Sempre me quedei questionando qual
é o limite da condição ôntica do sujeito, ou seja, até onde é possível viver
e bancar a solidão da existência, qualquer que seja ela; a de se estar
sozinho, sem a presença física de alguém; a de estar com alguém, mas
sentir-se sozinho; e/ou, a de estar sozinho ou com alguém e ainda assim saber
que o outro, qualquer que seja sua importância/função: amigo, namorado (a),
marido, esposa, jamais preencherá a condição existencial, que é absolutamente
individual. Em outras palavras, mesmo estando-se em presença/companhia de
outras pessoas, será sempre necessário lidar-se com a condição ontológica de
cada sujeito.
Cada um aprende a lidar com as
condições ônticas e ontológicas de forma mui singular. Uns preferem
casar-se, outros, terem filhos, alguns preenchem com amigos, bebidas, drogas,
religião, enfim, mas o que todos nós deveríamos de fato saber é que a
condição ontológica, existencial de cada sujeito, é prerrogativa e decisão
individual de cada um.
O outro é um fundamento axial, um
vórtice na verdade da descoberta de quem se é. Só é possível virmos a
descobrir quem somos no processo de construção e desconstrução de nossas
sociabilidades e identidades, portanto, negando, alterindo, agregando e/ou
negando a condição ôntica dos outros sujeitos, ou mesmo afirmando.
Não há saída, viver é condição sine-qua-non de con-viver, viver com.
Nesse processo, riscos e escolhas
precisam ser feitas. Ter amigos é uma, se apaixonar é outra, amar, é outra,
embora a mais primordial e fundamental, aliás, o que fundamenta
a própria existência. A existência em si já é uma prova de amor.
Há aqueles que por opção não querem
se apaixonar ou amar, não querem sofrer o risco do abandono ou da decepção,
pois sabem que uma vez apaixonados ou amando perdem o leme do barco, ficam à
deriva da força estioladora do que esses sentimentos são capazes de produzir,
quase sempre, ou sempre, deslocamento dos centros; refiro-me ao ego. Nem sempre deslocar
o centro do ego é ruim (aliás, conceitos como ruins, problemas, negativos,
precisam ser revistos porque só assumem essa conotação semiológica quando
observados sob determinados prismas, quase sempre do maniqueísmo). Algumas pessoas só encontraram sua felicidade se se
permitirem se deslocar,
aprender a se doar, se entregar, caso
contrário, serão eternamente um poço de ego inflado, autorreferenciado, ou seja, perdem a possibilidade de, na troca, doação,
aprender com o outro o que não tem.
Os que sustentam que o risco da entrega é uma possibilidade
de dor futura lancinante, deveriam se questionar porque necessariamente “perder”
é ruim, negativo, o que necessariamente ganham por não perderem, o que querem
sustentar, onde se localiza a fonte do medo. Viver e conviver são duas grandes
apostas. É preciso arriscar, ninguém tem a fórmula do sucesso. A experiência
faz no fazer-se, e cada experiência é absolutamente individual, embora haja
alguns que teimam ou insistam para que as pessoas não vivam suas experiências
no afã e desejo, também na presunção, de saberem o que vem a ser melhor para
cada um.
Quase sempre o “prejuízo” de
não viver determinadas situações é mais emblemático do que ter
vivido e ter exaurido, porque não viver situações que poderiam ter sido vividas
é resignificar a ausência o tempo todo, o não presente, é
presentificar um desejo compungido não realizado, portanto, eternamente
redimensionado, eternamente alimentado pelo desejo de tê-lo consumido.
A ausência nesses casos é mais forte do que uma condição objetiva
vivida, realizada, porque a ausência se nutre da vontade de potência. Vazio não
existe, logo, situação não vivida, ou porque não se quis, ou não se pode viver,
é sempre carregada de desejo prenhe, sempiterno, ao passo que o desejo
consumado tende a exaurir-se, pois nisso consiste sua condição.
Assim, estamos todos cotidianamente
impelidos, e não convidados, a ter que lidar com nossas condições ônticas e
ontológicas, inerentes à existência, viver, estar vivo. Só se aprende
vivendo, vivenciando, se permitindo, se aceitando, aceitando o outro,
arriscando. Não tem outro jeito.
Aceitar a condição de que se está
só no final das contas é sempre o melhor caminho para a aceitação da
solidão ôntica, ou seja, sozinho consigo mesmo, pois é o primeiro passo
para a descoberta da nossa condição ontológica, logo, abertura para aceitação
do outro. Só é possível aceitar o outro quando nós aceitamos, primeiro
sozinhos, depois com alguém.
Tudo haver comigo este texto..lindo,lindo,lindo..
ResponderExcluirparabens Henrique..
que bom Jucy. Fico feliz em saber que o texto te ajudou. abraços
ResponderExcluirAmado, parabéns pelo post!
ResponderExcluirDialogando com isso tudo que já conversamos noite adentro, ao mesmo tempo, a dialética entre o ôntico e o ontológico não termina por aí... temos um problema: nunca estamos só. Somos tramas complexas de um mundaréu de gente. Quando penso, quem pensa em mim? Quando desejo, quem deseja em mim? Já não sei mais...
Este foi um dos mais dolorosos choques de realidade invisível que já tive, graças ao Durkheim e à Sociologia. Quando entendi que "indivíduo" é meramente uma construção ideológica, portanto que "eu" não sou eu e sim "nós", quase enlouqueci! Como assim? Mas não há algum cantinho onde eu sou eu, somente eu, simplesmente eu? Não, diz a Sociologia, a Psicologia, a Filosofia, as Religiões - que dirá a História...
Ao mesmo tempo em que tal constatação foi quase enlouquecedora, ela também foi elucidativa: ahh, então é por isso que me sinto assim, meio colcha de retalhos? Explicado!
Agora, que ficar fisicamente sozinho ajuda a orquestrar melhor toda essa polifonia, ô se ajuda... e ajuda a ver, também, que todos nós estamos no mesmo barco, naquilo que o sensível Gilberto Safra chamou de sobórnost - "comunidade", em russo.
Outra coisa que também venho pressentindo é que a solidão ruim que às vezes sinto se deve à minha dificuldade de recompor, em mim mesma, todo esse mundaréu de gente. De integrar essa gente toda, encontrando um fio dourado que nos una - o tal sobórnost...
Beijão.
Patricia, concordo contigo, e ser formos para o plano espiritualista é aqui que a coisa pega, pois o que a sociologia faz ao afirmar a multiplicidade de vozes o espiritualismo afirma que todos estamos conectados e que o outro é que nos ajuda a descobrir quem somos, portanto, temos sim responsabilidade para com o outro.
ResponderExcluirbeijão