segunda-feira, 5 de março de 2012

guia histórico e sentimental de sampa..


Para minha irmã Nel


Quanto eu tinha 16 anos, em 1991, minha escola, Almirante Tamandaré, entrou em greve. Aproveitei então para realizar um grande sonho: visitar minha irmã Nel e conhecer Sampa. Obstinadamente decidi ir, mesmo sem meus pais terem condições financeiras para aquele momento específico. Assim compraram a passagem. Fui. Logo na rodoviária, minha mãe, receosa, perguntou ao motorista se menores de idade não precisavam de autorização judicial. Eu era um jovem de 1,80 m, forte e musculoso, teria passado despercebido numa boa. Aí, atrasei a viagem, o motorista não me permitiu embarcar sem a permissão do Juizado de menores. Era a minha primeira viagem de desbravamento de mundos. Eu sempre sonhara em colocar as mochilas nas costas e percorrer o desconhecido. Agradeço aos meus pais por terem me permitido isso.    

Sem dinheiro, meus pais cuidadosamente compraram uma marmita térmica e dentro, arroz, frango e farofa. Assim fui nessa aventura de cruzar parte do Brasil. Eu nunca havia saído do Maranhão. Quando a fome bateu, me dei conta de que minha mãe jamais me permitiria viajar desguarnecido. Havia trucidado a galinha ainda no Estado de Tocantins, e procurei a marmita desesperado em busca de algo para comer. Dei-me conta de que a galinha estava no compartimento de cima, embaixo, arroz, molho, e no terceiro, farofa. O arroz já cheirava mal. Separei o que ainda prestava, comi. Em Goiânia, já no segundo dia, desprevenido do clima, senti pela primeira vez o que era frio, isso depois de cruzar o Maranhão, Tocantins, a cognominada Belém-Brasilia. Fui até um orelhão mais próximo na rodoviária. De camiseta, liguei para os meus pais despreocupando-os. Sentia-me um adolescente rompendo os grilhões para a maturidade. Meus pais entenderam isso perfeitamente.   

Quando cheguei a Pirassununga, de manhã cedo, era preciso tomar banho. Ao abrir a janela do Itapemirim amarelo, saiu fumaça pela minha boca. Eu nada entendi e pensei estar tuberculoso. Depois, já no banheiro, ao tentar tirar minha roupa, escorreguei e bati de bunda num mármore mais que gelado, e de pronto, subi apressadamente. 

Dentro do ônibus já conhecia quase todo mundo. Já nem me postava mais no meu assento e compartilhava histórias de vida. Mas que experiência de vida eu tinha para compartilhar? Quá!!!! Eu sorvia aquelas histórias com um desejo fremente de um dia poder também contá-las. Mal sabia que minha viagem me renderia futuramente um artigo neste blog.

Lembro-me bem de um maranhense que há anos morava em São Paulo e que passava férias no Maranhão, ele me deu muita atenção e ao saber que viajava sozinho, sorriu de soslaio. Tinha também um chamado de "BB": Barbosa Boçal. Era como os amigos de Bauru, cidade onde morava, “carinhosamente” o apelidaram. Não entendi!!!.. Só porque ele falava muito alto, gargalhava feito uma gralha, roncava e não deixava ninguém dormir, comia muito e de boca aberta!? Ele era afetuoso, boa gente, era muito querido pelos amigos paulistas. Já estava lá havia 18 anos e dizia ser absurdamente feliz. 

Nunca mais reencontrei qualquer um daqueles viajantes, mas sou capaz de lembrar dos rostos de alguns. Naquele pau-de-arara do Itapemirim amarelo, vidas se cruzaram para nunca mais se verem. Como diria Milton Nascimento: "todos os dias é um vai-e-vem, tem que gente que chega para ficar, tem gente sorri e a chorar. e assim chegar e partir são o mesmo lado da mesma viagem, o trem que chega é o mesmo trem da partida"
  
Estava ansioso por conhecer a grande metrópole e a rodovia bandeirantes não acabava nunca. Depois de uma curva, vi a majestosa São Paulo, até então a visão mais estarrecedora de minha vida: a Marginal Tietê e um apinhado de carros, de vai-e-vem. Meus amigos de viagem, ao perceberem que eu fiquei com medo ao avistar a grande cidade, começaram a me por paúra; diziam que minha irmã jamais me encontraria na rodoviária. Foi a primeira vez que chorei depois de dois dias com fome e frio: o medo de não encontrar minha irmã. Ao chegar à rodoviária havia centenas de ônibus amarelos da Itapemirim; eu pensava que minha irmã jamais me encontraria naquela multidão. Percebi também que meus amigos, apesar da brincadeira, não estavam exagerando. Por dia transitam 1 milhão de pessoas pela rodoviária de São Paulo, exatamente a população de São Luis. Foi aí também que a solidariedade sorriu para mim: todos unânimes me disseram que me levariam para suas casas caso eu não encontrasse minha irmã. Não me soltaram até eu avistá-la. Como é bom ser esperado quando se chega de viagem. Quando, enfim, vi minha irmã, a alegria de súbito me pranteou a face, fui de reto até ela e voltei de costas para o ônibus olhando-a para não perdê-la de vista por entre as grades que separavam os que chegavam dos que aguardavam.  

