sábado, 1 de setembro de 2012

velha, minha querida velha

Voz empostada imitando o timbre de Ângela Maria, sua cantora predileta. O pinho embaixo do braço, os dedos nas cordas de nylon, uma melodia animando a festa. 

Sempre na sua casa reunia a família, todos sem exceção. Era quase todo final de semana... Eram muito animadas as festas. 

Uma “negona” de traços fortes, personalidade inconfundível, coração de não caber no corpo. A matriarca sabia da importância da congregação, além de resolver os problemas de todos, tentando pelo menos. 

Do seu ventre nasceram 5, sobreviveram quatro: Hércules, Bete, Margarte e Nelzenir. Wellington ainda bebê se foi. Do ventre de suas duas irmãs criou mais três, da irmã falecida Zeneide criou Socorro e Homell, de sua irmã caçula Zenilde, eu. Assim, somos 7 que tivemos o privilégio de ter essa “negona” de traços fortes por mãe. Como somos gratos, devedores e temos orgulho dela. 

Além de ter criado os seus, os filhos de suas irmãs, ainda amparou depois de adultos os irmãos e cuidou de seu pai, um ex-segurança de uma fazenda no interior do Rio Grande do Norte fugido para o Maranhão depois de combater as odes de Lampião. Sim. Meu avô José Dionísio de Paula combateu Lampião. Dizem que esse nome ele adotou quando por estas bandas chegou.

Maria Auzenir de Paula Maia, escorpiana tanto quanto eu, me ensinou a viver. O gosto pela leitura, a vontade de correr mundo, o desejo indelével de me impulsionar a seguir meus instintos, de tocar violão, boa música, boa mesa, e beber socialmente. Minha mãe é um traço muito forte na vida de todos nós.

Foi minha professora no que hoje chamam de Infantil. Foi quem me levou pela primeira vez à escola Instituto Senhor do Bonfim, na Cohab, não sendo ela mais minha professora. Ensinou-me a ter responsabilidade, a ser um homem. 

Assistiu a quando quebrei a tíbia e a fíbula jogando bola na porta de casa, chorou e me carregou até o hospital, separou minhas brigas de rua quando atracados com meus colegas rolávamos no chão, me bateu quando necessário, deu-me bronca, mas sobretudo, foi minha maior e grande incentivadora na vida. Sempre acreditou em todos nós, sempre amparou todo mundo. 

Foi ela quem primeiro me disse que meu destino era ganhar o mundo. Conhecia-me como ninguém. Chorou quando me viu partir para São Paulo para fazer o mestrado. Ainda assim, contendo o choro me disse: Vai!!! essa é a tua vida. Amparou-me financeiramente e se preocupava com o que acontecia comigo.

Eu contei numa crônica chamada Guia histórico e sentimental de Sampa, aqui mesmo neste blog, quando fui a primeira vez para São Paulo, quando tinha apenas 16 anos, sozinho e sem dinheiro. Ela fez uma marmita e disse: – “Se queres ir a São Paulo mesmo sem dinheiro, eu te apoio e sei que conseguirás”. 

No discurso de sua formatura, fez um dos mais emocionados que uma mãe pode fazer. Ao pegar a palavra pronunciou: – “Todo filho procura imitar seus pais, eu procurei imitar meu filho, fiz história por causa dele”. Minha mãe, já de idade avançada, colava grau em História. Que lição de vida!!!!

Depois de 16 cirurgias marcadas no corpo, minha mãe se prepara para mais uma. Tantas e tantas vezes dormi com ela no hospital, agora todos nós nos preparamos para mais essa. A nossa “negona” já não é mais gorda, já não tem aquela vitalidade, está muito, muito magra, vítima de uma grave diverticulite que a impede de fazer o que mais gosta: comer à vontade.  

Ao vê-la deitada ontem no leito, com voz rouca, fraca, me dei conta de que a croner de Ângela Maria já não existe mais, aliás, existe potencialmente, não em ação, mas está ali minha mãe que me adotou desde os 2 meses de vida e que é minha aliada desde então, em tudo, tudo. 

É inevitável que quando nossos pais vão envelhecendo façamos uma revisita em nossas vidas. O curso da vida não para. Primeiro meu pai adoece, agora minha mãe. Continuam firmes e vão continuar durante um tempo. 

