A literatura, a história e a infância.
Ontem, dia 25 de agosto, data em que se comemora o Dia do Soldado,
ministrei uma palestra na cidade balneária de São José de Ribamar, que dista 19
km de São Luís, na escola Liceu Ribamarense, durante o festival de literatura
daquela cidade, sobre literatura e história. Acostumado a ministrar palestras e
conferências para um público acadêmico especializado, estava eu diante de uma
plateia inusitada e ávida por saber o que aquele grandão de 1,83 m de altura,
meio gorducho, tinha a dizer sobre esse tema. A plateia eram os alunos das
escolas de ensino fundamental da cidade que tomavam por completo o pátio.
Desacostumado a falar numa linguagem mais acessível e de
fácil entendimento, típico da vaidade acadêmica, me vi no desafio de tentar
seduzir aqueles meninos e meninas que estavam sedentos pela história e pela
literatura, e também pela possível relação entre esses dois conhecimentos.
Comecei meio travado, super temeroso, com medo, receoso de ser reprovado por
aqueles que poderiam ser meus alunos. Discussão teórica nem pensar; que fazer
então? Como “soldado” em seu “dia” de missão, taquei um Monteiro Lobato com seu
inconfundível Sítio do pica-pau amarelo
e as circunstâncias que fizeram o escritor de Taubaté lançar mão das relações
sociais de seu tempo na urdidura e confecção de sua obra. A barreira foi
quebrada. Depois parti para análise de poemas e pedi que os alunos
espontaneamente viessem à frente declamá-los e analisá-los. De cara, soltaram Gonçalves
Dias com “Canção do Exílio”. Eu estava em casa.
À medida que a palestra, conversa seguia, comecei a pensar
na capacidade que a literatura tem não só de nos transportar e imaginar outros
mundos, sua imensa potência de vivificar a sensibilidade das pessoas, como
também ao lado da história, de posicionar-nos no mundo, decodificarmos sentidos
e tomarmos partido. Eu sou um historiador, foi ela que me deu régua e compasso,
meço o mundo a partir das metrificações de Clio.
Foi inevitável não sentir raiva do meu estado, o Maranhão,
miserável, pobre, oligárquico, que tantas vidas perdeu e desperdiçou no lamaçal
da corrupção, da ingerência administrativa, na falta de compromisso, levando
milhares de crianças, jovens e adultos a não terem oportunidade de, pelo saber,
optarem por um vida melhor. Muitas dessas vidas dilaceradas pela pobreza jamais
tiveram a oportunidade de conhecer um Monteiro Lobato, jamais sentaram num
banco da escola, nunca foram incluídos na cognominada sociedade civil ou foram
cidadãos, exatamente porque a possibilidade de perceberem seu estado de opressão
e dominação lhes foi suprimida.
Concomitantemente à raiva, me veio à profusa alegria quando
começaram a me encher de perguntas, difíceis e espinhosas. – Quem foi o
escritor no século XIX que mais publicou? ... [Isso lá é pergunta que se faça??
Risos...]. – Qual o poeta que mais te toca, te sensibiliza? – Qual o escritor brasileiro de que
mais gosta? – Por que poetas e escritores foram exilados durante a ditadura
militar? – Qual o escritor maranhense é mais conhecido? Eu estava quase pedindo
arrego!!!!... Levei-me pela emoção e comecei a falar de Dostoievski,
Maiakovski, Malarmé, Baudelaire, Eça de Queiroz, Fernando Pessoa, Gonçalves
Dias, Ferreira Gullar, Bandeira Tribuzi, Manuel Bandeira, Rachel de Queiroz,
Carlos Drummond de Andrade, Nauro Machado e tantos outros. A emoção já havia
contagiado aquele ambiente. Foi uma manhã inesquecível. Se eu pudesse, como
escritor da vida, reescreveria a história do Maranhão para que eles soubessem
que os autores de nossa história até o presente momento têm sido péssimos
escritores, mas nutro o desejo de que esses meninos e meninas possam no futuro
escrever uma nova história, no estado e na vida deles.
A última pergunta me tocou profundamente. – Até quando
pretende escrever?, perguntou Danilo. – Se depender de encontros como este,
respondi, enquanto Deus me der força, vontade e saúde. Há muito para se contar
e se recontar, meu caro!!!!
Agradeço do fundo do coração aos Danilos, Joãos, Paulos,
Thyagos, Taynaras, Cecílias, Marias, todos os alunos, professores que os
acompanhavam, a diretora da escola Liceu Ribamarense, professores de lá,
funcionários, monitores, por me proporcionarem uma manhã de esperança. Saí
renovado.
De lá, fui ver o mar, bem perto. A imagem dos alunos se
confundiu com a grandeza do mar de Ribamar, acima do mar e de qualquer auguro
dessa vida às vezes antipoética. Mas tudo se renova!!!
Ai Henrique me emocionei com seu post... A simplicidade é tudo, q adianta falar palavras difíceis e nao ser entendido, claro q há ambientes e contextos diferentes e de acordo com eles os níveis tb sao outros, mas mesmo em nível acadêmico podemos falar de forma clara sem perder a qualidade vocabular. E nao vamos perder a esperanca de dias melhores para nossos jovens e o Maranhao.
ResponderExcluirAdorei o texto, prof. Henrique, sobretudo pela capacidade de nos transmitir a emoção de um momento tão singular e enriquecedor. Tenho certeza que também os jovens que ouviram tuas palavras se transportaram a outros mundos de esperança, poesia e encantamento - espaços da literatura, da infância, da história. Mundos que hoje estão distantes, mas que podem passar da estranheza à realidade, já que afinal, "tudo se renova". Parabéns pelo texto!
ResponderExcluirPalavra-Estética! Essas experiências são o que realmente tua vasta memória irá lembrar quando a palavra experiência for mencionada. Fico muito feliz por eles e por ti. É difícil não te admirar Henrique. Compartilhar conosco é deveras gratificante e em dias de caminhada ao sol, cansaço e quase incertezas, é realmente revigorante! Parabéns.
ResponderExcluirqueridos Kelly, vera e César. recebi um puxão de orelha por sor criticar São Luis, não era bem essa intenção, eu estava criticando o ufanismo da festa dos 400 anos. Obrigado pelos comentários.São Luis enquanto povo é uma coisa, os nossos dirigentes são outros.....quinhões
ResponderExcluira
Pôxa, cara, legal!
ResponderExcluirLegal perceber a simplicidade das tuas palavras, e a grandeza do teu pensamento!!!