Já no estacionamento, ao lado de meu grande amigo Claudionor, o Silva, que também me esperava juntamente com minha irmã, uma porta automática se abriu e perguntei onde estava o controlador da porta? Era o sistema de fotossensor. Ao começar a passear pela cidade, intentei “reconhecer alguns prédios” e dizer quais eu tinha vista pela televisão. Minha irmã e meu amigo Claudionor sorriram...

Era definitivamente um encantamento. Aturdi-me em conhecer a todo custo a cidade que anos mais tarde, 10 anos depois, moraria por dois anos... Assim, alguma coisa aconteceu no meu coração quando vi alguns recantos dessa cidade, que como diria Caetano: “é como um mundo todo”.

Hoje eu entendo o que quer dizer: “é que quando cheguei aqui eu nada entendi... porque és o avesso, do avesso, do avesso, do avesso”. O Encantamento dizia respeito à diferença que aquilo me remetia. Como diria Marshall Bermann: na modernidade, tudo choca, tudo repele, tudo atrai, tudo provoca um sentimento de estranhamento e fascinação ao mesmo tempo. Assim foi Sampa para mim, me repelia e me sentia atraído pelo novo, por aquilo que não abarcava e dominava.   

Ao andar pela cidade e me deparar com alguns lugares, tais como: cruzamento da Ipiranga com São João – tema de Caetano em Sampa (ali perto está o bar Brahma onde Caubi Peixoto ainda faz shows); Vale do Anhangabaú – a vista é estrondosa, a força da megalópole; mosteiro de São Bento; Igreja da Sé; bairro japonês da Liberdade;  Pátio do Colégio – onde São Paulo nasceu, a edificação mais antiga da cidade; bairro do Bexiga - italianada; Estação da Luz, pinacoteca, todos ao lado um do outro; Parque do Ibirapuera, shows, e muita coisa de graça, aos domingos é obrigatório;  Museu do Ipiranga; Museu da independência; Avenida Paulista: MASP, Trianon, Conjunto Nacional; mercado municipal; sebos; livrarias; bibliotecas; restaurantes; galerias; vernissagens; feiras de antiguidades; Memorial da América Latina, e de bobeira; entrar numa padaria, pedir "um pastéis e dois chopp", tomar café, ver filmes que só passam lá, teatro, centro culturais, enfim... entender o que só Sampa tem.

Mas o melhor estava por vir... Os  meus grandes amigos levo pro resto da vida... Meu amigo Claudionor, o Silva, que me hospedou em sua casa, minha primas Diana e Kátia que também me hospedaram. Sou eternamente grato a Diana por tudo que fez por minha irmã, por mim e mamãe. Depois Sampa me agregou: Li, Renê, Natália e Paulinho, Eron e Nelson, Sueli, Denise Sachetto, Patrícia, a Luzente. Todos esses citados me são muito caros... 

Mal sabia que aquela viagem era apenas o início do desbravamento de meus mundos. Alguma coisa aconteceu no meu coração quanto avistei Sampa pela primeira vez... Desde então, a vontade de desbravar novos lugares se arraigou em mim. O mundo não era mais tão grande e amedrontador. Devo isso a Sampa...Terra de todos e de ninguém, feia e bonita, grande e às vezes provinciana, ímpar de cenários repetidos, previsível e impulsiva, soberba e impotente ante os seus deuses da chuva, cheia e quase sempre vazia, rica e tão pobre, desejada e repelida... Quantos sentimentos ela é capaz de despertar? Tantos quantos seus transeuntes se permitirem sentir.







4 comentários:

  1. "Sim, sentimentos que afloram revelando um misto de angústia, melancolia e prazer, que só o poeta nordestino sabe representar. Canta poeta do sol.......".

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  2. Que Bom que na "ATENAS" dos mortais, nos deparamos com a vida entre linhas. parabéns, continue cantando, versando poeta do sol.

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  3. Querida Dorian, obrigado pelos comentários e pelo elogio de "poeta do sol". nem sabia que eu era era... Sampa provoca isso na gente, algo bom ou ruim, mas nunca indiferença. gosto muito daquela cidade até por suas contradições. abraços

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    1. Vç é uma pessoa especial,por retratar a vida com o talento que tens com as palavras.Poeta do sol, pela "nordestinidade" que revelas em teus escritos parabéns.

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