá para cá tem sido assim.

Contei com a colaboração de meus amigos ao longo desse ano que se passou: Claudio Zannoni, César Borralho, Augusto Venturoso, Marcelo Cheche, Tonny Araújo e Patrícia Luzio. Ele é aberto a todos que queiram escrever, não é exclusividade minha.

Contei também com uma torcida que sempre me acompanhou: família, amigos, leitores, seguidores, alunos. Minha irmã Nel criticou a estilística nos artigos iniciais, minha também irmã Margarete sempre divulga meus posts, minhas primas, primos e amigos em geral sempre dão uma força. Sou muito grato.

O Versura é um exercício do narratário que quer existir, precisou apenas de mim para ter concretude, mas pertence a todos. Os textos em geral falam da vida, não de mim especificamente. Não sou importante, nem melhor que ninguém, apenas quero viver com a força de uma usina de mil megatons. Uma vida inteira não cabe em mim, pois não cabe em ninguém. Somos todos forças da natureza. Escrevo porque a vida precisa da literatura, mas a literatura precisa muito mais da vida.

Aos meus amigos Josenilma, a Jô, e Antonio Celso, agradeço profundamente a profusão das ideias que fizeram brotar em mim. A angústia, enfim, agora produziu frutos.

Obrigado a todos por essa jornada. A todos que sempre interferiram e estiveram comigo ao longo da vida. Sem vocês a palavra não se desdobra.

Querida amiga Sonia Lino, vou acatar tua sugestão, vou escrever mais sobre literatura.

Que engraçado!!!! Esta crônica é uma metalinguagem....

Feliz aniversário, Versura.              










Entrevista com Arton, de Sirius. Parte II

  Entrevista realizada no dia 14 de fevereiro de 2024, às 20:00, com duração de 1': 32'', gravada em um aparelho Motorola one zo...