Não será uma diverticulite, “negona”, que vai te tirar de nós. Volta para casa. Volta logo, porque o que os teus querem mesmo é que aprumes o pinho embaixo do braço e mesmo com a voz rouca embales as canções que assistimos a tu cantares ao longo da vida, reunir todo mundo, te preocupares com todos, fazer comida, ser o centro das atenções, porque tua luz é única, tua força inigualável, tua importância visceral, aliás, como tu escorpianamente o és. 

Teus filhos cresceram, fizeste magnificamente o teu papel como mãe, mas não posso negar que às vezes tudo o que queria era que me pegasses no colo, como fazia antes, contasse uma história, me botasse para dormir.

Te amamos mãe. Te amo muito.










13 comentários:

  1. Chorei.
    A minha māe ta indo pra 18 cirurgia.
    Um beijo.

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    1. eu também chorei livia ao escrever. aliás, foi uma das mais dificeis para mim

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  2. Lindo demais...
    Não tenho nem o que dizer...
    Acho que as lagrimas que escorrem por meu rosto, falam mais do que minhas palavras...
    Como eu queria ter uma relação assim tão linda com a minha mãe... Mas o tempo só nos afastou, se um dia iremos conseguir nos entender e nos aceitar da forma que somos eu não sei... Ponho nas mãos de Deus!
    Parabéns Henrique, agora sei de onde vem essa tua forma de ser tão incrível, a criação molda o homem e você faz jus a ela...

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    1. torço flávia para que um dia possas se entender com tua mãe. Que Deus te abençoe

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  3. ...e eu metida a durona, demoronei. Fiquei muito emocionada com as tuas palavras, a fidedignidade com que relatas os fatos. Eu nunca me lembro desse detalhe de que não nascestes de mamãe.. Tu tens certeza disso? Eu desconfio que não é verdade. Claro que mamãe vai voltar prá casa curada, ela é muito durona prá se deixar levar por uma diverticulite, essa (mais essa) ela vai "tirar de letra". E como sempre, nós, todos os sete filhos junto com papai, estaremos esperando com um churrasco regado a cerveja, como sempre fazemos. Te amo muito, meu irmão, tu nunca sai, um só isntante do meu coração. Margô

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  4. Que Historia Linda meu amigo. Que demostração de Amor por um ser Humano tão bem escrita. como Poetizou Drummond,

    "... Fosse eu Rei do Mundo,
    baixava uma lei:
    Mãe não morre nunca,
    mãe ficará sempre
    junto de seu filho
    e ele, velho embora,
    será pequenino
    feito grão de milho."

    É isso amigo, em quanto a tempo, viva no tempo de sua mãe. Não tenho mais a minha.

    Oswaldo Boabaid Ribeiro

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    1. querido Oswaldo. sei que és poeta, então, um elogio vindo de um poeta para mim é uma grande deferencia. obrigado pela tua sensibilidade, pela tua amizade e sentimento pela familia

      abraços meu querido

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  5. Relato a respeito de mães feito com alma contém
    cheiro, sabor, alegria, lágrimas e dor.
    Francelino Bouéres.

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    1. francelino bouéres. tua poesia é tão linda quanto o desejo de estar com as mães.

      abraços

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  6. Zequinha... Tua habilidade com as palavras é sublime. Texto lindo, agradeço a Deus por ter nascido nessa maravilhosa familia e ter vivenciado muitos desses belos momentos "nossas reuniões cantarias"... Tia Alzenir "a negona" matriarca perseverante forte, nosso porto seguro, bussola norteadora, mãezona voltará logo, logo!!! abração em todos!

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    1. para mim é uma honra ser teu primo pedro. obrigado pelas palavras

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  7. Olha Zeca não se faz isso! voce fez passar um filme na minha cabeça, chorei que solucei... tuas palavras pelo pouco tempo que estou na familia só me fez ter a certeza de que D. Auzenir realmente é uma "MAEZONA" e Deus fará com que sua jornada seja completa pois ainda não está... Oremos e pedimos a Deus pela vida de D. Auzenir e Seu Neco... Por que deles temos, temos muito que aprender ainda!!!

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    1. Fe,

      eu escrevi a cronica em lágrimas. foi tão dificil escrever quanto "eu quero pepel".

      beijos

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